segunda-feira, 8 de abril de 2013

Quem corre por gosto não cansa?



Com 55 anos de idade, depois de mais de 30 anos dedicados ao ensino oficial e com algumas incursões pelo ensino profissional, sinto que o ponto alto da minha carreira já foi ultrapassado e que neste momento o esforço que estou a fazer por vezes ultrapassa a minha capacidade física.
Embora tenha um número reduzido de turmas e de alunos, o desgaste provocado pela vida na escola e algumas mazelas a nível da saúde, dizem alguns que próprias da idade, fazem com que, quase todos os dias, chegue a casa esgotado e sem vontade de trabalhar. Digo trabalhar, pois trabalho mais em casa para a escola do que no tempo que estou obrigado a permanecer no edifício escolar.
Como os leitores não fazem ideia do que antes escrevi, vou tentar explicar, com algum pormenor, o que se passa comigo na escola.
Tenho duas turmas do 10º ano de escolaridade que graças (infelizmente) ao facto da Escola das Laranjeiras estar em franco processo de "desertificação", onde o ensino regular caminha para ser minoritário, possuem na sua totalidade, neste momento, menos de 30 alunos.
Por semana passo, com estas duas turmas, 14 segmentos de 45 minutos (430 min) o que do meu ponto de vista corresponde ao único tempo verdadeiramente útil e o único em que sinto prazer em estar na escola.
Semanalmente, sou também obrigado a estar 4 segmentos de 45 minutos na sala de estudo, onde desde o início do ano aguardo que me surjam alunos com dúvidas nas disciplinas da minha área para lhas poder tirar.
Como ainda não aprendi a ser um profissional e de vez em quando penso que sou missionário, solicitei autorização ao Conselho Executivo para, embora estragando o meu horário semanal e implicando gastos em transportes que ninguém os paga, trocar um dos segmentos em que estava na sala de estudo às 10 horas da manhã por outro às 16 horas (depois de ter saído da escola pelas 13h 30 min) para ter a possibilidade de dar apoio, gratuito como não podia deixar de ser, a alguns alunos das minhas turmas.
Para além do referido, tenho também no meu horário 90 minutos dedicados à substituição de colegas, em caso de necessidade. Se para a tutela esta parece ser uma aposta ganha, para quem vive o dia-a-dia numa escola sabe que nalguns casos a substituição feita em turmas onde não se conhece os alunos é uma verdadeira afronta à dignidade dos professores, pois estes não são bem recebidos quando não são mal tratados, quer verbalmente, quer, nalguns casos, fisicamente. Conheço colegas que se recusaram a ir para determinadas turmas, colegas que “apressaram” a sua aposentação, depois de terem saído de aulas de substituição a chorar por não saberem como lidar com gente sem princípios ou por não estarem preparados para enfrentar determinadas turmas com necessidades educativas especiais.
Por último, tenho também 270 minutos de componente não letiva de estabelecimento. Este tempo, bem como o tempo que passo na sala de estudo sem alunos ou em que não vou fazer substituições podia ser aproveitado na preparação de aulas, elaboração de fichas de trabalho ou de avaliação, ou a criação de materiais didáticos de apoio às aulas. Escrevi, podia, pois apenas uma pequena parte do que mencionei poderá ser feito já que nem sempre tenho condições para o fazer. Com efeito, nem sempre tenho um computador disponível, pois na sala de estudo os poucos computadores em funcionamento são muito procurados pelos alunos, na sala de professores quase sempre os mesmos estão ocupados e no departamento o único computador existente, se não é do tempo da “guerra de catorze” deverá andar por lá perto tem andado avariado. Além disso, se quiser incluir qualquer figura numa ficha de trabalho ou de avaliação também não posso pois desconheço a existência de qualquer “scanner” acessível aos docentes.
Enfim, depois de passar todo o tempo a que legalmente sou obrigado a estar na escola, fora das aulas, muitas vezes com a única possibilidade de ler os manuais ou outros documentos, tendo de suportar um ruído de fundo que se não mata incomoda, tenho que passar grande parte das minhas tardes e noites a trabalhar, muito mais horas, para além das que, por lei, sou obrigado a fazer.
Se grande parte da minha vida corri por gosto, hoje, cansado, corro por necessidade.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, nº 2764, 3 de Abril de 2013)

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