segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Plantas do Natal



Plantas do Natal

Neste texto, pretendo dar a conhecer as principais plantas usadas pelos açorianos, na época natalícia, recorrendo a diversa bibliografia nomeadamente de cariz etnográfico e ao depoimento de algumas pessoas, que desde já agradeço.

Os irmãos Joseph e Henry Bulhar que visitaram os Açores e por cá permaneceram, entre Dezembro de 1838 e julho de 1839, passaram um Natal, em Vila Franca do Campo. No seu livro “Um Inverno nos Açores e um Verão no Vale das Furnas” que, segundo Armando Cortes Rodrigues, é uma obra “cujo valor etnográfico, social e humano não se torna necessário encarecer”, aqueles autores recordam como as pessoas passavam o Natal naquela localidade, tendo a dado passo feito a descrição de uma modesta habitação:

“A um canto do quarto via-se a cama, que em todos os casebres e em todas as ocasiões está sempre limpa e arranjada, mas que hoje se encontra decorada com uma colcha de musselina finamente bordada e uma elegante coberta, acolchoada de branco, sobre a qual se espalhavam flores. O chão estava juncado de verduras e as paredes e o tecto cobertos de ramos verdes de faia. No meio daquela mansão, alumiada por uma candeia em cruxifixo, cuja ténue luz a custo revelava o quadro do interior do casebre, passava o tempo a família dos Bichos”.

O padre vila-franquense Manuel Ernesto Ferreira, no seu livro “A Alma do Povo Micaelense”, editado pela primeira vez em 1926, dedica um texto ao Natal que segundo ele é a festa de todo o ano pois “leva-se seis meses a esperá-la com anseio e outros tantos a recordá-la com saudade”.

Depois de falar na Novena do Natal, que começava no dia 16 de dezembro, e antes de mencionar o presépio, “tradição fortemente arraigada na alma do povo micaelense”, onde segundo ele “vicejam pequenas plantas e flores de freiras”, isto é flores artificiais feitas nos conventos, o padre Ernesto Ferreira menciona algumas plantas usadas pelo Natal nos seguintes termos:

“Já alguns dias antes, em cada casa, se deitara a grelar a ervilhaca, o trigo, o milho, o tremoço, a alpista, com que se há de enfeitar o presépio, de que se acercarão as criancinhas, buliçosas e contentes, saudando-o com sorrisos de inocência.”

No seu livro “Pedras de Santa Maria, publicado em 1968, o mariense Armando Monteiro dá a conhecer uma tradição caída no esquecimento, que abaixo se transcreve:

“Dizem que antigamente o povo desta ilha costumava, na noite de Natal, arranjar um cepo de urze e deitava-lhe lume. Quando estava todo em brasa, apagavam-no com água-benta e, em certas ocasiões de muito furacão e tempestade, acendiam o cepo e colocavam-no no lado da casa donde a ventania soprava.

E feitas estas cousas, logo sucedia chegar a bonança.”

O poeta, natural da Ribeira Grande, Oliveira San-Bento, num soneto intitulado Presépio Antigo, publicado no seu livro “Riscos na Bruma” , editado em 1953, menciona algumas plantas usadas no Natal, do seguinte modo:

Nas horas tão saudosas
Daquele Natal distante,
Há verde pinho odorante
E doce cheiro de rosas…

Vejo as velas luminosas
Mais o trigo verdejante
E a cabeleira ondeante
De ervilhacas graciosas

O etnógrafo terceirense Luís da Silva Ribeiro, no livro Etnografia Açoriana, publicado em 1982, depois de referir que o Natal na Terceira é semelhante ao do Continente, embora com transformações devidas às especificidades do ambiente insular, faz menção às ornamentações natalícias.

No que diz respeito aos enfeites, Luís Ribeiro escreve que “no meio da casa põem ramos de faia do norte contra as paredes ou, dependurados dos tirantes, ramos de laranjeira com frutos, que já nessa época estão amarelos e, se o chão é térreo, atapetam-no com feno (frança de pinheiro) como no Espírito Santo. Na ilha de São Miguel, nas casas térreas o chão também era coberto de junco, de rama de funcho e mais tarde de ramos de criptoméria picados.

Na década de sessenta do século passado, na casa dos meus avós maternos os preparativos para o Natal iniciavam-se com o colocar de molho o trigo e a ervilhaca, a que se seguia a sua deposição em vasos que eram colocados em sítio escuro para que crescessem branquinhos. Mais próximo do dia 25 de dezembro, a casa era enfeitada, através da colocação de ramos com laranjas ou mandarinas e funcho da Madeira nas paredes.

Outra tradição, que quase sempre marcava presença, era a do presépio que terá sido ideia, de São Francisco de Assis, concretizada pela primeira vez em 1223, na comuna italiana de Greccio. Na altura, a árvore de Natal ainda não era muito generalizada, apesar de já em 1933 o Dr. Armando Cortes Rodrigues ter escrito o seguinte: “Hoje, a febre da desnacionalização anda erguendo árvores de Natal por todos os lares e até nas próprias igrejas é bom recordar que a tradição dos presépios e das lapinhas é profundamente cristã e latina e que não há necessidade de ir copiar aos países do norte um costume que nada tem que ver com o nosso fundo tradicional”.

Muito mais tarde, na casa dos meus avós, surgiu a árvore de Natal que era sempre de criptoméria, mas, mais raramente, havia quem usava pinheiros ou mesmo cedros.

De acordo com uma vila-franquense, em sua casa entre outros enfeites havia “galhos de laranjeiras com laranjas, tangerinas e ananás”. Havia também a ervilhaca, o trigo, as favas e o milho, no presépio musgo, “uma pequena planta…galinhos…catos e outras plantas nos vasos”. A árvore era de cedro ou de abeto e nos últimos anos de criptoméria. Também havia o “altarinho” onde não faltava a ervilhaca, o trigo e as tangerinas.

No Pico da Pedra, de acordo com informação recolhida, para além da ervilhaca e do trigo, havia o tremoço e na árvore de Natal eram colocadas tangerinas. A casa era também enfeitada com ramos de cedro e de nespereira pintados com tinta prateada ou dourada. No presépio era usado musgo verde e branco e “pés de galo”.
Em resposta a um apelo que lancei numa rede social uma pessoa referiu que na sua casa era muito usado o azevinho. Numa fotografia de um “altarinho” verifiquei que para além da ervilhaca e do trigo havia dois ramos de gilbardeira.


Embora o levantamento efetuado seja muito incompleto, justificando-se a sua continuação, e sendo difícil a identificação das espécies referidas pelos diversos autores e pelas pessoas que deram o seu contributo para que este trabalho se tornasse realidade, das cerca de 25 espécies usadas no presépio, nos “altarinhos” ou na ornamentação das casas, a esmagadora maioria não é nativa dos Açores.

Nativas dos Açores, no Natal, apenas eram ou ainda são usadas a urze (Erica azorica), os pés de galo (Polypodium azoricum) e vários musgos (leiva, musgão) do género Sphagnum, cuja utilização está proibida, nos termos do artigo 2.º do DL 316/89, de 22 de setembro.

Não obtivemos nenhuma informação que nos desse garantias de que o azevinho dos Açores (Ilex azorica) era ou ainda é usado. Pelo contrário todas as imagens que vimos de plantas a que as pessoas chamavam de azevinho eram de uma espécie introduzida com fins ornamentais cujo nome comum, segundo o botânico Rui Teles Palhinha, é erva-dos-vasculhos, gibalbeira ou pica-rato (Ruscus aculeatus) ou de azevinhos introduzidos na nossa região.

Teófilo Braga
8 de dezembro de 2016
(Atlântico Expresso, 19 de dezembro de 2016)

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