quarta-feira, 18 de novembro de 2015
O intransigente Francisco Soares Silva
A 16 de junho de 1921, começou a publicar-se em Ponta Delgada o semanário “O Intransigente”, órgão do Centro de Ponta Delgada da Federação Nacional Republicana, agremiação política de muito curta duração. Com efeito, aquela organização apenas existiu de outubro de 1920 a outubro de 1921, tendo terminado com o assassinato do seu líder António Machado dos Santos, na noite sangrenta de 19 de outubro desse ano.
Foi seu diretor e editor Francisco Soares Silva, um irrequieto pintor de construção civil que também dirigiu, entre 1908 e 1912, o jornal anarquista “Vida Nova” e esteve envolvido em diversas iniciativas do movimento operário micaelense durante a Primeira República.
Pela consulta dos escassos números publicados facilmente se chega à conclusão de que o jornal era feito, quase na íntegra por Francisco Silva, já que são muito poucos os artigos assinados, sendo alguns deles do próprio Machado dos Santos.
Outra conclusão que se poderá tirar é que o pensamento de Francisco Soares Silva sofreu grandes alterações desde a altura em que dirigia o Vida Nova bem como uma escola para ensino de operários analfabetos. Com efeito, longe estava a época em que ele acreditava que a sociedade só melhoraria a partir da participação dos cidadãos esclarecidos e sem intermediários, distante estava das ideias que combatiam o clericalismo e o militarismo, ao defender um partido que segundo alguns autores combinava “ideias económicas avançadas com um programa conservador” e um líder que se bateu, pelo menos no fim da vida, “por uma república reformista autoritária, antipartidocrática, antiparlamentarista, nacionalista, federalista, colonialista, corporativista, protecionista, transigente em relação à Igreja Católica e de tendência presidencialista”.
Num texto publicado no primeiro número do jornal, Francisco Soares Silva justifica a sua adesão à Federação Nacional Republicana ou Partido Reformista e estar ao lado de Machado dos Santos “porque ele está ao lado do povo onde ele e nós sempre estivemos”. Sobre o mesmo assunto, pode ler-se que o jornal vem dar a conhecer o referido partido, “chefiado pelo fundador da Republica cuja bandeira jamais serviu ou servirá para encobrir latrocínios e negociatas vergonhosas que nos arrastaram ao abismo”.
Através do jornal também se fica a saber que Francisco Soares Silva não renegou completamente as suas ideias e manteve a sua preocupação com causas por que se bateu toda a vida.
A título de exemplo, refere-se a publicação de um texto de Kropoktin que pugnava por um mundo “sem violência e sem o poder do Estado e concebia a sociedade como uma cooperação voluntária entre pessoas livres”, onde o anarquista russo exorta a quem sente em si a força da juventude para ser forte, grande, enérgico em tudo o que faça e apela à ação nos seguintes termos: “Luta! A luta é a vida, e tanto mais intensa quanto aquela for mais viva…Luta para permitir que todos vivam esta vida rica e exuberante, e está seguro de que encontrarás nesta luta gozos tão grandes como não os encontrarás em nenhuma outra atividade”.
De entre as causas que abraçou, Francisco Soares Silva manteve-se fiel à da proteção dos animais, tendo no primeiro número d’“O Intransigente” chamado a atenção para a inatividade da Sociedade Micaelense Protetora dos Animais nos seguintes termos: “Tanto que a imprensa local falou nesta benemérita associação para no fim de contas nada de útil se ter feito em benefício dos nossos irmãos irracionais” e acrescentou: “Maldito costume que temos nesta terra de começar com muito entusiasmo numa empresa e depois nem ao de leve nela se fala”.
Francisco Soares Silva não só no jornal que vimos referindo, mas também noutros, lutou contra a escassez crónica de artigos de primeira necessidade com que se debatiam os micaelenses. Assim, sempre que pode denunciou a escassez de milho, a falta de açúcar, o elevado preço do pão e as aldrabices feitas por algumas padarias que vendiam o pão com peso abaixo do que devia ter.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30787, 18 de novembro de 2015, p.16)
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