Do ensino
privado ao público em Vila Franca do Campo
Em 1904, a então regente do reino, D. Maria Pia, concedeu
licença para que o Instituto de Vila Franca do Campo, futuro Externato,
iniciasse a atividade letiva.
Até à criação da então chamada Escola Preparatória de Vila
Franca do Campo, que abriu as suas portas a 29 de Outubro de 1984, o Externato
desempenhou um papel de relevo como instituição de caráter cultural e
educativo, sendo apenas lá que se ministrava o ensino para além da quarta
classe.
Até ao seu desaparecimento, pelo Externato de Vila Franca
passaram muitos alunos sobretudo das famílias com mais posses. Contudo, foi
graças a ele que muitos jovens oriundos de algumas famílias sobretudo da
chamada classe média, de camponeses com terra ou filhos de emigrantes
conseguiram prosseguir os seus estudos, pelo menos até ao antigo quinto ano de
escolaridade (hoje nono ano).
Não sei se sempre, mas pelo na altura em que o frequentei a
direção do Externato concedia, embora em reduzido número, a isenção do
pagamento de propinas a alguns alunos mais carenciados, o que é digno de ser
elogiado. Mas, como no melhor pano cai a nódoa, na ocasião soube que um aluno
de Água d’Alto com bom aproveitamento escolar não conseguiu prosseguir estudos,
para além do segundo ano, pois foi preterido a favor de outro que vivia com uma
pessoa sem quaisquer dificuldades económicas.
Com a democratização da sociedade iniciada a 25 de Abril de
1974, os partidos e as pessoas ideologicamente situados à esquerda ou os
“cristãos-novos” tudo fizeram para controlar o jornal “A Vila” que acabou por
deixar de se publicar e para tirar o monopólio do ensino pós primário ao
Externato de Vila Franca do Campo, cujos dirigentes e professores, na maioria
padres e professores do primeiro ciclo do ensino básico, eram ou tinham sido
apoiantes do regime deposto ou eram conservadores e ligados aos partidos
colocados à direita do espectro político, o que só viria a acontecer 10 anos
depois do levantamento militar.
De entre as diligências e ações efetuadas recordo-me de uma
“campanha” de artigos de opinião publicados num dos jornais diários de Ponta
Delgada planeada na casa, de um militante de um partido político não pertencente
ao arco da governação.
No âmbito da referida “campanha”, que ocorreu em 1977,
escreveram António Medeiros Andrade (pseudónimo), Humberto Amaral (pseudónimo),
Ricardo Rodrigues e José Dias, tendo o Corpo Diretivo do Externato emitido um
esclarecimento onde critica “os autores do artiguelho e da carta aberta” que
“ou estão mal informados ou adulteram propositadamente a realidade para
desvirtuarem a ação deste Externato “.
O esclarecimento, para além de referir “a degradação que o
Ensino sofreu após o 25 de Abril com a onda de libertinagem e anarquia que
assolou a Nação, a que Vila Franca do Campo não ficou alheia, da qual ainda se
ressente e que alguém procura recriar, insuflando-lhe novas energias pseudo
progressistas” apresenta ataques pessoais como se pode ver pelo parágrafo
seguinte: “Não pode conceber-se que a formação de um Corpo Docente responsável
fique à mercê de indivíduos que não conseguem outro emprego ou que falharam no
exame de aptidão ao Ensino Superior e que pretendem apenas entreter as horas de
ócio onde, erradamente julgam mais conveniente e fácil”.
Humberto Amaral, no seu texto denuncia o facto de os
professores serem admitidos por simpatia, de alguns professores acumularem
funções indo portanto “auferir dois ordenados” quando “naquela vila, há pessoas
desempregadas, uns casados, outros solteiros, que não podem ser admitidos, e a
razão é muito simples: o sr. Prior não quer!”
Ricardo Rodrigues, em Carta aberta ao Dr. Reis Leite,
Secretário Regional da Educação, além de denunciar as mesmas situações
referidas por Humberto Amaral, refere o facto de um professor recusar
distribuir aos alunos textos recebidos do Ministério da Educação e o
encerramento de uma cantina “porque não dava lucro”.
José Dias, por seu turno, relata que após algumas
diligências feitas antes do 25 de Abril para a instalação do ensino oficial no
concelho, foi a primeira Comissão Administrativa da Câmara Municipal que
procurou dar corpo à ideia, a qual não foi implementada apesar de haver um
despacho favorável à criação da referida escola. José Dias também referiu que
outras localidades de outras ilhas iriam já beneficiar no ano letivo de 1977-78
“com o Ciclo Oficial” e acaba com a seguinte questão: o que espera a população
local? Que o ensino oficial caia do céu?”
Por último, António Andrade chama a atenção para o facto de
ser da incumbência do Estado “levar a todas as parcelas do território nacional,
a toda a população do país, o ensino, a instrução, a cultura”
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, nº 2996, 15 de Janeiro de 2014, p.15)
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