quarta-feira, 1 de outubro de 2014
A transição para a Democracia em Vila Franca do Campo
A transição para a Democracia em Vila Franca do Campo
“Em fins de 1975 as elites de agora são as mesmas de ontem, acrescentadas de uns poucos que, hábeis, subindo a tempo, ocuparam um lugar” J. Rentes de Carvalho
Sempre com o objetivo de melhor conhecer a terra que me viu nascer, tenho pesquisado nos jornais locais, como “O Autonómico”, “A Vila” e “A Crença”, e no “Correio dos Açores”, de Ponta Delgada, tudo o que se relaciona com a vida social e política do concelho de Vila Franca do Campo, desde a implantação da República até aos nossos dias.
Tal como no resto do país, em Vila Franca do Campo, durante do Estado Novo havia uma convergência de opinião ou mesmo cumplicidade entre o governo de então e a hierarquia da Igreja católica.
Mais do que ter uma voz persistente e pública a louvar as políticas do Estado Novo, a Igreja de Vila Franca do Campo fazia o que era feito em toda a parte, isto é, calava todas as injustiças sociais criadas e mantidas pelo sistema económico vigente e que de algum modo perdura, silenciava a violência da guerra colonial para os jovens vila-franquenses e para os habitantes das chamadas colónias ou territórios ultramarinos e ignorava que direitos humanos básicos, como o direito de reunião ou a liberdade de expressar as suas opiniões, etc. eram desrespeitados.
João Miguel Almeida, no seu livro “A oposição católica ao estado novo” escreveu que, com exceção do Bispo do Porto, só com o aproximar do fim do marcelismo a hierarquia da igreja começou “a tomar as suas distâncias com vista a evitar- e evitou- o erro trágico da queda da monarquia: o de morrer abraçada aos vencidos.”
No caso de Vila Franca do Campo, a partir de 1957 passaram a existir dois semanários, “A Vila” e “A Crença”.
“A Vila”, de carácter noticioso e bairrista, que era dirigido por um dos dirigentes da União Nacional, o distinto médico Dr. Augusto Botelho Simas, encarregava-se de transmitir a ideologia do regime e de noticiar, de vez em quando, as atividades das organizações que o suportavam.
“A Crença”, fundada em 1915, dirigida pelo padre António Jacinto de Medeiros, raramente trazia um texto noticioso sobre a vida política ou qualquer referência à atividade local, limitando-se a apresentar assuntos de caracter religioso. A título de exemplo, para confirmar o referido anteriormente, faça-se uma consulta aos anos de 1973 e de 1974.
Se não me passou despercebido, o primeiro texto que A Crença publicou sobre as alterações ocorridas a 25 de Abril de 1974 foi a transcrição de uma comunicação do presidente da República General António de Spínola a que deu um curioso título: “Chegou a hora de se assumirem e de se exigirem responsabilidades, saneando por igual, o dirigente inepto ou corrupto, o funcionário venal, o trabalhador parasita e improdutivo e o político oportunista, autocrático ou demagogo”.
Depois deste texto muitos outros se seguiram com o objetivo de alertar para a incompatibilidade entre o cristianismo e o comunismo/marxismo, socorrendo-se de artigos publicados em outros meios de comunicação social que por sua vez citam bispos de outras paragens e o papa Paulo VI que curiosamente foi um papa que foi persona non grata para o regime de Salazar.
A este propósito o escritor J. Rentes de Carvalho relata a censura que sofreu um artigo publicado numa revista onde se podia ler “Paulo VI é um homem inteligente”. A censura não permitiu que a frase saísse completa, pelo que o título ficou apenas “Paulo VI é um homem”.
Excluindo algumas escaramuças ocorridas no chamado Verão Quente, quase todas da responsabilidade de gente de fora do concelho, evidentemente com cúmplices locais, alguns ligados até ao tutano à ditadura derrubada, a transição para a democracia, tal como a que temos hoje, foi pacífica, bastando para tal a conversão à partidocracia por parte de quem antes achava que bastava um só partido.
Se alguém fizer um levantamento de todas as pessoas que em Vila Franca do Campo, desde o 25 de Abril de 1974 até hoje, ocuparam cargos partidários ou que foram membros dos órgãos autárquicos, facilmente concluirá que um número significativo, pelo menos nos primeiros anos da democracia, militaram antes na União Nacional ou na Ação Nacional Popular. No caso da Câmara Municipal, pelo menos 50% dos seus presidentes foram militantes daquele partido único.
Mal não viria ao mundo se os antidemocratas de ontem reconhecessem os seus erros e tivessem vindo a público declarar que estavam equivocados ao terem sido os suportes de uma ditadura e que humildemente aceitavam viver em democracia e dar o seu contributo para que o “poder” passasse efetivamente para o povo.
Como muito bem disse um conhecido político que já devia se ter remetido ao silêncio: “só os burros é que não mudam”.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores nº 30451, 1 de outubro de 2014, p.14)
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