sábado, 28 de janeiro de 2012
O ananás amargo
Dado a conhecer aos europeus por Cristóvão Colombo aquando da sua passagem, em 1493, por Guadalupe, o ananás começou a ser introduzido na Europa no século XVI. Depois da sua introdução em São Miguel, a partir de meados do século XIX, como planta ornamental, passou a ser cultivado para consumo das famílias mais abastadas e começou, em 1864, a ser exportado, primeiro para a Inglaterra e depois para outros países do Norte da Europa.
Sobre a cultura do ananás muito já foi dito e escrito, por isso vou limitar o meu texto a recordar um pouco a situação que se vivia há cerca de 40 anos e relatar o que se está a passar actualmente.
Não tenho conhecimentos teóricos e o meu contacto com a cultura do ananás foi muito ténue, pois da minha família apenas a minha avó e depois uma tia minha possuía uma estufa no quintal de sua casa, a qual já foi desmantelada há alguns anos.
Durante a minha juventude convivi com pessoas que, com uns carrinhos de mão, iam às matas buscar o que então se chamava o “enchimento” que vendiam aos donos das estufas. Também convivi e fui colega de escola de muitos “leiveiros”, que ganhavam a sua vida a tirar leivas dos matos localizados na área do Monte Escuro, as quais eram usadas para fazer as camas das estufas.
Não quero prosseguir sem referir aqui que os meus colegas “leiveiros” estão quase todos emigrados, pois se ganhavam bem com a extracção de leivas, aquela actividade era muito sazonal e a sua actividade principal, a agricultura, já se encontrava em declínio, a pecuária não absorvia toda a mão-de-obra disponível e a construção civil, na altura, não tinha a dimensão que tem nos nossos dias, apesar da crise em que está mergulhada.
Se antes havia o problema ambiental resultante da extracção de leivas em zonas sensíveis como a Serra Devassa ou a Reserva Natural da Lagoa do Fogo, hoje, segundo informação que recebi, os proprietários de estufas e a sua associação debatem-se com a “escassez” de incensos, pelo menos em zonas de fácil acesso, que possam ser utilizados, sem custos elevados, no cultivo do ananás.
Se outrora eram as zonas sensíveis as ameaçadas, hoje são algumas propriedades privadas que são alvo do vandalismo por parte de quem vende as ramadas de incenso aos donos das estufas.
Depois desta longa introdução, a seguir vou fazer referência ao que me preocupa, pois “quem caça de coração é o dono do furão”.
Já por diversas vezes tomei conhecimento de que os larápios haviam escolhido algumas estufas de ananases para colherem os frutos que outros tiveram o cuidado de plantar, mondar, regar, etc.
Mas, se há entre os proprietários de estufas e entre os fornecedores de “matérias primas” pessoas honestas, também há quem não tenha a mínima sensibilidade ambiental e social e que colabore, ainda que passivamente, para que os roubos continuem a proliferar.
No caso destes últimos, será que alguns donos de estufas têm o cuidado de fazer a aquisição a pessoas idóneas e de procurar saber qual a origem dos incensos que lhes são vendidos?
É claro que não, se assim fosse não teria acontecido comigo o que aconteceu. Assim, ao chegar a um terreno que possuo, em Vila Franca do Campo, no passado dia 16 de Janeiro, verifiquei que vários incensos constituintes de um abrigo (sebe) haviam sido tronchados, os ramos mais grossos deixados no caminho e os mais finos levados para serem triturados e usados em estufas.
Em jeito de conclusão, diria que os cultivadores de ananás debatem-se hoje com a carência de ramadas de incensos para as estufas, que existem extensas áreas da ilha de São Miguel invadidas pelo incenso e que seria de toda a utilidade para a conservação da flora nativa a sua erradicação, pelo que deveria haver um entendimento entre a Secretaria Regional do Ambiente e do Mar e a Secretaria Regional da Agricultura e Florestas para que o incenso retirado fosse cedido aos cultivadores de ananás, a custos aceitáveis.
Por último, ninguém deveria aceitar incenso cuja proveniência fosse desconhecida, só assim, pelo menos para mim, o doce do ananás não seria substituído pelo amargo de ver uma sebe destruída e uma plantação recente de fruteiras desabrigada.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 25 de Janeiro de 2012)
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