Sobre a oposição às touradas na ilha de São Miguel, no século XIX
É antiga, não há qualquer dúvida, a prática de maltratar animais, tal como àquela sempre esteve associada a oposição aos maus tratos. O caso dos maus tratos na tauromaquia não foge à regra, havendo ao longo dos tempos várias vozes que se opuseram à mesma em todos os países do mundo onde aquela existe ou já existiu.
No século XIX, a oposição à tauromaquia, na ilha de São Miguel, também foi feita através das páginas dos jornais “O Repórter” e “O Sul”.
“O Repórter”, dirigido por Alfredo da Câmara, um dos fundadores da Sociedade Micaelense Protetora dos Animais, no dia 11 de Abril de 1897, num texto intitulado “Guerra de Morte às touradas” para além de criticar a tauromaquia, faz ironia com as reportagens tauromáquicas e satiriza os jornais que a promovem.
Sobre os jornais podemos ler o seguinte:
“Assim, vai dedicando à santa missão da educação do povo, extensos artigos em que relata até às últimas minudências as peripécias selváticas acontecidas nas touradas, soltando ao mesmo tempo profundos e dolorosos gemidos porque os touros perderam a ferocidade que apresentavam noutro tempo.
Estas lamentações fazem-nos crer que o touro é menos refratário à civilização do que o próprio homem, pois que vai diminuindo de ferocidade, enquanto o homem aumenta.”
Sobre os repórteres, o extrato seguinte diz-nos tudo sobre o pensamento do autor do texto:
“…Segue-se àquela interessantíssima narração uma outra em telegrama de Valência referindo que “os touros de Saltillo saíram muito bons”.
Se cá os houvesse assim, pagava-se com certeza o deficit.
“Morreram 14 cavalos”, diz ainda o telegrama.
Não pode haver espetáculo mais comovente e que melhor satisfaça um coração bem formado do que ver morrer 14 cavalos, em agonia prolongadíssima com o corpo transformado num crivo, deixando passar pelos buracos os intestinos, arrastando-os pela arena e pisando-os muitas vezes com as próprias patas!
O selvagem do correspondente do “Século” devia exultar de satisfação todas as vezes que via desaparecer as armas do touro no corpo de um misero cavalo, que recebia assim o pagamento dos serviços que prestou ao homem durante toda a vida trabalhando para ele!
Termina o selvagem a sua notícia dizendo que “foi uma corrida magnífica”!...
Por seu lado, o jornal semanal “O Sul”, que se publicou em Vila Franca do Campo, em Julho de 1898, ridicularizou os espanhóis aficionados das touradas, através de um texto magistral que, com as devidas alterações e atualizações se aplica ao que está a acontecer hoje na ilha Terceira, onde perante uma situação que poderá ser dramática para a mesma, em termos de aumento de desemprego, com a saída de militares norte-americanos da Base das Lajes, as “elites” quase só pensam em tornar as touradas ainda mais sangrentas. Para memória futura e porque é mais esclarecedor do que uma síntese, aqui fica um excerto do texto mencionado:
“Viva los Toros
Ao passo que em Cuba e nas Filipinas os soldados espanhóis caem varados pelas balas dos insurgentes, a população de Madrid entrega-se levianamente ao seu espetáculo favorito, como se o estado do país fosse o mais próspero possível.
Há dias houve ali uma bezerrada, em que tomaram parte atores, jornalistas, etc.
Entretanto a pátria gemia..,.
Pois não gema!
A nacionalidade vai-se perdendo…
Pois não se perca!
E as derrotas têm sido formidáveis…
Que se amanhem!
….”
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30577, 11 de março de 2015, p.18)
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