terça-feira, 28 de abril de 2015
Antero de Quental e o primeiro de Maio em São Miguel
Antero de Quental e o primeiro de Maio em São Miguel
Como tive a oportunidade de escrever num número anterior do Correio dos Açores, a primeira comemoração do dia do trabalhador, na ilha de São Miguel, terá ocorrido no ano de 1897, por iniciativa de Alfredo da Câmara.
No ano seguinte, voltou a comemorar-se a data, constando do vasto programa um cortejo para visita aos túmulos de Antero de Quental e de José Pereira Botelho, “grandes propagadores das ideias socialistas”, o qual não se realizou devido ao mau tempo.
As comemorações do 1º de Maio realizadas entre 1897 e 1904, promovidas pelo jornal O Repórter e por Alfredo da Câmara, foram alvo de dura critica por parte dos responsáveis do jornal “Vida Nova que as classificaram como “pseudas e irrisórias festas do trabalho” e o seu organizador alvo de censura por ser “um ferrenho influente eleitoral do partido regenerador” que “não podia continuar à frente deste movimento com o pseudónimo sempre falso de socialista, defendendo as 8 horas de trabalho que ele próprio não compreendia nem podia falar sobre tal assunto”.
Em 1905, Francisco Soares Silva e os restantes colaboradores do Vida Nova, organizaram um primeiro de Maio semelhante ao que então se fazia em Lisboa com alguns carros alegóricos devidamente ornamentados. A iniciativa não se repetiu em anos posteriores porque era muito dispendioso contratar filarmónicas de fora de Ponta Delgada pois “as da cidade, compostas dos nossos camaradas não queriam acompanhar-nos”.
Em 1908, Os responsáveis do Vida Nova cientes de que não eram com festas que se resolviam os problemas sociais optaram, por um lado, por apelar aos operários micaelenses para se unirem, “criando as suas associações sindicais, abrindo escolas para se educarem, e então, unidos em um só pensamento e firmes numa só ideia, conquistarem uma Vida Nova e uma Sociedade Nova onde não se cometam infâmias e crimes como os de Chicago, em 11 de novembro de 1887” e, por outro lado, não esquecer a data, organizando uma romagem ao túmulo de Antero de Quental e uma conferência.
Assim, no dia mencionado realizou-se uma marcha que se iniciou na rua do Gaspar até ao cemitério, onde foi depositada uma “coroa de flores sobre o túmulo do primeiro filósofo português, do poeta dos sonetos, do socialista imaculado e do livre-pensador Antero de Quental”.
Na ocasião, Francisco Soares Silva, junto ao túmulo de Antero, pronunciou um discurso, onde depois de mencionar alguns aspetos da vida do escritor, como o de ter trabalhado como operário e de afirmar que, por isso, “Antero conhecia como nenhum outro escritor a vida desgraçada do operariado” terminou dizendo o seguinte: “Antero viveu com o povo e morreu com o povo. Por isso os homens que defendem com tanto amor e lealdade as vítimas do trabalho, só têm jus às nossas sinceras homenagens e a que lhes desfolhemos flores sobre as suas campas”.
À noite, houve uma muito concorrida conferência na escola União dos Operários a que se seguiu um momento musical que contou com a colaboração de Gabriel de Sousa que tocou bandolim e Mariano Medeiros que tocou violão.
Na conferência falou Francisco Soares Silva que pediu a união de todos os operários e apelou a “que frequentassem aquela escola a fim de se instruírem e serem operários, agradecendo a todos os que cooperaram para o bom êxito da manifestação”.
No ano seguinte, Francisco Soares Silva, em texto publicado no Vida Nova , volta a lembrar que “no 1º de maio nenhum operário deve trabalhar”, sendo um dia de “recordações e de luta”. Insiste que no referido dia “nada de festas, nada de músicas, isso só serve para distrair e para nos iludir”. No mesmo texto, dá a conhecer que “ao meio dia partiremos silenciosamente para o cemitério a desfolhar sobre a campa de Antero de Quental, o poeta dos sonetos, o orador eloquente das conferências do casino de Lisboa, o espírito revolucionário e finalmente o operário tipógrafo” e que “haverá duas pequenas alusões relativas a Antero e ao dia primeiro de maio”.
O discurso sobre Antero foi proferido por João H. Anglin, então “uma criança que apenas conta 14 anos de idade” que “está no segundo ano do liceu e no pouco tempo que lhe resta das suas obrigações, estuda a “grande questão social”, no que convictamente vai abraçando de dia para dia com mais amor e crença o sublime ideal libertário”.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30618, 29 de abril de 2015, p.14)
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário