OS REIS MAGOS
INTRODUÇÃO
“Um grupo de
pessoas da Ribeira Seca, representando os Magos com suas comitivas, vieram
trazer à Matriz desta Vila várias ofertas.Tanto no Largo Bento de Goes, onde
deitou fala uma das figuras representativas, como em volta da Matriz, reuniu-se
uma enorme multidão.”
(O Autonómico, 9/Jan/1937)
Esta foi a primeira notícia que
encontramos nos jornais, referente ao cortejo dos Reis Magos que se realiza no
lugar da Ribeira Seca, em Vila Franca do Campo.
Embora
não se tenha a certeza acerca da autoria dos versos que são declamados pelos diversos figurantes, tudo leva a crer que sejam da lavra de João Jacinto Januário, improvisador
local.
Terão
sido pioneiros dos primeiros cortejos realizados na Ribeira Seca, entre outros,
os senhores João Jacinto Januário, Virginio Branco, Manuel Caetano Ventura
(Manuel Libório), José Nicolau, José de Andrade, João de Andrade e António
Couto.
O
texto da Embaixada, que apresentamos em seguida, foi copiado, na íntegra, de
umas folhas soltas pertencentes ao senhor José da Costa Bolarinho, antigo
barbeiro da localidade, e algumas das estrofes que faltavam foram recitadas por
Manuel de Andrade, um dos participantes numa das últimas embaixadas realizadas
na década de setenta.
Quando saiu à rua, antes de um
interregno de vinte e cinco anos, em 1973, eram figurantes, entre outros, os
seguintes senhores: Manuel da Costa Esteves, António Jardim, António Andrade,
José Fernando Andrade, Artur Bolota, José Agostinho Ventura.
Na altura, o jornal “A Vila”, publicado
no dia 6 de Janeiro, noticiava o evento nos seguintes termos:
“Amanhã, pelas 20
horas, descerá da laboriosa Ribeira Seca, desta Vila, um curioso cortejo dos
Reis que trará até à Igreja Matriz as ofertas da boa e generosa gente daquela
localidade.
Precedido
de uma estrela, firmada por uma criança em figura de anjo, o cortejo vindo das
bandas da Calçada, deter-se-à junto do antigo Convento de Santo António, no
Largo Bento de Góis, que figurará, para o, efeito, o palácio de Herodes.
Prosseguindo o seu caminho, o extenso cortejo dirigir-se-á para a
Igreja Matriz pela rua Teófilo Braga, onde os Reis Magos, depois da fala do
Embaixador, descerão dos cavalos e irão até junto do presépio entregar as suas
ofertas ao Deus-Menino.
À saida do adro, surge, em montaria, um anjo a avisar os Magos do
Oriente para não voltarem ao palácio de Herodes, devido às suas sinistras
intenções.
Eis como a população da Ribeira Seca marca
presença honrosa nesta quadra do Natal juntando-se, como se uma só família
fosse, para trazer a sua generosa contribuição para as obras em que a sua
paróquia anda empenhada, principalmente na construção do Salão Paroquial que
nos parece ir entrar agora na fase final de acabamento.
O nosso aplauso para o povo da Ribeira Seca,
pois, como é de ver não basta dizer-se que se gosta das coisas, sem contribuir
para elas.
Bem haja tão boa gente.
Que Deus a ajude.”
Em 1998, depois de um quarto de
século esquecida, a tradição foi retomada pelas mãos da juventude local
organizada na associação “Jovens Unidos da Ribeira Seca”.
Teófilo
Braga
I
Gaspar
(Falando
para o Embaixador, depois deste ter descido do seu cavalo)
Meu tão caro Embaixador
És
eloquente e podes
Falar
ao Rei e Senhor
Soberano
Tetrarca Herodes
Embaixador
(Respondendo
a Gaspar)
Senhor, à vossa presença
Estou
bem avisado
Para
partir sem detença
Ao
vosso justo mandado
Gaspar
(Para
o Embaixador)
Ide! Ao Rei perguntar
Não
tenhais muita demora
Se
por bem pode aceitar
A
nós vindos da Aurora
Embaixador
(Falando para a sentinela)
Senhor haveis escutar
A
quem vos fala na lei
Dizei-me
se posso entrar
E falar ao vosso Rei
Sentinela
(Ao Embaixador)
Faça favor de esperar
Para não haver engano
Que
eu vou participar
Tudo
ao meu soberano
(Dirigindo-se a Herodes)
Meu muito alto Senhor
Na governança imponente
Chegado
é um Embaixador
Das
partes do Oriente
Que
deseja transpor
Os
seus passos mais à frente
Herodes
(Para a sentinela)
Mas que o embaixador tenha
O
seu coração sincero
Dizei
a ele que venha
Que
eu aqui o espero
Sentinela
(Volta a falar com o Embaixador)
Notícias venho entregar
Com
especial favor
Agora
podereis falar
A
verdade ao meu Senhor
Embaixador
(Depois
de cumprimentar, diz a Herodes)
Meu muito alto senhor
À
vossa presença estou
Como
um embaixador
Que
o meu rei a vós mandou
Vim para vos perguntar
E
saber tudo em certeza
Se
os Magos podem entrar
E
falar com vossa Alteza
Herodes
(Para
o Embaixador)
Com carinhos e afagos
À
minha presença os quero
Ide
dizer aos magos
Que
eu aqui os espero
Embaixador
(Depois de
se despedir vai falar com o seu rei, Gaspar)
Senhores! Alcancei licença
Aonde
não houve engano
Podeis
partir sem detença
E
falar ao Soberano
Os três Reis descem dos seus cavalos e vão à presença de
Herodes.
Gaspar
(A Herodes)
Muito nobre Majestade
À
vossa presença estamos
Da
vossa boca a verdade
Nós
magos o esperamos
Herodes
(Respondendo
a Gaspar)
Falai pois eu vos escuto
O
que vistes e ouvistes
Que
eu com lei executo
A
verdade que me pedistes
Gaspar
(A Herodes)
Nós
vimos do Oriente
Porque
até aqui nos guiou
Um vivo
astro luzente
Que outra
luz afrouxou
Este astro nos guiou
As
estradas de Judeia
Uma
voz a nós falou
Dando-nos
nova ideia
Eu ao sol adorava
Nele
a esperança puz
Nunca
na vida pensava
Quem
tivesse maior luz
Essa voz forte dizia
No
meio de tão doce luz
Que
no ventre de Maria
Tinha
nascido Jesus
É este o grande motivo
Que
me traz aos passos seus
É
porque na terra vivo
Está
o Rei dos Judeus
Não cessamos de correr
Com
ânsias temos corrido
Ansiosos
para saber
Onde
Jesus é nascido
Herodes
(Muito zangado)
Ainda
há pouco escutei
E
custa-me isto entender
Dos Judeus
eu sou o Rei
Como pode
outro haver?
(Chama o
escravo, Cingno)
És
dos leais servidores
Por
isso por ti chamei
Para chamares
os doutores
Conhecedores
da lei
Entram os
três doutores e um deles diz:
Meu
muito alto Senhor
Chegamos
a boa hora
Para
em prática por
A
petição da aurora
Herodes
(Aos
doutores da lei)
Quero
de vós uma luz
Que
ilumina os passos meus
Onde há-de
nascer Jesus
Que dizem
Rei dos Judeus
Doutor da Lei
(Respondendo a Herodes)
Em ti Belém pequenino
Berço
de David, o crente
Há-de
nascer o menino
Filho
do omnipotente
Do céu será a sua origem
E
veio para nos salvar
Há-de
nascer de uma virgem
E
virgem há-de ficar
Herodes
(Para os Reis)
Ide,
pois para Belém
Em
demanda do Menino
Quando
virdes, eu também
Procuro o
mesmo destino
Levantai-vos
é favor
Porque
vos vou despedir
Fico ao
vosso dispor
Por aqui
tornai a vir
Vossos
preceitos e acções
Ponhais
em vias direitas
Com vossas
informações
Desta arte
satisfeitas
Gaspar
(despedindo-se
de Herodes)
Provam
os nossos estandartes
E
a estrela é que nos guia
Que somos
daquelas partes
Onde nasce
o santo dia
Não
foram as ilusões
Que
nos mandaram cá vir
Mas sim as
certidões
Daquela
estrela a fulgir
É
aquela estrela que nos ensina
A
fazermos tudo isto
Traz a
mensagem divina
Do
nascimento de Cristo
II
Embaixador
(Antes
da visita ao Menino)
Quando Jesus e seus pais
Estavam
ainda em Belém
Do
Oriente os principais
Reis
vêm a Jerusalém
Vieram do Oriente
Guiados
de eterna luz
Perguntando
a toda a gente
Onde
nascera Jesus
Entrando em Jerusalém
Cheios
de imenso amor
Saber
muito nos convém
Notícias
do Salvador
Notícias queremos tê-la
Diz
o Rei ao seu vassalo
Porque
vimos uma estrela
E
viemos adorá-lo
Aonde nasceu o Cristo
Um
dos magos perguntou
Herodes,
sabendo isto
Muito
turbado ficou
A si mesmo perguntou
Que
facto novo era aquele
Muito
arreliado ficou
E
todo o povo com ele
Explicar isto não sei
Diz
Herodes enfurecido:
Se
eu é que sou o Rei
Como
há outro nascido?
Para mais claro espelho
Chama
os sábios fortes
Juntaram-se
em conselho
Os
príncipes e sacerdotes
Informações quero ter
Dos
grandes sábios seus
Aonde
tem de nascer
Cristo
Rei dos Judeus
Depois que os sábios leram
A
declareza onde está
A
Herodes responderam
Belém
terra de Judá
Herodes muito aflito
Procura
novas ideias
Depois
de ver escrito
No
seu profeta Miqueias
Tu Belém no teu porvir
Está
escrito em papel
Que
de ti há-de sair
Quem
governará Israel
Mais pequena hás- de ser
Cidade
que Judá encerra
Em
ti há- de nascer
O
Rei dos Céus e da Terra
Enquanto isto se passou
Num
segredo imprudente
Os
magos chamar mandou
Que
viessem de repente
Depois de apresentados
Os
magos do Oriente
Foram
interrogados
Por
Herodes falsamente
Ide! Diz Herodes maligno
Com
sua manha e arte
Ide
informar o Menino
E
depois me dareis parte
Ide pois para Belém
Ao
lugar que vos destino
Que
é para eu ir também
Adorar
o Deus - Menino
Puseram-se os magos à pista
Guiados
do astro luzente
A
estrada por eles vista
Nas
partes do Oriente
A estrela lhes dá tino
Baixando
ela já vem
Aonde
estava o Deus – Menino
E
Maria sua Mãe
Descobre um clarão vivo
O
Menino e a Mãe presente
O
seu pi adoptivo
Todos
os três juntamente
Neste momento os magos vão visitar
o Deus – Menino e levar as suas ofertas. Ao voltarem encontram um anjo vindo do
céu.
Anjo
(Avisando
os Reis magos)
Eu mensageiro do Senhor
Aqui
vos venho avisar
Que
Herodes traz rancor
E
o Menino quer matar
Disse-vos que também queria
O
Deus Menino adorar
Assim
vos quis enganar
Que
ele espera um dia
O
seu rancor vingar
Ides bem
acautelados
Pela
mesma estrela guiados
Ides contentes
na vida
À
vossa terra querida
Embaixador
(Depois
da visita ao Menino)
Quando o Menino encontraram
No
colo de sua mãe sorrindo
Prostraram-se,
o adoraram
Seus
cofres foram abrindo
Cada um dava contente
Do
seu cofre um bom tesouro
Ofereceram
por presente
Mirra,
incenso e ouro
Em sonhos um mensageiro
Dos
céus lhes vêm avisar
Que
Herodes, o carniceiro
O
menino quer matar
Acreditai o que sonhais
Todos
os três sozinhos
Por
Herodes não tornais
Ireis
por outros caminhos
E depois desta embaixada
Dos
leitos se levantaram
E
assim por outra estrada
A
suas terras regressaram
Admirados de ver
Quem
dá luz está cercado
E
quem tem todo o poder
Numas
palhinhas deitado
Tudo por eles mirado
Viram
Deus de carne humana
Numas
palhinhas deitado
E
em tão pobre cabana
Neste lugar tão pobrinho
Dos
magos sua lavoura
Viram
que o seu bercinho
Era
uma mangedoura
Quem fez o Céu e a Gente
E
criou tudo concerteza
E
nós vimos realmente
Na
mais estranha pobreza
Envolto em fracos panos
P’ra
seu corpo aquecer
Assim
ensina aos humanos
De
que modo hão- de viver
Caminhando dizendo isto
Não
cansa de Bem dizer
Glória
a Jesus Cristo
Que
entre nós quer viver
Portanto
por nós é visto
Quem
desejamos de ver
Quantas amáveis doçuras
Que
menção celeste encerra
Jesus
que a terra procuras
Vences
Satanás em guerra
Glória
a Deus nas alturas
E
paz aos homens na terra
Os Reis
voltam aos seus lares, seguindo outros caminhos.
RIBEIRA
SECA
….e das Onze
Águas para Vila Franca, que é uma légua, vão algumas fontes e ribeiras que não
correm senão de Inverno, como a R. Grande, e além a Ribeira da Abelheira, por
se achar ali alguma, e adiante a Ribeira das Tainhas, pelas haver nela, e
depois a Ribeira Seca, a qual, ainda que em respeito doutras menores tenha esse
nome, corre de Inverno e Verão, e está antes de chegar à Vila Franca tanto como
a quarta parte de meia légua, onde há um rico engenho de acúquere que foi de
Lopo Anes de Araújo, depois de Gabriel Coelho e dos nobres irmãos e ricos
Crastos, e por falecimento de um, o possui o outro, chamado Manuel de Crasto,
mais rico de saber e prudência que de fazenda, e agora o possui sua mãe e Diogo
Leite, seu genro…..
A Ribeira
Seca que se chama assim pela razão já dita e porque alguns anos não chega no
Verão a água dela ao mar..”
(Gaspar
Frutuoso, Livro IV das Saudades da Terra, vol II, 1981)
“Nós,
portugueses, estamos não nas vésperas, mas em plena fase de perdermos toda essa
riqueza do passado. E se não corrermos rapidamente a salvar o que resta,
seremos amargamente acusados pelos vindouros pelo crime indesculpável de ter
deixado perder o nosso património tradicional, dando mostras de absoluta
incúria e ignorância.”
Jorge Dias
(A
Etnografia como Ciência)
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