SERPENTINAS
Quando
era criança as pessoas, na Ribeira Seca de Vila Franca do Campo, davam o nome
de serpentina a duas espécies de plantas diferentes, pertencentes à mesma
família, embora com algumas semelhanças no que respeita às suas folhas.
As
duas espécies em causa são a serpentina ou
serpentina-mansa ou serpentinhola ou jarroca ou saprintina ou jarro (Arum italicum), nativa do Sul e Oeste da
Europa, da qual se extraia uma “farinha” que era e ainda é usada na alimentação
e o jarro ou serpentina-brava (Zantedeschia
aethiopica), nativa do Sul de África, cujas flores eram e são usadas para
ornamentar as casas, igrejas ou enfeitar os caminhos aquando das procissões.
O
padre Ernesto Ferreira, no capítulo “Plantas Maravilhosas” do seu livro “A Alma
do Povo Micaelense” menciona o facto de a serpentina ser usada para prever “se
o ano agrícola será farto ou não”.
Segundo
o referido sacerdote, para chegar ao resultado final eram seguidos alguns
passos que a seguir se transcrevem:
“Tiram-lhe os aldeões a
espata, em janeiro, quando a inflorescência deve ter atingido o seu maior grau
de desenvolvimento, e o espadice dividem-no em três secções. Se a primeira,
isto é, a inferior, está bem desenvolvida, haverá muita fava; se a segunda, ou
a do meio, é que está bem desenvolvida, haverá muito trigo; e se é a terceira,
ou a superior, haverá muito milho. Se é perfeito o estado das três secções,
haverá muita fava, muito trigo e muito milho”.
Como
o mês referido é janeiro e como, de acordo com a bibliografia consultada, a
serpentina floresce nos meses de Abril e Maio, penso que o Padre Ernesto
Ferreira terá feito referência ao jarro (Zantedeschia aethiopica), que floresce
de Novembro a Junho, e não à serpentina (Arum
italicum).
Em
criança, também por várias vezes, comi as papas de serpentina (Arum italicum) cuja farinha era
produzida por algumas pessoas na Ribeira Seca, de que me lembro as duas irmãs
Almirantina “Trovoa” e Antónia “Trovoa”.
Muitos
anos depois, cheguei a ir à Ribeira Chã, a uma das famosas feiras gastronómicas
já realizada após o falecimento do Padre Caetano Flores, apenas para voltar a comer
as papas de serpentina e pouco tempo depois comprei, também na Ribeira Chã, alguma
farinha para usar em casa.
Passados
cerca de 40 anos, em conversa com o Manuel Francisco, filho e sobrinho das
pessoas mencionadas, e com meu primo José Fernando Araújo fiquei a saber que as
minhas tias Laurentina e Maria do Carmo Braga também preparavam a farinha de
serpentina e que ainda hoje há quem o faça na Ribeira Seca.
Vários
autores têm ao longo do tempo feito menção à serpentina.
Edmond Goeze, que foi diretor do Jardim
Botânico de Coimbra e que se deslocou a São Miguel, em 1866, tendo aproveitado
para levar para o jardim Botânico de Coimbra mais de 800 espécies, numa
brochura editada em 1867, atualizou uma lista de plantas herbáceas da autoria
do naturalista francês Morelet.
Da
mencionada lista fazem parte a serpentina e o jarro. Da primeira planta escreve
Goeze que da sua raiz se extrai uma ótima fécula e da segunda menciona o seu
uso para alimento de porcos.
Em
1871, Acúrcio Garcia Ramos escreve que a serpentina “é muito vulgar nos logares
frescos e húmidos que se emprega na sustentação de animaes, e de cuja raiz de
extrae uma fécula excelente”.
Por sua vez Gabriel d’Almeida, em 1893,
escreve que da “raiz” da serpentina se extrai fécula “que é empregada
geralmente no sustento dos animaes” e enquanto o jarro “serve para sustentar
porcos”.
Na
pesquisa que efetuei na Ribeira Seca, várias das pessoas contatadas afirmaram
que para alimentar os porcos, toda a planta dos jarros (caules, folhas e
tubérculos), tinha de passar por uma cozedura.
Desconheço
com quem o povo aprendeu, mas uma coisa é certa, sem o cozimento a planta seria
extremamente tóxica para os animais.
Teófilo
Braga
(Correio
dos Açores, nº 2934, 30 de Outubro de 2013, p.16)
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