segunda-feira, 19 de julho de 2010
No tempo em que as vacas comiam erva
Há dias li que de 30 a 50% do alimento que é utilizado pelos lavradores açorianos para manter o seu gado bovino é importado. Longe vão os tempos em que aquele era apenas proveniente das pastagens e do chamado “outono”, mistura de tremoceiros, faveiras, cevada ou aveia, se não estou em erro.
Naquele tempo, década de sessenta e início da de setenta do século XX, não se imaginava que o leite seria vendido em embalagens com a forma de um paralelepípedo. Durante largos anos eram os próprios lavradores que faziam a distribuição do leite pelos seus clientes porta a porta ou o colocavam numa mercearia que fazia a distribuição pelos seus fregueses.
Meu avô, Manuel Soares, morador na Ribeira Seca, muito antes do aparecimento das fábricas transformadoras do leite, colocava-o numa loja na Vila e ao fim do dia, quando o dono da mesma não o vendia era obrigado a recolhê-lo. Como ultrapassava o necessário para a família, era obrigado a usá-lo na engorda do porco que mantinha no curral.
Não presenciei os factos referidos no parágrafo anterior, mas assisti à fase da distribuição pelos vizinhos. Assim, lembro-me muito bem que parte do leite que as suas vacas produziam era colocado na Lacto Açoreana, fábrica existente na Ribeira Grande, e a outra, mais pequena, era para consumo próprio e para vender a alguns vizinhos, como os irmãos Maria e João Amaral e a Maria José “Maurício”.
Se hoje há quem se esforce para demonstrar que o leite dos Açores é de boa qualidade e que tem propriedades especiais, por volta de 1964, dizia-se que o leite cru, bebido logo após ter sido tirado, era remédio santo para a bronquite. Não tenho conhecimentos para confirmar ou não tal afirmação, mas uma coisa é certa, depois de beber o leite proveniente das vacas dos pais do meu ex-colega e amigo, emigrado no Canadá, António Paulo Carreiro, deixei de me apoquentar com a bronquite que me atacava desde a mais tenra idade.
Outra nota digna de registo é que o estábulo das vacas que me “curaram” a bronquite ficava no quintal de uma casa situada na Rua do Jogo e que as vacas, bem como um cavalo, para lá chegarem tinham que subir, todos os dias, uma escada, com muitos degraus, passando pelo interior da própria moradia.
Por aquela altura, na Rua do Jogo, duas vezes por dia, o que mais se viam eram cavalos parados às portas das casas dos respectivos donos, depois de terem descarregado o leite no principal posto existente na Ribeira Seca, o da Lacto Açoreana, que se localizava, na Rua da Palmeira e que era conhecido como o “Posto da Tia Isidora”.
Associada ao transporte de leite por cavalos existiu, também, na Ribeira Seca a profissão de albardeiro que durante muitos anos foi assegurada pela família Couto. Lembro-me de uma tenda localizada no Canto da Cruz onde trabalhavam pelo menos quatro pessoas, o pai Manuel Couto e os filhos Manuel, Emídio e Luís.
Sabemos (nem desejamos) que o tempo não volta para trás, mas uma coisa terá de regressar, o tempo em que as vacas, como herbívoras que são, comam essencialmente erva, para bem da saúde de todos nós e da economia regional.
Teófilo José Soares Braga
Ribeira Seca e Pico da Pedra, 3 e 4 de Julho de 2010
(Publicado no jornal “A Vila”, nº 410, p.4, 1 a 15 de Julho de 2010)
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