terça-feira, 26 de fevereiro de 2013
O ESPÍRITO AVENTUREIRO DOS AÇORIANOS
O ESPÍRITO AVENTUREIRO DOS AÇORIANOS
A leitura de vários estudos sobre a emigração açoriana, entre os quais os da autoria de Sacuntala de Miranda, com destaque para os publicados na sua obra “A Emigração Portuguesa e o Atlântico”, esclarece-nos acerca das principais causas que levaram muitos açorianos a emigrar.
Ao contrário do espírito aventureiro do povo açoriano, descendente dos temerários portugueses que percorreram o mundo em verdadeiras cascas de nozes que era um dos principais argumentos usado pelos “historiadores” do Estado Novo, a verdade verdadeira é que, como muito bem escreveu Sacuntala de Miranda, a fuga dos Açores foi e ainda é feita essencialmente por todos “aqueles que não vislumbram, dentro da pátria, oportunidades de fugir à fome, à miséria, à obrigação do serviço militar e …aos castigos de uma natureza madrasta e imprevisível que, de um momento para o outro, os fustiga com intempéries e terramotos devastadores”.
Mas não era necessário a leitura para sabermos que a esmagadora maioria das pessoas não abandonou os Açores porque estava cansada de cá estar e decidiu ir respirar outros ares. Com efeito, basta enumerarmos a lista de todas as pessoas que cada um conhece para se chegar à conclusão que quem saiu de cá foram, sobretudo, as pessoas que pouco ou nada tinham e que viviam muito mal, ainda por cima numa altura em que o chamado estado social nem miragem era.
A emigração é um “fenómeno” que atingiu todas as localidades dos Açores e a maioria das famílias açorianas.
No caso da minha freguesia, a Ribeira Seca de Vila Franca do Campo, não sei se haverá alguma família que não tenha um dos membros a viver no estrangeiro, sobretudo nos Estados Unidos e no Canadá.
No meu caso, tenho um irmão a viver nos Estados Unidos da América e dos três irmãos de meu pai, que foi emigrante no Canadá durante dez anos, dois deles emigraram e uma delas não emigrou, mas o seu marido também esteve vários anos no Canadá. Do lado da minha mãe, dos quatro irmãos, dois foram emigrantes e um deles ainda vive nos Estados Unidos da América.
Antes deles, que emigraram no século XX, sei que um bisavô meu andou pela Califórnia, nos últimos anos do século XIX, a trabalhar, em condições miseráveis, na criação de gado. Segundo relatos de alguns familiares, dormia nos armazéns onde guardavam o alimento para as vacas.
A meio da década de oitenta do século passado estive nos Estados Unidos e tive a oportunidade de conhecer um pouco da realidade da comunidade açoriana a viver em várias cidades e foi com satisfação que verifiquei que todos eles viviam, pelo menos materialmente, muito melhor do que em Vila Franca do Campo.
A grande maioria deles não pensava em regressar aos Açores pois os seus filhos e netos estavam todos lá e já não existiam quaisquer outros laços, familiares ou propriedades, que os fizessem pensar de outra forma. Alguns deles, meus colegas de infância, recusavam-se a cá vir mesmo passar alguns dias de férias, tal era a sua revolta pela miséria em que viveram e pela fome que cá passaram.
Tal como em todos os Açores, foram percentualmente muito poucos os emigrantes da Ribeira Seca de Vila Franca que regressaram e destes, alguns acabaram por já não se adaptarem cá e voltaram a partir.
Regressaram definitivamente à Ribeira Seca, sobretudo alguns dos primeiros emigrantes do sexo masculino que deixaram cá as suas famílias e que emigraram com o objetivo de ganhar algum dinheiro para adquirirem casa própria e comprar terrenos ou aumentar a área das pequenas propriedades rústicas que já possuíam.
Estou convencido de que com as dificuldades que muitos açorianos estão a sentir e que, tudo leva a crer, se agravarão este ano, se as portas da emigração se abrissem iniciar-se-ia mais um ciclo emigratório a juntar aos anteriores.
O desemprego para além de ter levado algumas pessoas a ter de recorrer ao conhecido “Rendimento Mínimo”, está a fazer com que outras regressem aos países onde já estiveram emigrados e a que muitos jovens, sobretudo os que têm habilitação superior, saiam do país.
Porque me custa a assistir ao subtil regresso às condições de vida existentes no Estado Novo, se tivesse menos idade, fazia o mesmo. Hoje, a suspirar pela aposentação, seria uma autêntica aventura.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, nº 27365, 27 de Fevereiro de 2013)
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