quinta-feira, 4 de junho de 2015
A culpa é das cabras?
A culpa é das cabras?
Quem pretende fazer plantações para os mais diversos fins, nomeadamente de pomares, enfrenta hoje em dia, tal como no passado, muitas dificuldades relacionadas sobretudo com os amigos do alheio que habituados a nada fazer, especializaram-se em colher o que não cultivam e a furtar o que não é seu para vender a gente sem escrúpulos.
A situação, em 1928, era muito semelhante à atual, de tal modo que uma reclamação publicada no Correio dos Açores, no dia 4 de janeiro, podia ter sido escrita hoje, como se poderá comprovar através dos extratos que a seguir divulgamos:
“Com uma inaudita audácia, os cabreiros a tudo chamam seu, destruindo os tapumes, fazendo comer as ervas e as arvorezinhas, ameaçando aqueles que pretendem velar pelo que lhes pertence, exercendo represálias sobre quanto respeite àqueles que promoveram o justo castigo…
Os castigos aplicados, mercê da brandura das nossas leis e, mais ainda, dos nossos costumes, são pequeníssimos e, por esse motivo, absolutamente ineficazes. É indispensável criar em toda a parte posturas draconianas e aplica-las com todo o rigor, para o bem geral.
Melhor ainda seria a proibição da existência de cabras, ao menos em certas regiões, só sendo permitida noutras a indivíduos que se mostrassem proprietários ou rendeiros de terrenos suficientes para a alimentação dos seus gados. Não o sendo, os cabreiros vivem sistematicamente de roubos feitos aos que trabalham, prejudicando não só pelo que consomem as cabras mas, talvez ainda mais, pelo que elas estragam”.
Mas o problema vinha de trás, de tal modo que António Tavares Torres (1856-1936), ilustre intelectual autodidata nascido em Rabo de Peixe que foi presidente da Câmara Municipal da Ribeira Grande, numa sessão ordinária daquela autarquia, realizada a 30 de outubro de 1902 propôs uma “postura municipal” destinada a evitar que o número de cabreiros no concelho aumentasse.
De acordo com a referida postura só era permitida a criação de gado caprino e lanígero se o criador provasse ser domo ou rendeiro de uma área mínima por cada animal, sendo o mesmo obrigado a prestar uma fiança para garantir o eventual pagamento de alguma multa e dos prejuízos que o rebanho causasse. Além disso, dentro das localidades só era permitido um máximo de dois indivíduos de cada uma das referidas “espécies”.
Mas, como é habitual nesta região de brandos costumes e de muita tolerância para os gatunos e afins, a postura de pouco mais serviu do que preencher espaço em papel, de tal como que o seu autor, no Correio dos Açores de 10 de fevereiro de 1928, escreveu que era “realmente extraordinária a audácia com que os cabreiros praticam tantas malfeitorias, sem temor das leis nem respeito pelas propriedades alheias” e acrescentou que “parece que os cabreiros, vivendo a vida errante dos gados, se tornam tão selvagens como os próprios animais com que convivem, tornando-se bravios, grosseiros, intratáveis e sem mais noções sociais do que as que o instinto lhes sugere”.
Não podemos dizer que todos os cabreiros são desonestos e ladrões pois acreditamos que tal como noutras profissões haverá trigo e joio, mas se percorrêssemos hoje as nossas freguesias e se interrogássemos as pessoas acerca do comportamento dos cabreiros residentes as respostas não iriam ser muito divergentes, havendo quase unanimidade nos problemas que os mesmos causam às pessoas de bem: é a erva que os animais comem, são as pequenas plantas cujas cascas são roídas e que acabam por morrer, são os atos de vandalismo provocados pelos cabreiros nas divisórias e portões das propriedades, são os animais, as baterias, as rações e as silagens que são roubadas ou vandalizadas, são os cães que estão a proteger as propriedades que são barbaramente mortos, etc., etc…
Para além do mencionado, há um risco para a saúde pública pelo facto de, sobretudo nos períodos de festas, os animais serem abatidos sem qualquer vistoria por parte de um veterinário e por continuar o comércio clandestino de queijo de cabra produzido a partir de animais que não são alvo de qualquer controlo sanitário.
Até quando continuará a impunidade?
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30644, 3 de junho de 2015,p.14)
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