João Afonso e a baleação
Nos
últimos tempos, alguns órgãos de comunicação social têm dedicado algum do seu
tempo e ou espaço ao tema da baleação, sobretudo à destruição do património
associado àquela atividade e à necessidade da sua recuperação e valorização, na
ilha de São Miguel.
O
assunto em questão interessa-me desde há alguns anos de tal modo que sobre o
mesmo troquei correspondência com alguns estudiosos, entre os quais destaco o
senhor João Afonso (1923-2014), natural de Angra do Heroísmo. João Afonso foi um
jornalista e escritor terceirense de grande mérito. Foi, também, diretor da Biblioteca
Municipal de Angra do Heroísmo e, depois, funcionário superior da Biblioteca
Pública e Arquivo da mesma cidade. No que diz respeito à baleação, ele que terá
sido um
dos maiores estudiosos da mesma, nos Açores, foi o principal organizador do
Museu dos Baleeiros, nas Lajes do Pico.
Em
1985, na sequência de um texto de opinião da minha autoria publicado no
quinzenário angrense “Directo”, a propósito do Museu dos Baleeiros, recebi uma
carta sua onde ele refere o facto de já se dedicar ao estudo da baleação há 25
anos e mostra a sua preocupação relativamente à pressa com que muitas vezes se
pretende tratar determinados assuntos. Segundo ele, os assuntos baleeiros
deverão ser assumidos “por uma consciência coletiva culturalmente muito viva
porém suficientemente calma e como fruto de estudos”.
No
que se refere ao Museu dos Baleeiros, mas que se poderia aplicar a qualquer
outro, João Afonso escreveu:
“Não
me parece que, em projetos idênticos a um museu daqueles se deva avançar com
precipitações. Vivia-se envolto em lendas, em estórias, em mitos de baleação. E
fazer mergulhar, todos nós, em livros tornou-se absolutamente necessário. Era a
necessidade do estudo e dos estudos, das pesquisas múltiplas, do internamento
nos e dos porquês. Não é que não tenhamos de admirar os produtos de literatura
chamados contos. Não é que não se tenha de prestar homenagem a monografias
criteriosas e tantas vezes sapientes. A questão – volto a significar – é a da
consciência coletiva. Para durar.”
Na
mesma carta, depois de contar o que observou na Califórnia em várias
instituições museológicas, João Afonso confidência que “a fase museográfica do
nosso pequeno museu está estimada em 18 000 contos”, e recomenda que me limite
a estudos relativos a São Miguel, os quais segundo ele “será muito”. Por último,
convida-me para o acompanhar numa futura visita a São Miguel onde iria visitar
as Capelas e os Poços de São Vicente.
Noutra
sua carta, datada de 22 de Outubro de 1984, João Afonso sugere que numa revisão
de uns dados históricos sobre a baleação a nível mundial, que publiquei em
vários jornais, acrescente a data do início da exploração do petróleo que
segundo ele teria “muito a ver com o declínio da baleação americana”. Outras duas
sugestões foram no sentido de mencionar o facto de as “primeiras estações
sedentárias de baleação nos Açores serem das Flores” e “a coincidência das
armações da Terceira e de São Miguel terem datas próximas – meses de
diferença”. Ainda nesta carta, João Afonso recomenda a consulta de um livro de
Myriam Ellis para a história baleeira no Brasil.
Depois
dos conselhos que me deu, João Afonso relata as últimas novidades relativas ao
Museu dos Baleeiros e informa que ia ser editado o livro “Memórias de um
baleeiro”, que recomendo a quem ainda não o leu, e que havia a possibilidade de
um doutorando de uma universidade estrangeira vir para os Açores durante seis
meses fazer investigação.
Por
último, escreveu o seguinte: “Dirá o amigo que estou a ir longe demais, dizendo
coisas que têm carácter pessoal. Mas faço-o como que em família … e acho que
para a família – como a outros amigos…baleeiros (ecologistas ou não) – tenho de
transmitir motivos destes. Não serão estimulantes? Se nestes 20 anos dos meus
estudos não tivera quem me contasse coisas, já me teria perdido. Olhe: Não
tenha pressas”.
Passados
todos estes anos, não consigo lembrar-me por que razão não o acompanhei na sua
visita aos referidos locais, o que fez com que nunca o tenha conhecido
pessoalmente.
Tendo
perdido muito do que ele me poderia ter ensinado, sem pressas e com a mesma
avidez em aprender aqui estou!
Teófilo
Braga
(Correio
dos Açores, nº 30316, 9 de Abril de 2014, p.16)
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