quarta-feira, 11 de junho de 2014

José do Canto e o concelho de Vila Franca do Campo





José do Canto e o concelho de Vila Franca do Campo


Tenho dedicado os últimos textos a divulgar o meritório trabalho de José do Canto em prol do desenvolvimento da nossa terra. Neste, procurarei divulgar um pouco do que foi o seu labor no concelho de Vila Franca do Campo. Para tal, usarei como principal fonte a tese de doutoramento, da autoria do arquiteto Pedro Maurício Borges, intitulada “O desenho do território e a construção da paisagem na ilha de São Miguel, Açores, na segunda metade do século XIX, através de um dos seus protagonistas”.
Para um melhor conhecimento da vida e obra de José do Canto recomenda-se a leitura da referida dissertação que teve como motivação de fundo “contribuir para a história da paisagem de S. Miguel”. Segundo o seu autor, José do Canto “ não é um arquiteto, paisagista ou engenheiro militar. É um lavrador, que foi também bibliófilo, botânico, paisagista, sportsman, e, esquecendo o conselho do agrónomo romano Colunella para não ser edificador, também fez de arquiteto e mestre-de-obras.”
A propósito de recomendações, também se aconselha, a quem se interessa pela evolução da paisagem e pela introdução de espécies vegetais na ilha de São Miguel, a leitura de um pequeno livrinho intitulado “Alguns aspetos de intervenção humana na evolução da paisagem da ilha de S. Miguel (Açores)”, da autoria do arquiteto paisagista José Marques Moreira, reconhecido especialista em plantas ornamentais e pedagogo exemplar.
No que concerne ao concelho de Vila Franca do Campo, José do Canto administrou uma vasta área que incluía a Lagoa do Congro e que ia do Porto Formoso à Ribeira das Tainhas.
No seu prédio em Vila Franca do Campo, o maior de toda a Casa, José do Canto promoveu, segundo Pedro Borges, a domesticação da “paisagem silvestre com a sequência de operações de arroteamento, vedação e abertura de caminhos de penetração” e através da edificação de “infraestruturas de apoio à produção”.
Em Vila Franca do Campo, com o fim de aumentar a produtividade da terra disponível, a par das pastagens artificiais que criou, José do Canto cultivou milho, trigo, leguminosas e plantou e replantou várias espécies vegetais, de que se destacam pinheiros, buxos, vinháticos, carvalhos, criptomérias, faias da Holanda e eucaliptos.
A par com as atividades económicas já referidas, José do Canto aproveitou o espaço envolvente à Lagoa do Congro para o recreio, criando uma mata ajardinada que, segundo Isabel Albergaria, alia a “função utilitária de “mata de corte” com uma função de recreio (ou de pleasure ground) – concretizada no número e variedade de plantas exóticas e ornamentais, nos seus passeios e na profusão de vistas”. Estes últimos aspetos eram, ainda, bem visíveis há cerca de quarenta anos, onde era possível observar, nas margens dos caminhos de acesso à lagoa, entre outras plantas, cameleiras e azáleas, cujas flores davam um colorido que fazia esquecer o esforço físico das caminhadas.
Não se sabe quando começou a tradição de festejar o São João na mata ajardinada da Lagoa do Congro, contudo os senhores Eduardo Calisto do Amaral, José Cabral e Manuel Inácio de Melo atribuem a autorização para tal ao Dr. Guilherme Poças Falcão, casado com Maria Guilhermina, filha de José do Canto, o qual nas vésperas do dia mandava proceder a arranjos e a limpezas nos caminhos.
A comemoração do dia de São João na Lagoa do Congro é uma tradição que merece ser retomada e a mata ajardinada, criada por José do Canto e mantida pelo seu genro, deve ser alvo de um trabalho de recuperação que tarda em ser implementado.
Em 2010, no prefácio da brochura “Lagoas do Congro e dos Nenúfares- Proposta de recuperação e gestão da cratera” escrevi que a aquisição de parte da cratera da Lagoa do Congro e a classificação do espaço como Área Protegida eram passos dados no sentido da sua valorização.
Hoje, desafio as autoridades que tutelam as Áreas Protegidas dos Açores e a Câmara Municipal de Vila Franca do Campo a darem mais um passo, que deverá ser o da criação de um Jardim Botânico que sirva de espaço educativo e recreativo para a população do concelho e de toda a ilha, bem como de polo do “Garden Tourism”, nicho turístico que está em franco crescimento em todo o mundo.

T. Braga

(Correio dos Açores, nº 30357, 11 de junho de 2014, p.11)

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