sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Os Reis Magos na Ribeira Seca de Vila Franca do Campo




A religiosidade dos habitantes da Ribeira Seca sempre fez com que estivessem na linha da frente em todas as iniciativas relacionadas com a comemoração de datas festivas ligadas à igreja católica. Assim, ao contrário do que se passa hoje, eram muitas as atividades realizadas, de que destaco a sinalização do Dia de Santo Antão com arraial e fogueira, a participação na procissão de São Miguel, com as imagens de Santo Antão, de Santa Catarina e de Nossa Senhora do Egito, e as festas em honra do Divino Espirito Santo, que, já em 1923, de acordo com Armando Cortes Rodrigues, para além de se estarem a paganizar, estavam associadas a “um culto supersticioso e incoerente”.
Há mais de vinte anos, recolhi um conjunto de documentos e informações sobre a Ribeira Seca de Vila Franca do Campo com o objetivo de elaborar uma monografia sobre a minha terra natal, o que até hoje não concretizei nem sei um dia terei disponibilidade para o fazer.
De entre a informação recolhida através da consulta de vários jornais de Vila Franca, como “A Vila” e o “ O Autonómico” e junto dos seus habitantes, a maioria já falecida e os mais novos emigrados, consegui salvar presumo que todos os versos relativos à “Embaixada dos Reis Magos” cuja tradição, até prova em contrário, terá começado, no concelho, na Ribeira Seca, pela mão de trabalhadores rurais com poucas habilitações literárias e fracos recursos económicos.
Embora não haja a certeza acerca da autoria dos versos que eram declamados pelos figurantes, tudo leva a crer que sejam da autoria do improvisador e cantador ao desafio local, João Jacinto Januário. Com efeito, para além de um dos participantes se lembrar de ouvir o Sr. João Januário declamar algumas partes do texto ao senhor prior José Luís de Fraga, eram da sua autoria a maioria dos versos que eram usados nas várias festividades da localidade, como nas folias do Espírito Santo.
Foi graças ao cuidado em guardar algumas folhas soltas com a maioria do texto por parte do senhor José da Costa Bolarinho, antigo barbeiro da localidade, à memória do senhor Manuel de Andrade, que recitou algumas partes que estavam em falta, que foi possível que o mesmo chegasse aos nossos dias.
Também, não posso garantir em que data terá começado o cortejo dos Reis Magos na Ribeira Seca, mas nas pesquisas então efetuadas a primeira notícia encontrada foi publicada no jornal “O Autonómico” de 9 de Janeiro de 1937, sendo o seu conteúdo o seguinte: “Um grupo de pessoas da Ribeira Seca, representando os Magos com suas comitivas, veio trazer à Matriz desta Vila várias ofertas. Tanto no Largo Bento de Goes, onde deitou fala uma das figuras representativas, como em volta da Matriz, reuniu-se uma enorme multidão.”
Através da consulta do jornal mencionado acima, também, é possível concluir-se que o Dia de Reis era celebrado antes de ter saído o primeiro cortejo. Assim, em 1928, noticia “O Autonómico”: no dia de reis saiu a 2ª festa da Migalha, a favor da conclusão das obras da Matriz. Na Ribeira Seca e Hortas foi acompanhada pela “Lyra Camponeza”. Esta filarmónica foi mais um “milagre” surgido na Ribeira Seca, tendo estado ativa de 1915 a 1928.
De acordo com as informações orais, colhidas na Ribeira Seca, os principais integrantes nos primeiros cortejos, no final da década de trinta do século passado, foram os senhores João Jacinto Januário, Virgínio Branco, Manuel Caetano Ventura (Manuel Libório), José Nicolau, José de Andrade, João de Andrade e António Couto.

Depois de um interregno, o cortejo ter-se-á realizado pelo menos em 1958, 1960, 1961 e 1973. Neste último ano, entre outros, foram figurantes os senhores Manuel da Costa Esteves, António Jardim, António Andrade, José Fernando Andrade, Artur Bolota e José Agostinho Ventura.

Em 1998, depois de um quarto de século esquecida, a tradição foi retomada pelas mãos da juventude local organizada na associação “Jovens Unidos da Ribeira Seca” que depois “esqueceu-se” de dar continuidade alegadamente por razões “partidárias”.

Este ano foi com alguma tristeza que verifiquei que o já tradicional presépio que costumava estar na Escola da Ribeira Seca não foi feito, pelo que faço votos para que sejam ultrapassadas todas as divergências de modo a que não seja esquecida a tradição dos Reis Magos.

As boas tradições devem ser mantidas a todo o custo!

Teófilo Braga

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Caiotas da Ribeira Seca





“O chuchu (Sechium edule) é uma hortaliça-fruto, ou seja, um vegetal da categoria dos frutos; também é conhecido como machucho, caiota (Açores) ou pimpinela (ilha da Madeira). Existe em abundância na ilha da Madeira, principalmente junto aos cursos de água (ribeiras e nascentes). Em países latinos é conhecido como Chayote, enquanto em países de língua inglesa é conhecido por christophene, vegetable pear, mirliton, choko, starprecianté, citrayota, chow chow (India) or pear squash.

Apesar de ser uma hortaliça, ou seja, poder ser cultivada na horta caseira, é considerada um fruto, tal como o tomate (devido ao fato de suas sementes estarem dentro, resultado da fecundação do óvulo da flor, envolvidas pela parte comestível ...”

Ler mais aqui: http://pt.wikipedia.org/wiki/Chuchu

Pode ler uma receita de um pudim da caiota aqui: http://pratacasas.blogspot.pt/2012/12/pudim-de-caiota.html

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

O REGRESSO DOS BURROS

De vez em quando, minha tia que tem mais de 80 anos pergunta-me se me recordo de meu avô, Manuel Soares, que morava na rua do Jogo, na Ribeira Seca de Vila Franca do Campo, ter uma burra. Minha tia esquece-se de que, sendo ela ainda jovem, na sequência de uma doença que atingiu vários membros da família, por conselho médico meu avô foi aconselhado a retirar a burra que pernoitava no rés-do-chão da sua casa. À semelhança de meu avô outras pessoas na localidade também usaram burros para transporte de cargas, nomeadamente canados de leite, lenha ou sacas de milho para os moinhos. Se bem me lembro, lá na rua possuíam burros o senhor Ernesto que possuía meia dúzia de cabeças de gado e que para reforçar o seu orçamento familiar também se dedicava ao comércio de alguns produtos agrícolas, tendo ficado com a alcunha de “Ernesto das mónicas” por as (nêsperas) ter vendido e o senhor José Cabral que foi o último moleiro da Ribeira Seca, cuja moagem elétrica foi musealizada. Para além das pessoas já mencionadas, também me recordo de terem possuído burros, na Ribeira Seca, três outros moleiros: José Estevão, Manuel Verdadeiro e Ângelo Verdadeiro. O senhor José Estevão, que foi último moleiro que usou um moinho movido pela água da ribeira que atravessa a localidade e que, segundo o senhor Manuel Soares Ferreira, chegou a alimentar 21 moinhos, desde a nascente, na Granja, até à foz onde se localiza o moinho da “tia” Leopoldina, era um grande conhecedor da história de Portugal, tal como foi transmitida pelo Estado Novo. O meu tio Manuel, irmão de minha avó Maria Verdadeiro, primeiro teve um moinho de água, localizado nos Moinhos, hoje em ruínas, e depois um já movido a eletricidade, localizado na rua Nova, também possuía uma burra que depois foi herdada, tal como o moinho, pelo seu filho Ângelo que morou na rua da Cruz. Este meu primo Ângelo que foi casado com uma prima minha afastada, Isaura Braga, era o que se pode chamar um doente pelo futebol, mais propriamente pelo Sport Lisboa e Benfica. Assim, sobretudo às segundas-feiras, sempre que o “glorioso” ganhava os jogos no dia anterior, quando o Ângelo ia buscar mais milho para moer, para além de muitos vivas ao Benfica que ia distribuindo pelas ruas, apresentava a burra bem aperaltada e com as unhas pintadas de vermelho. Com o passar do tempo, os burros deram lugar aos cavalos de modo a que na minha rua, a Rua do Jogo, depois de tirado o leite da manhã, em frente de muitas casas, amarrados a uma argola que então existia ou completamente livres encontravam-se vários cavalos que transportavam o leite para os três postos de recolha, um da Lacto Açoriana, outro da Laticínios Loreto e outo da Unileite, situados no centro da Ribeira Seca. Com o progresso, desapareceram os cavalos que foram substituídos pelas carrinhas de tração às quatro rodas, pelos jipes e pelos tratores e ao mesmo tempo foram desaparecendo os pequenos lavradores que não tiveram capacidade para modernizar-se e que ou emigraram ou foram forçados a abandonar atividade, pois não tinham terras suficientes para aumentar o número de cabeças de gado para incrementar a produção de leite, a única maneira de aumentar os rendimentos face à desvalorização daquele e ao aumento dos custos de produção. Há alguns dias estive a conversar com um familiar de uma das pessoas mencionadas neste texto e qual não foi o meu espanto quando fiquei a saber que, hoje, para algumas famílias a situação é muito semelhante à vivida no final da década de 60 e no início da década de 70 do século passado. Desempregado da construção civil, vai sobrevivendo de alguma ajuda governamental e do leite de duas vacas que usa para fazer queijos ou para beber. Para tratar dos animais desloca-se a pé. A pobreza, embora modernizada, voltou. Para quando o regresso dos burros? Teófilo Braga (Correio dos Açores, nº 27307, 19 de Dezembro de 2012)

sábado, 15 de dezembro de 2012

Fernando Branco Amaral

Faleceu recentemente Fernando Amaral cujos pais, se não estamos em erro, são naturais da Ribeira Seca.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Gatunos

No dia 10 de Novembro confirmei o que já sabia: a Ribeira Seca é uma terra de gente série e de alguns gatunos. Partiram a vedação e roubaram-se um araçazeiro.

domingo, 14 de outubro de 2012

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

O CANTO DA CRUZ

No século passado, existia em cada localidade ou freguesia um sítio onde os trabalhadores rurais, sem patrão fixo, se dirigiam diariamente e esperavam que algum agricultor os fosse contratar para trabalhar no dia em questão ou mais do que um dia, caso os trabalhos da época em questão assim o exigissem. Na minha terra natal, a Ribeira Seca de Vila Franca do Campo, o sítio onde os camponeses sem terra se juntavam, que em vários locais era conhecido como “o canto”, ficava situado no cruzamento da estrada regional com a rua da Cruz, sendo conhecido então e ainda hoje por Canto da Cruz. Não tenho qualquer informação sobre a data em que a prática de contratar trabalhadores daquela maneira terá começado, mas se não me falha a memória o seu fim terá ocorrido por altura do 25 de Abril de 1974 ou pouco depois. Lembro-me que, pouco depois daquela data, houve uma tentativa de criar em cada localidade das zonas rurais da ilha de São Miguel sindicatos de trabalhadores rurais, tal era o seu número e tão precárias eram as suas condições de vida. Também me recordo da situação delicada em que viviam os pequenos agricultores que passavam dificuldades pois os fatores de produção não paravam de crescer e os preços dos produtos extraídos das terras pouco mais davam do que para cobrir todas as despesas. Na altura, estava entre a espada e a parede. Conhecia a vida de miséria e de fome, nalguns casos, em que viviam muitos dos meus colegas de escola e alguns familiares, que foram obrigados a emigrar para poderem sobreviver com dignidade, e era filho de um pequeno agricultor que, se não fosse o dinheiro que conseguiu poupar durante os dez anos que trabalhou, no duro, nos caminhos-de-ferro no Canadá, teria grandes dificuldades para proporcionar aos filhos a instrução que os poderia levar a abandonar os árduos trabalhos da terra. Os sindicatos agrícolas não vingaram, nem mesmo depois de uma fusão de todos eles num só, e os pequenos agricultores não foram capazes de, ultrapassando os seus egoísmos, criar cooperativas ou associações de produtores que os defendessem. Abro aqui um parêntese para recordar o nome de uma pessoa que esteve envolvido na criação do sindicato de Vila Franca do Campo, o Manuel Sousa, que era um trabalhador rural exemplar. Com a escolaridade obrigatória exigida na altura, a quarta classe, era culto, lia tudo o que podia, tinha um relacionamento exemplar com os outros e era conhecedor do trabalho que fazia. A doença de um familiar, a que a medicina em Portugal não foi capaz de curar, fez com que tivesse que seguir as peugadas de muitos outros, a emigração. Desaparecidos os trabalhadores rurais, com o definhamento da agricultura, a mão-de-obra da Ribeira Seca passou-se para a agropecuária. Na Ribeira Seca, onde hoje há meia dúzia de lavradores, existiram muitos pequenos lavradores que na sua maioria eram associados da Cooperativa Agrícola de Santo Antão, ainda hoje existente e com instalações em Ponta Garça. Meu pai, chegou a ser dirigente desta cooperativa, na altura em que o Eng. Emiliano Carneiro esteve ligado à UNILEITE. Com o abandono da agricultura, com a modernização da pecuária, com a crise da construção civil, nem o comércio local escapou. O pequeno comércio que chegou a contar com quatro mercearias, duas das quais junto ao Canto da Cruz, hoje está reduzido a duas que, nem de perto nem de longe, têm o movimento das de outrora. Tal como noutras localidades da ilha, a sua decadência deve-se ao facto das pessoas optarem por abastecer-se nas grandes superfícies existentes em Ponta Delgada, agora a poucos minutos, ou nas representações daquelas em Vila Franca do Campo. O desemprego galopante, o crescente desinteresse pelo investimento na educação, a vida paradisíaca difundida pelas estações televisivas, o dinheiro fácil obtido pelo roubo, pelo tráfico de estupefacientes ou obtido, sem contrapartidas por quem está em condições de trabalhar, através do Rendimento Social de Inserção, tem levado a que a degradação social se implante um pouco por todo o lado. Quem passa na Ribeira Seca, em determinadas horas do dia, vê que o Canto da Cruz voltou a estar povoado. Para além dos que estão em merecida hora de repouso, muitos outros não estão à espera de trabalho, mas aguardando que o maná caia do céu. Teófilo Braga (Correio dos Açores, 10 de Outubro de 2012)

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

OS REIS MAGOS


OS REIS MAGOS


INTRODUÇÃO

“Um grupo de pessoas da Ribeira Seca, representando os Magos com suas comitivas, vieram trazer à Matriz desta Vila várias ofertas.Tanto no Largo Bento de Goes, onde deitou fala uma das figuras representativas, como em volta da Matriz, reuniu-se uma enorme multidão.”
(O Autonómico, 9/Jan/1937)


            Esta foi a primeira notícia que encontramos nos jornais, referente ao cortejo dos Reis Magos que se realiza no lugar da Ribeira Seca, em Vila Franca do Campo.
            Embora não se tenha a certeza acerca da autoria dos versos que são declamados  pelos diversos figurantes,  tudo leva a crer  que sejam da lavra de João Jacinto Januário, improvisador local.
Terão sido pioneiros dos primeiros cortejos realizados na Ribeira Seca, entre outros, os senhores João Jacinto Januário, Virginio Branco, Manuel Caetano Ventura (Manuel Libório), José Nicolau, José de Andrade, João de Andrade e António Couto.
O texto da Embaixada, que apresentamos em seguida, foi copiado, na íntegra, de umas folhas soltas pertencentes ao senhor José da Costa Bolarinho, antigo barbeiro da localidade, e algumas das estrofes que faltavam foram recitadas por Manuel de Andrade, um dos participantes numa das últimas embaixadas realizadas na década de setenta.
            Quando saiu à rua, antes de um interregno de vinte e cinco anos, em 1973, eram figurantes, entre outros, os seguintes senhores: Manuel da Costa Esteves, António Jardim, António Andrade, José Fernando Andrade, Artur Bolota, José Agostinho Ventura.

            Na altura, o jornal “A Vila”, publicado no dia 6 de Janeiro, noticiava o evento nos seguintes termos:
            “Amanhã, pelas 20 horas, descerá da laboriosa Ribeira Seca, desta Vila, um curioso cortejo dos Reis que trará até à Igreja Matriz as ofertas da boa e generosa gente daquela localidade.
            Precedido de uma estrela, firmada por uma criança em figura de anjo, o cortejo vindo das bandas da Calçada, deter-se-à junto do antigo Convento de Santo António, no Largo Bento de Góis, que figurará, para o, efeito, o palácio de Herodes.
Prosseguindo o seu caminho, o extenso cortejo dirigir-se-á para a Igreja Matriz pela rua Teófilo Braga, onde os Reis Magos, depois da fala do Embaixador, descerão dos cavalos e irão até junto do presépio entregar as suas ofertas ao Deus-Menino.
À saida do adro, surge, em montaria, um anjo a avisar os Magos do Oriente para não voltarem ao palácio de Herodes, devido às suas sinistras intenções.
  Eis como a população da Ribeira Seca marca presença honrosa nesta quadra do Natal juntando-se, como se uma só família fosse, para trazer a sua generosa contribuição para as obras em que a sua paróquia anda empenhada, principalmente na construção do Salão Paroquial que nos parece ir entrar agora na fase final de acabamento.
  O nosso aplauso para o povo da Ribeira Seca, pois, como é de ver não basta dizer-se que se gosta das coisas, sem contribuir para elas.

              Bem haja tão boa gente.
              Que Deus a ajude.”
           

            Em 1998, depois de um quarto de século esquecida, a tradição foi retomada pelas mãos da juventude local organizada na associação “Jovens Unidos da Ribeira Seca”.

Teófilo Braga

I


Gaspar
(Falando para o Embaixador, depois deste ter descido do seu cavalo)

Meu tão caro Embaixador
És eloquente e podes
Falar ao Rei e Senhor
Soberano Tetrarca Herodes


Embaixador
(Respondendo a Gaspar)

Senhor, à vossa presença
Estou bem avisado
Para partir sem detença
Ao vosso justo mandado

Gaspar
(Para o Embaixador)

Ide! Ao Rei perguntar
Não tenhais muita demora
Se por bem pode aceitar
A nós vindos da Aurora

Embaixador
 (Falando para a sentinela)

                       Senhor haveis escutar
A quem vos fala na lei
Dizei-me se posso entrar
            E falar ao vosso Rei

           Sentinela
      (Ao Embaixador)

Faça favor de esperar
           Para não haver engano
Que eu vou participar
           Tudo ao meu soberano

    (Dirigindo-se a Herodes)

Meu muito alto Senhor
           Na governança imponente
Chegado é um Embaixador
Das partes do Oriente
Que deseja transpor
           Os seus passos mais à frente

           Herodes
     (Para a sentinela)

Mas que o embaixador tenha
O seu coração sincero
Dizei a ele que venha
Que eu aqui o espero

      Sentinela
 (Volta a falar com o Embaixador)

Notícias venho entregar
Com especial favor
Agora podereis falar
A verdade ao meu Senhor

Embaixador
(Depois de cumprimentar, diz a Herodes)

Meu muito alto senhor
À vossa presença estou
Como um embaixador
Que o meu rei a vós mandou

Vim para vos perguntar
E saber tudo em certeza
Se os Magos podem entrar
E falar com vossa Alteza

Herodes
(Para o Embaixador)

Com carinhos e afagos
À minha presença os quero
Ide dizer aos magos
Que eu aqui os espero

Embaixador
(Depois de se despedir vai falar com o seu rei, Gaspar)

Senhores! Alcancei licença
Aonde não houve engano
Podeis partir sem detença
E falar ao Soberano

Os três Reis descem dos seus cavalos e vão à presença de Herodes.

                                                                       Gaspar
                                                                   (A Herodes)

Muito nobre Majestade
À vossa presença estamos
Da vossa boca a verdade
Nós magos o esperamos

Herodes
(Respondendo a Gaspar)

Falai pois eu vos escuto
O que vistes e ouvistes
Que eu com lei executo
A verdade que me pedistes

Gaspar
        (A Herodes)

Nós vimos do Oriente
Porque até aqui nos guiou
Um vivo astro luzente
Que outra luz afrouxou

Este astro nos guiou
As estradas de Judeia
Uma voz a nós falou
Dando-nos nova ideia

Eu ao sol adorava
Nele a esperança puz
Nunca na vida pensava
Quem tivesse maior luz

Essa voz forte dizia
No meio de tão doce luz
Que no ventre de Maria
Tinha nascido Jesus

É este o grande motivo
Que me traz aos passos seus
É porque na terra vivo
Está o Rei dos Judeus

Não cessamos de correr
Com ânsias temos corrido
Ansiosos para saber
Onde Jesus é nascido

Herodes
     (Muito zangado)

Ainda há pouco escutei
E custa-me isto entender
Dos Judeus eu sou o Rei
Como pode outro haver?

(Chama o escravo, Cingno)

És dos leais servidores
Por isso por ti chamei
Para chamares os doutores
Conhecedores da lei

Entram os três doutores e um deles diz:

                                                           Meu muito alto Senhor
                                                           Chegamos a boa hora
Para em prática por
A petição da aurora

Herodes
(Aos doutores da lei)

Quero de vós uma luz
Que ilumina os passos meus
Onde há-de nascer Jesus
Que dizem Rei dos Judeus

Doutor da Lei
   (Respondendo a Herodes)

Em ti Belém pequenino
Berço de David, o crente
Há-de nascer o menino
Filho do omnipotente

Do céu será a sua origem
E veio para nos salvar
Há-de nascer de uma virgem
E virgem há-de ficar

Herodes
        (Para os Reis)

Ide, pois para Belém
Em demanda do Menino
Quando virdes, eu também
Procuro o mesmo destino

Levantai-vos é favor
Porque vos vou despedir
Fico ao vosso dispor
Por aqui tornai a vir

Vossos preceitos e acções
Ponhais em vias direitas
Com vossas informações
Desta arte satisfeitas

Gaspar
(despedindo-se de Herodes)

Provam os nossos estandartes
E a estrela é que nos guia
Que somos daquelas partes
Onde nasce o santo dia

Não foram as ilusões
Que nos mandaram cá vir
Mas sim as certidões
Daquela estrela a fulgir

É aquela estrela que nos ensina
A fazermos tudo isto
Traz a mensagem divina
Do nascimento de Cristo

II

Embaixador
(Antes da visita ao Menino)

Quando Jesus e seus pais
Estavam ainda em Belém
Do Oriente os principais
Reis vêm a Jerusalém

Vieram do Oriente
Guiados de eterna luz
Perguntando a toda a gente
Onde nascera Jesus

Entrando em Jerusalém
Cheios de imenso amor
Saber muito nos convém
Notícias do Salvador

Notícias queremos tê-la
Diz o Rei ao seu vassalo
Porque vimos uma estrela
E viemos adorá-lo

Aonde nasceu o Cristo
Um dos magos perguntou
Herodes, sabendo isto
Muito turbado ficou

A si mesmo perguntou
Que facto novo era aquele
Muito arreliado ficou
E todo o povo com ele

Explicar isto não sei
Diz Herodes enfurecido:
Se eu é que sou o Rei
Como há outro nascido?

Para mais claro espelho
Chama os sábios fortes
Juntaram-se em conselho
Os príncipes e sacerdotes

Informações quero ter
Dos grandes sábios seus
Aonde tem de nascer
Cristo Rei dos Judeus

Depois que os sábios leram
A declareza onde está
A Herodes responderam
Belém terra de Judá

Herodes muito aflito
Procura novas ideias
Depois de ver escrito
No seu profeta Miqueias

Tu Belém no teu porvir
Está escrito em papel
Que de ti há-de sair
Quem governará Israel

Mais pequena hás- de ser
Cidade que Judá encerra
Em ti há- de nascer
O Rei dos Céus e da Terra

Enquanto isto se passou
Num segredo imprudente
Os magos chamar mandou
Que viessem de repente

Depois de apresentados
Os magos do Oriente
Foram interrogados
Por Herodes falsamente

Ide! Diz Herodes maligno
Com sua manha e arte
Ide informar o Menino
E depois me dareis parte

Ide pois para Belém
Ao lugar que vos destino
Que é para eu ir também
Adorar o Deus - Menino

Puseram-se os magos à pista
Guiados do astro luzente
A estrada por eles vista
Nas partes do Oriente

A estrela lhes dá tino
Baixando ela já vem
Aonde estava o Deus – Menino
E Maria sua Mãe

Descobre um clarão vivo
O Menino e a Mãe presente
O seu pi adoptivo
Todos os três juntamente

Neste momento os magos vão visitar o Deus – Menino e levar as suas ofertas. Ao voltarem encontram um anjo vindo do céu.

Anjo
(Avisando os Reis magos)

Eu mensageiro do Senhor
Aqui vos venho avisar
Que Herodes traz rancor
E o Menino quer matar

Disse-vos que também queria
O Deus Menino adorar
Assim vos quis enganar
Que ele espera um dia
O seu rancor vingar

Ides bem acautelados
Pela mesma estrela guiados
Ides contentes na vida
À vossa terra querida

Embaixador
(Depois da visita ao Menino)

Quando o Menino encontraram
No colo de sua mãe sorrindo
Prostraram-se, o adoraram
Seus cofres foram abrindo

Cada um dava contente
Do seu cofre um bom tesouro
Ofereceram por presente
Mirra, incenso e ouro

Em sonhos um mensageiro
Dos céus lhes vêm avisar
Que Herodes, o carniceiro
O menino quer matar

Acreditai o que sonhais
Todos os três sozinhos
Por Herodes não tornais
Ireis por outros caminhos

E depois desta embaixada
Dos leitos se levantaram
E assim por outra estrada
A suas terras regressaram

Admirados de ver
Quem dá luz está cercado
E quem tem todo o poder
Numas palhinhas deitado

Tudo por eles mirado
Viram Deus de carne humana
Numas palhinhas deitado
E em tão pobre cabana

Neste lugar tão pobrinho
Dos magos sua lavoura
Viram que o seu bercinho
Era uma mangedoura

Quem fez o Céu e a Gente
E criou tudo concerteza
E nós vimos realmente
Na mais estranha pobreza

Envolto em fracos panos
P’ra seu corpo aquecer
Assim ensina aos humanos
De que modo hão- de viver

Caminhando dizendo isto
Não cansa de Bem dizer
Glória a Jesus Cristo
Que entre nós quer viver
Portanto por nós é visto
Quem desejamos de ver

Quantas amáveis doçuras
Que menção celeste encerra
Jesus que a terra procuras
Vences Satanás em guerra
Glória a Deus nas alturas
E paz aos homens na terra


Os Reis voltam aos seus lares, seguindo outros caminhos.


RIBEIRA SECA

….e das Onze Águas para Vila Franca, que é uma légua, vão algumas fontes e ribeiras que não correm senão de Inverno, como a R. Grande, e além a Ribeira da Abelheira, por se achar ali alguma, e adiante a Ribeira das Tainhas, pelas haver nela, e depois a Ribeira Seca, a qual, ainda que em respeito doutras menores tenha esse nome, corre de Inverno e Verão, e está antes de chegar à Vila Franca tanto como a quarta parte de meia légua, onde há um rico engenho de acúquere que foi de Lopo Anes de Araújo, depois de Gabriel Coelho e dos nobres irmãos e ricos Crastos, e por falecimento de um, o possui o outro, chamado Manuel de Crasto, mais rico de saber e prudência que de fazenda, e agora o possui sua mãe e Diogo Leite, seu genro…..
A Ribeira Seca que se chama assim pela razão já dita e porque alguns anos não chega no Verão a água dela ao mar..”

(Gaspar Frutuoso, Livro IV das Saudades da Terra, vol II, 1981)


“Nós, portugueses, estamos não nas vésperas, mas em plena fase de perdermos toda essa riqueza do passado. E se não corrermos rapidamente a salvar o que resta, seremos amargamente acusados pelos vindouros pelo crime indesculpável de ter deixado perder o nosso património tradicional, dando mostras de absoluta incúria e ignorância.”

Jorge Dias
(A Etnografia como Ciência)