segunda-feira, 14 de abril de 2014

Baleação

João Afonso e a baleação

Nos últimos tempos, alguns órgãos de comunicação social têm dedicado algum do seu tempo e ou espaço ao tema da baleação, sobretudo à destruição do património associado àquela atividade e à necessidade da sua recuperação e valorização, na ilha de São Miguel.
O assunto em questão interessa-me desde há alguns anos de tal modo que sobre o mesmo troquei correspondência com alguns estudiosos, entre os quais destaco o senhor João Afonso (1923-2014), natural de Angra do Heroísmo. João Afonso foi um jornalista e escritor terceirense de grande mérito. Foi, também, diretor da Biblioteca Municipal de Angra do Heroísmo e, depois, funcionário superior da Biblioteca Pública e Arquivo da mesma cidade. No que diz respeito à baleação, ele que terá sido um dos maiores estudiosos da mesma, nos Açores, foi o principal organizador do Museu dos Baleeiros, nas Lajes do Pico.
Em 1985, na sequência de um texto de opinião da minha autoria publicado no quinzenário angrense “Directo”, a propósito do Museu dos Baleeiros, recebi uma carta sua onde ele refere o facto de já se dedicar ao estudo da baleação há 25 anos e mostra a sua preocupação relativamente à pressa com que muitas vezes se pretende tratar determinados assuntos. Segundo ele, os assuntos baleeiros deverão ser assumidos “por uma consciência coletiva culturalmente muito viva porém suficientemente calma e como fruto de estudos”.
No que se refere ao Museu dos Baleeiros, mas que se poderia aplicar a qualquer outro, João Afonso escreveu:
“Não me parece que, em projetos idênticos a um museu daqueles se deva avançar com precipitações. Vivia-se envolto em lendas, em estórias, em mitos de baleação. E fazer mergulhar, todos nós, em livros tornou-se absolutamente necessário. Era a necessidade do estudo e dos estudos, das pesquisas múltiplas, do internamento nos e dos porquês. Não é que não tenhamos de admirar os produtos de literatura chamados contos. Não é que não se tenha de prestar homenagem a monografias criteriosas e tantas vezes sapientes. A questão – volto a significar – é a da consciência coletiva. Para durar.”
Na mesma carta, depois de contar o que observou na Califórnia em várias instituições museológicas, João Afonso confidência que “a fase museográfica do nosso pequeno museu está estimada em 18 000 contos”, e recomenda que me limite a estudos relativos a São Miguel, os quais segundo ele “será muito”. Por último, convida-me para o acompanhar numa futura visita a São Miguel onde iria visitar as Capelas e os Poços de São Vicente.
Noutra sua carta, datada de 22 de Outubro de 1984, João Afonso sugere que numa revisão de uns dados históricos sobre a baleação a nível mundial, que publiquei em vários jornais, acrescente a data do início da exploração do petróleo que segundo ele teria “muito a ver com o declínio da baleação americana”. Outras duas sugestões foram no sentido de mencionar o facto de as “primeiras estações sedentárias de baleação nos Açores serem das Flores” e “a coincidência das armações da Terceira e de São Miguel terem datas próximas – meses de diferença”. Ainda nesta carta, João Afonso recomenda a consulta de um livro de Myriam Ellis para a história baleeira no Brasil.
Depois dos conselhos que me deu, João Afonso relata as últimas novidades relativas ao Museu dos Baleeiros e informa que ia ser editado o livro “Memórias de um baleeiro”, que recomendo a quem ainda não o leu, e que havia a possibilidade de um doutorando de uma universidade estrangeira vir para os Açores durante seis meses fazer investigação.
Por último, escreveu o seguinte: “Dirá o amigo que estou a ir longe demais, dizendo coisas que têm carácter pessoal. Mas faço-o como que em família … e acho que para a família – como a outros amigos…baleeiros (ecologistas ou não) – tenho de transmitir motivos destes. Não serão estimulantes? Se nestes 20 anos dos meus estudos não tivera quem me contasse coisas, já me teria perdido. Olhe: Não tenha pressas”.
Passados todos estes anos, não consigo lembrar-me por que razão não o acompanhei na sua visita aos referidos locais, o que fez com que nunca o tenha conhecido pessoalmente.
Tendo perdido muito do que ele me poderia ter ensinado, sem pressas e com a mesma avidez em aprender aqui estou!
Teófilo Braga

(Correio dos Açores, nº 30316, 9 de Abril de 2014, p.16)

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