terça-feira, 11 de julho de 2017

Antero de Quental e o Anarquismo


Antero de Quental e o Anarquismo

Em 1864 foi criada em Londres a AIT-Associação Internacional dos Trabalhadores no seio da qual existiam diversas tendências socialistas que coexistiram no seu seio durante pouco tempo.

Alguns autores, como César de Oliveira e António Ventura, apontam como a data mais importante para a implantação do anarquismo em Portugal o ano de 1871, quando uma delegação espanhola da AIT, constituída por Anselmo Lorenzo, Francisco Mora e Tomaz Gonzalez Morago, se reuniu em Lisboa com José Fontana, operário nascido na Suiça, mais tarde caixeiro e sócio-gerente da Livraria Bertrand, e o poeta açoriano Antero de Quental.

Depois de um primeiro encontro em casa de Antero de Quental, houve algumas reuniões com outros jovens, entre os quais Jaime Batalha Reis, a bordo de um bote cacilheiro, no rio Tejo. Batalha Reis, depois de lembrar que a ideia do encontro fora de José Fontana que desconfiava que estava a ser seguido pela polícia, escreveu o seguinte: “ Nessa mesma noite fomos ao Aterro, o Antero e eu, pagámos a um barqueiro para nos deixar remar sozinhos no seu bote e fizemo-nos ao largo. A uma hora combinada aproximamo-nos dum outro cais onde o José Fontana nos esperava com os internacionalistas. E durante horas, nessa noite e nas seguintes, sobre o Tejo, enquanto eu remava, o Antero discutia, com os emissários socialistas, a revolução operária que já lavrava na Europa”.

Sobre Antero de Quental, o socialista espanhol Anselmo Lorenzo, cujas ideias eram mais próximas das do russo Mikhail Bakunine do que das do alemão Karl Marx, escreveu, no seu livro “El Proletariado Militante”, o seguinte: “…Quental pareceu-me mais velho e de aspecto não menos simpático e atraente; tinha residido muitos anos em Paris dedicado ao estudo das ciências e tinha uma ilustração vastíssima e um carácter franco e leal que o levava a adoptar os radicalismos que logicamente lhe impunham os seus extensos conhecimentos”.

Os objetivos das reuniões eram divulgar os objetivos da AIT e criar uma secção em Portugal, tarefa que ficou a cargo de José Fontana e de Antero de Quental.

No mesmo ano, é publicada, sem a indicação do autor, a brochura de Antero de Quental, “O que é a Internacional”, onde aquele, segundo Fernando Catroga defende ideias muito próximas das de Proudhon como a abstenção, a mutualidade de serviços e o crédito gratuito.

Antero de Quental, em carta dirigida a Teófilo Braga, confirma a sua pertença à Internacional e em carta a Oliveira Martins confirma nos seguintes termos a autoria do opúsculo “O que é a Internacional”: “Aí vai o primeiro folheto de Propaganda. Não sei se conhecerá que foi escrito por mim, por isso lho declaro (debaixo de sigilo Internacional!). V. sabe das minhas pretensões a Economista – por isso escusado é dizer-lhe a importância que dou às primeiras 20 páginas.”.

Antero de Quental distanciou-se das posições abstencionistas iniciais, tendo apelado à formação de um partido político e sido candidato em vários atos eleitorais, embora tenha declarado que não pretendia ser deputado.

Se é verdade que, numa carta dirigida a W. Storck, Antero de Quental desvalorizou as suas posições políticas anteriores, considerando-as «mistérios da incoerência da mocidade» também não é menos verdade que dois anos antes de morrer, escreveu um texto intitulado “O socialismo e a moral” onde reafirmou a sua concordância com o lema da Internacional “A emancipação dos trabalhadores deve ser obra dos mesmos trabalhadores”, tendo acrescentado que “o problema do Socialismo é essencialmente o problema da organização do trabalho: ora a organização do trabalho depende antes de tudo da capacidade moral dos trabalhadores, isto é, da sua capacidade de ordem, disciplina e justiça”.

Sobre o percurso de Antero, enquanto o anarquista português Júlio Carrapato escreveu: “depois do entusiasmo inicial pela Associação Internacional dos Trabalhadores e da aventura parisiense, resvalou para o reformismo socialista e para um pessimismo místico e bipolar”, Anselmo Lorenzo, considerado "o avô do anarquismo espanhol", escreveu: “Daqueles dois jovens, mortos há já bastantes anos, conservo carinhosas recordações (...). Tenho ideia que os anarquistas portugueses inscrevem os nomes de Fontana e de Quental no catálogo dos bons.”.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31276, 12 de julho de 2017, p.16)

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