terça-feira, 24 de janeiro de 2017
O naturismo e o anarquismo em Ângelo Jorge (1)
O naturismo e o anarquismo em Ângelo Jorge (1)
A palavra naturismo, tal como muitas outras, é usada em vários contextos e apresenta significados diferentes. Assim, através de uma consulta rápida na internet encontramos duas definições: uma mais restrita que considera o naturismo como “uma forma de viver em harmonia com a Natureza caraterizada pela prática da nudez coletiva, com o propósito de favorecer a autoestima, o respeito pelos outros e pelo meio ambiente” e outra mais abrangente que define naturismo como “um conjunto de princípios éticos e comportamentais que preconizam um modo de vida baseado no retorno à natureza como a melhor maneira de viver e defendendo a vida ao ar livre, o consumo de alimentos naturais e a prática do nudismo, entre outras atitudes”.
O sociólogo João Freire num texto, adaptado da sua tese de doutoramento, publicado no jornal A Batalha, escreve que as práticas do naturismo, sendo muito variadas, podem ser enquadradas nas seguintes três categorias:
a. Alimentação – repúdio pela alimentação carnívora e preferência por regimes vegetarianos ou mesmo frugívoros;
b. A saúde – preferência por métodos naturais de tratamento e repúdio pela medicina e farmacopeia tradicionais;
c. A oposição ao desporto visto como competição e a preferência pelo exercício físico e pela ginástica.
Em Portugal, de entre as pessoas que praticaram o naturismo, destacaram-se alguns militantes anarquistas. Um deles, Manuel Rodrigues, escreveu que “Naturismo e Anarquismo são conceções filosóficas que quase se confundem e de cuja realização na prática depende, sem dúvida, o bem-estar da Humanidade”.
Com uma ténue ligação aos Açores, podemos referir o alentejano Gonçalves Correia e o portuense Ângelo Jorge. Gonçalves Correia, considerado anarquista tolstoiano, esteve em São Miguel em 1910, de passagem, e conversou com Francisco Soares Silva, diretor do jornal “Vida Nova”, tendo este publicado em quatro números daquela publicação quinzenal os seguintes artigos: “A caminho do ideal”, “Nós e os camponeses” e “Amor Livre”. Ângelo Jorge, um dos principais impulsionadores da Associação Vegetariana de Portugal, também escreveu para o jornal micaelense “Vida Nova” pelo menos dois textos: “A opinião dos outros” e “A propriedade”.
José Eduardo Reis, divide a vida de Ângelo Jorge em três fases. Na primeira fase, entre 1901 e 1910, Ângelo Jorge procura “difundir o ideal libertário” e “proclama a sua profética esperança no triunfo da revolução operária”. Na segunda fase, entre 1910 e 1913, Ângelo Jorge defende nos seus escritos a “adesão aos princípios terapeutas naturistas” e “as regras dietéticas ordenadoras de um regime alimentar frugívoro e vegetariano”. A última fase, entre 1914 e 1918, é caracterizada por uma abertura da consciência de Ângelo Jorge “ao sentido unitário e religioso do mundo”.
Por ainda não termos investigado com a profundidade desejada a vida e a obra de Ângelo Jorge, daremos a conhecer um pouco do seu pensamento, nas duas primeiras fases da sua vida.
Através da leitura de vários textos, nomeadamente da sua novela naturista “Irmânia”, constatamos que Ãngelo Jorge defendia que havia um “só princípio curativo na Natureza: a própria Natureza” e sustentava que todos os males da humanidade poderiam ser curados através de uma alimentação racional, “sem recurso ao sacrifício inútil cruel e sistemático de seres animais, tendo por base a fruta”.
Sobre a questão da saúde, em 1911, Ângelo Jorge que, segundo Guadalupe Subtil, acreditava que era possível “num Mundo inteiro uma só Pátria, sem fronteiras como sem despotismos, sem doenças como sem dores”, escreveu:
“A Saúde é a condição básica, sine qua non, da existência humana à flor da terra, é ela o que constitui a harmonia vital.
Cada um dos nossos órgãos, com o seu modo particular de funcionamento é uma nota na harmonia formada pelo movimento incessante do organismo.
Se essa harmonia se quebra é porque o Homem infringiu as regras omniscientes da Harmonia Cósmica.
É erro grande, crime grande até, é supor-se que a doença seja um mal necessário e natural: como acreditar que a Natureza, sendo um todo harmónico e uno, tenha erros: tenha dissonâncias?
Não honram quanto devem o Criador os que tão grande ofensa à Obra do Criador fazem.”
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31138, 25 de janeiro de 2017, p.8)
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