quarta-feira, 11 de maio de 2011

Com os pés na terra... (5): Botânica do dia-a-dia


1 - Ervas
Ribeira Seca de Vila Franca do Campo. Estou a escrever sentado num pedaço de terra onde, até ao dia 17 de Julho de 2010, se encontrava uma plantação de marijuana.
Não vou divulgar a minha posição sobre o consumo da referida “droga” que me parece quase generalizado e banalizado entre nós. Com efeito, se há meia dúzia de anos todos os meus alunos do 11º ano de escolaridade já haviam, pelo menos uma vez, experimentado o seu consumo, hoje, dizem-me que nesta localidade há diversas plantações, nomeadamente em antigas quintas abandonadas, sendo do conhecimento de quase todos os nomes dos cultivadores e as autoridades conhecem, muito bem, quem a vende.
Do local onde me encontro, que não terá sido escolhido por acaso pelos “novos agricultores”, tenho uma vista fabulosa sobre o litoral de Vila Franca e observo os, até agora, muito fracos resultados da minha tentativa de criar um pomar no que é, ainda hoje, uma pastagem e que foi outrora um terreno ocupado por bananeiras e laranjeiras.
Para quem inicia um projecto como o meu é desesperante ver as ervas daninhas a crescer contínua e rapidamente enquanto as nossas plantas não. Mas, desanimador e revoltante é chegar ao local e vermos que nos roubaram algumas plantas, entre as quais um jambeiro, uma camélia, folhados, castanheiros e uma nogueira ou que, pela calada da noite, nos roubaram parte da vedação e colocaram vacas e cavalos a pastar ou que puseram lá cabras e que estas devoraram as guias de todas as árvores e comeram as cascas de outras, o que na maior parte dos casos as levará à morte.
Mas, infelizmente não sou a única vítima. Há alguns dias, na localidade, foi-me dito que era uma aventura manter terras cultivadas, pois se falta mão-de-obra para semear e plantar, ela abunda aquando das colheitas que são feitas, normalmente à noite e por quem passa o dia a dormir.
Numa conversa informal entre um grupo de pessoas que já sofreram na pele a visita dos trabalhadores nocturnos, uma delas afirmou que eram às dezenas os cachos de banana que lhe retiravam e que a única alternativa que possuía era arrancar todas as bananeiras. Alguns lavradores presentes referiram que, também, lhes roubavam adubos, rações e baterias e que não apresentavam queixas às autoridades pois aos ladrões nada lhes acontecia e por temerem que os seus haveres (ordenhas e animais) fossem alvo de represálias por parte de quem eles muito bem sabem quem são.

2 - Árvores
Depois do almoço, fui visitar uma mata de criptoméria existente na margem esquerda da Ribeira Nova, tendo passado antes por uma minúscula pastagem que herdei dos meus pais, cujo “rendeiro” me expropriou pois não se digna pagar a respectiva renda.
Na mata dos caniços, assim chamada devido à presença de bambus, deparei-me com profundas alterações provocadas por alguém que decidiu ocupá-la e usar os espaços vazios para “estabular” o seu gado bovino. Para além da ocupação da mata, a mesma pessoa também decidiu fazer o mesmo no “gargalo”, faixa estreita de terreno que no tempo de meu pai era ocupado por vinha, cujas uvas eram colhidas em grande parte pelo melro-negro.
Hoje, no “gargalo” para além de um castanheiro, cujas castanhas são comidas noutras casas da localidade que não na minha, existem algumas criptomérias que têm vindo a ser roubadas ao longo dos anos.
Esta minha visita, como seria de esperar, trouxe-me à memória o dia 27 de Fevereiro de 2010, quando ao ver três pessoas a cortar uma árvore na minha propriedade lhes avisei que tal não podiam fazer e que iria comunicar o facto às autoridades. A resposta não se fez esperar: “Nunca mais apareças aqui. Vamos dar-te um tiro. Vamos destruir tudo o que estás a fazer na tua quinta”.
Depois de tentar identificar as pessoas em causa, como não tive êxito, acabei por não apresentar qualquer queixa.
Resta-me o consolo de saber que, estando tudo modernizado, desde a miséria até ao roubo, os ladrões terão a oportunidade de ler este texto.
Autor: Teófilo Braga
11 Maio 2011

Fonte: Correio dos Açores

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