A
propósito do Senhor da Pedra
No
final da década de sessenta e início da de setenta do século passado, na
Ribeira Seca de Vila Franca do Campo a vida era muito difícil para a maioria
dos seus habitantes que viviam essencialmente da agricultura e da pecuária.
Existiam
quatro ou cinco pequenos agricultores e alguns pequenos lavradores, cerca de
meia dúzia de comerciantes e algumas famílias com um dos membros emigrado que
viviam um pouco melhor, isto é, como se dizia na altura, com muita fartura dos
produtos da terra mas pouco dinheiro na algibeira.
A
grande maioria trabalhava ao dia e os salários eram baixos, dando apenas para
viver o dia-a-dia com muitas dificuldades que por vezes eram resolvidas
temporariamente por empréstimos de familiares e amigos que possuíam um pouco
mais.
A
grande maioria das crianças, embora frequentasse a escola, não passava da
quarta classe ou nem a ela chegava. No meu tempo, só prosseguiram estudos, os
filhos de emigrantes, como era o meu caso, os filhos de funcionários públicos
ou os filhos dos comerciantes.
Os
cuidados de saúde eram muito precários, a maioria morria sem sequer ser
identificada a doença. Sempre que alguém perguntava a razão da morte, a
resposta era quase invariavelmente: “foi um malesinho”. No meio desta desgraça,
o Dr. Simas lá ia salvando um ou outro do caminho certo para Santo Amaro.
Naquela
altura, as festas religiosas e sobretudo a do Senhor da Pedra, que para nós crianças
(creio que também para os adultos) que mal saíamos de Vila Franca, era maior e
mais bonita que a do Santo Cristo, marcavam o calendário anual.
Era
pelas festas, que em muitas casas entrava a carne de vaca, o pão de trigo, a
massa sovada e o arroz doce. Para as crianças era pelo Natal e pelo Senhor da
Pedra que recebiam algumas prendas/brinquedos.
Pelo
Natal os rapazes recebiam harmónicas rudimentares, por vezes de plástico ou de material
semelhante, cornetas, bolas e o sonho de muitos era ter no sapatinho um
canivete ou pequena navalha que era um utensílio que todos os camponeses
possuíam e que tanto servia para cortar o pão como instrumento de trabalho. As
raparigas recebiam essencialmente bonecas sem qualquer comparação com as “barbies”
de hoje.
Pelo
Senhor da Pedra havia, para as crianças, dois dias especiais, o da compra dos
brinquedos feitos em louça de barro, penso que era no próprio domingo da festa,
e o do fogo preso que era na terça-feira, o último dia das festas.
Os
“assobios” ou “apitos” eram oferta tanto para rapazes como para raparigas, mas
enquanto estas recebiam miniaturas de utensílios usados na cozinha, como
trempes, panelas, talhões e alguidares, os rapazes recebiam instrumentos
ligados ao campo, como barris, funis, ou um burro com seirão.
Na
terça-feira, as festas terminavam com uma batalha naval entre dois barcos colocados
entre as escadas localizadas a sul da Igreja Matriz e o Jardim Antero de
Quental, a qual era assistida por muito povo, tendo uma vista mais privilegiada
os que se posicionavam nas escadas e no adro da referida igreja.
Para
suportar as despesas da festa, nomeadamente o dinheiro despendido nos carrinhos
de choque, nos carrocéis ou nos matraquilhos havia quem ia colocando as suas
míseras poupanças, como algumas moedas recebidas a troco de algum recado,
feitas ao longo do ano, em mealheiros de barro que eram partidos nas vésperas
do Senhor da Pedra.
No
meu caso, a solução encontrada seria nos dias de hoje classificada como
empreendedora. Num terreno que a família possuía na Courela, situado na Ribeira
Seca de Cima, os meus pais semeavam sécias que floriam um pouco antes do Senhor
da Pedra. Estas sécias eram colhidas e postas à venda por uma tia minha que
possuía uma casa cujo quintal confrontava com o terreno onde estavam as flores.
As receitas obtidas eram divididas por mim, por meu irmão e por uma prima
minha.
As
poupanças que via fazer em casa e o aperto em que viviam as pessoas que
conhecia faziam com que, apesar da pouca idade, refletisse muito sobre o
assunto, de tal modo que era tão comedido com os meus gastos nas festas que em
alguns dias voltava a casa sem ter gasto um só escudo.
Com
este perfil, com certeza não sirvo para autarca já que para a maioria o que
importa é esbanjar dinheiro, o que as autarquias têm e o que não têm.
Teófilo
Braga
(Correio
dos Açores, 28 de Agosto de 2013)
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