sexta-feira, 14 de setembro de 2012

OS REIS MAGOS


OS REIS MAGOS


INTRODUÇÃO

“Um grupo de pessoas da Ribeira Seca, representando os Magos com suas comitivas, vieram trazer à Matriz desta Vila várias ofertas.Tanto no Largo Bento de Goes, onde deitou fala uma das figuras representativas, como em volta da Matriz, reuniu-se uma enorme multidão.”
(O Autonómico, 9/Jan/1937)


            Esta foi a primeira notícia que encontramos nos jornais, referente ao cortejo dos Reis Magos que se realiza no lugar da Ribeira Seca, em Vila Franca do Campo.
            Embora não se tenha a certeza acerca da autoria dos versos que são declamados  pelos diversos figurantes,  tudo leva a crer  que sejam da lavra de João Jacinto Januário, improvisador local.
Terão sido pioneiros dos primeiros cortejos realizados na Ribeira Seca, entre outros, os senhores João Jacinto Januário, Virginio Branco, Manuel Caetano Ventura (Manuel Libório), José Nicolau, José de Andrade, João de Andrade e António Couto.
O texto da Embaixada, que apresentamos em seguida, foi copiado, na íntegra, de umas folhas soltas pertencentes ao senhor José da Costa Bolarinho, antigo barbeiro da localidade, e algumas das estrofes que faltavam foram recitadas por Manuel de Andrade, um dos participantes numa das últimas embaixadas realizadas na década de setenta.
            Quando saiu à rua, antes de um interregno de vinte e cinco anos, em 1973, eram figurantes, entre outros, os seguintes senhores: Manuel da Costa Esteves, António Jardim, António Andrade, José Fernando Andrade, Artur Bolota, José Agostinho Ventura.

            Na altura, o jornal “A Vila”, publicado no dia 6 de Janeiro, noticiava o evento nos seguintes termos:
            “Amanhã, pelas 20 horas, descerá da laboriosa Ribeira Seca, desta Vila, um curioso cortejo dos Reis que trará até à Igreja Matriz as ofertas da boa e generosa gente daquela localidade.
            Precedido de uma estrela, firmada por uma criança em figura de anjo, o cortejo vindo das bandas da Calçada, deter-se-à junto do antigo Convento de Santo António, no Largo Bento de Góis, que figurará, para o, efeito, o palácio de Herodes.
Prosseguindo o seu caminho, o extenso cortejo dirigir-se-á para a Igreja Matriz pela rua Teófilo Braga, onde os Reis Magos, depois da fala do Embaixador, descerão dos cavalos e irão até junto do presépio entregar as suas ofertas ao Deus-Menino.
À saida do adro, surge, em montaria, um anjo a avisar os Magos do Oriente para não voltarem ao palácio de Herodes, devido às suas sinistras intenções.
  Eis como a população da Ribeira Seca marca presença honrosa nesta quadra do Natal juntando-se, como se uma só família fosse, para trazer a sua generosa contribuição para as obras em que a sua paróquia anda empenhada, principalmente na construção do Salão Paroquial que nos parece ir entrar agora na fase final de acabamento.
  O nosso aplauso para o povo da Ribeira Seca, pois, como é de ver não basta dizer-se que se gosta das coisas, sem contribuir para elas.

              Bem haja tão boa gente.
              Que Deus a ajude.”
           

            Em 1998, depois de um quarto de século esquecida, a tradição foi retomada pelas mãos da juventude local organizada na associação “Jovens Unidos da Ribeira Seca”.

Teófilo Braga

I


Gaspar
(Falando para o Embaixador, depois deste ter descido do seu cavalo)

Meu tão caro Embaixador
És eloquente e podes
Falar ao Rei e Senhor
Soberano Tetrarca Herodes


Embaixador
(Respondendo a Gaspar)

Senhor, à vossa presença
Estou bem avisado
Para partir sem detença
Ao vosso justo mandado

Gaspar
(Para o Embaixador)

Ide! Ao Rei perguntar
Não tenhais muita demora
Se por bem pode aceitar
A nós vindos da Aurora

Embaixador
 (Falando para a sentinela)

                       Senhor haveis escutar
A quem vos fala na lei
Dizei-me se posso entrar
            E falar ao vosso Rei

           Sentinela
      (Ao Embaixador)

Faça favor de esperar
           Para não haver engano
Que eu vou participar
           Tudo ao meu soberano

    (Dirigindo-se a Herodes)

Meu muito alto Senhor
           Na governança imponente
Chegado é um Embaixador
Das partes do Oriente
Que deseja transpor
           Os seus passos mais à frente

           Herodes
     (Para a sentinela)

Mas que o embaixador tenha
O seu coração sincero
Dizei a ele que venha
Que eu aqui o espero

      Sentinela
 (Volta a falar com o Embaixador)

Notícias venho entregar
Com especial favor
Agora podereis falar
A verdade ao meu Senhor

Embaixador
(Depois de cumprimentar, diz a Herodes)

Meu muito alto senhor
À vossa presença estou
Como um embaixador
Que o meu rei a vós mandou

Vim para vos perguntar
E saber tudo em certeza
Se os Magos podem entrar
E falar com vossa Alteza

Herodes
(Para o Embaixador)

Com carinhos e afagos
À minha presença os quero
Ide dizer aos magos
Que eu aqui os espero

Embaixador
(Depois de se despedir vai falar com o seu rei, Gaspar)

Senhores! Alcancei licença
Aonde não houve engano
Podeis partir sem detença
E falar ao Soberano

Os três Reis descem dos seus cavalos e vão à presença de Herodes.

                                                                       Gaspar
                                                                   (A Herodes)

Muito nobre Majestade
À vossa presença estamos
Da vossa boca a verdade
Nós magos o esperamos

Herodes
(Respondendo a Gaspar)

Falai pois eu vos escuto
O que vistes e ouvistes
Que eu com lei executo
A verdade que me pedistes

Gaspar
        (A Herodes)

Nós vimos do Oriente
Porque até aqui nos guiou
Um vivo astro luzente
Que outra luz afrouxou

Este astro nos guiou
As estradas de Judeia
Uma voz a nós falou
Dando-nos nova ideia

Eu ao sol adorava
Nele a esperança puz
Nunca na vida pensava
Quem tivesse maior luz

Essa voz forte dizia
No meio de tão doce luz
Que no ventre de Maria
Tinha nascido Jesus

É este o grande motivo
Que me traz aos passos seus
É porque na terra vivo
Está o Rei dos Judeus

Não cessamos de correr
Com ânsias temos corrido
Ansiosos para saber
Onde Jesus é nascido

Herodes
     (Muito zangado)

Ainda há pouco escutei
E custa-me isto entender
Dos Judeus eu sou o Rei
Como pode outro haver?

(Chama o escravo, Cingno)

És dos leais servidores
Por isso por ti chamei
Para chamares os doutores
Conhecedores da lei

Entram os três doutores e um deles diz:

                                                           Meu muito alto Senhor
                                                           Chegamos a boa hora
Para em prática por
A petição da aurora

Herodes
(Aos doutores da lei)

Quero de vós uma luz
Que ilumina os passos meus
Onde há-de nascer Jesus
Que dizem Rei dos Judeus

Doutor da Lei
   (Respondendo a Herodes)

Em ti Belém pequenino
Berço de David, o crente
Há-de nascer o menino
Filho do omnipotente

Do céu será a sua origem
E veio para nos salvar
Há-de nascer de uma virgem
E virgem há-de ficar

Herodes
        (Para os Reis)

Ide, pois para Belém
Em demanda do Menino
Quando virdes, eu também
Procuro o mesmo destino

Levantai-vos é favor
Porque vos vou despedir
Fico ao vosso dispor
Por aqui tornai a vir

Vossos preceitos e acções
Ponhais em vias direitas
Com vossas informações
Desta arte satisfeitas

Gaspar
(despedindo-se de Herodes)

Provam os nossos estandartes
E a estrela é que nos guia
Que somos daquelas partes
Onde nasce o santo dia

Não foram as ilusões
Que nos mandaram cá vir
Mas sim as certidões
Daquela estrela a fulgir

É aquela estrela que nos ensina
A fazermos tudo isto
Traz a mensagem divina
Do nascimento de Cristo

II

Embaixador
(Antes da visita ao Menino)

Quando Jesus e seus pais
Estavam ainda em Belém
Do Oriente os principais
Reis vêm a Jerusalém

Vieram do Oriente
Guiados de eterna luz
Perguntando a toda a gente
Onde nascera Jesus

Entrando em Jerusalém
Cheios de imenso amor
Saber muito nos convém
Notícias do Salvador

Notícias queremos tê-la
Diz o Rei ao seu vassalo
Porque vimos uma estrela
E viemos adorá-lo

Aonde nasceu o Cristo
Um dos magos perguntou
Herodes, sabendo isto
Muito turbado ficou

A si mesmo perguntou
Que facto novo era aquele
Muito arreliado ficou
E todo o povo com ele

Explicar isto não sei
Diz Herodes enfurecido:
Se eu é que sou o Rei
Como há outro nascido?

Para mais claro espelho
Chama os sábios fortes
Juntaram-se em conselho
Os príncipes e sacerdotes

Informações quero ter
Dos grandes sábios seus
Aonde tem de nascer
Cristo Rei dos Judeus

Depois que os sábios leram
A declareza onde está
A Herodes responderam
Belém terra de Judá

Herodes muito aflito
Procura novas ideias
Depois de ver escrito
No seu profeta Miqueias

Tu Belém no teu porvir
Está escrito em papel
Que de ti há-de sair
Quem governará Israel

Mais pequena hás- de ser
Cidade que Judá encerra
Em ti há- de nascer
O Rei dos Céus e da Terra

Enquanto isto se passou
Num segredo imprudente
Os magos chamar mandou
Que viessem de repente

Depois de apresentados
Os magos do Oriente
Foram interrogados
Por Herodes falsamente

Ide! Diz Herodes maligno
Com sua manha e arte
Ide informar o Menino
E depois me dareis parte

Ide pois para Belém
Ao lugar que vos destino
Que é para eu ir também
Adorar o Deus - Menino

Puseram-se os magos à pista
Guiados do astro luzente
A estrada por eles vista
Nas partes do Oriente

A estrela lhes dá tino
Baixando ela já vem
Aonde estava o Deus – Menino
E Maria sua Mãe

Descobre um clarão vivo
O Menino e a Mãe presente
O seu pi adoptivo
Todos os três juntamente

Neste momento os magos vão visitar o Deus – Menino e levar as suas ofertas. Ao voltarem encontram um anjo vindo do céu.

Anjo
(Avisando os Reis magos)

Eu mensageiro do Senhor
Aqui vos venho avisar
Que Herodes traz rancor
E o Menino quer matar

Disse-vos que também queria
O Deus Menino adorar
Assim vos quis enganar
Que ele espera um dia
O seu rancor vingar

Ides bem acautelados
Pela mesma estrela guiados
Ides contentes na vida
À vossa terra querida

Embaixador
(Depois da visita ao Menino)

Quando o Menino encontraram
No colo de sua mãe sorrindo
Prostraram-se, o adoraram
Seus cofres foram abrindo

Cada um dava contente
Do seu cofre um bom tesouro
Ofereceram por presente
Mirra, incenso e ouro

Em sonhos um mensageiro
Dos céus lhes vêm avisar
Que Herodes, o carniceiro
O menino quer matar

Acreditai o que sonhais
Todos os três sozinhos
Por Herodes não tornais
Ireis por outros caminhos

E depois desta embaixada
Dos leitos se levantaram
E assim por outra estrada
A suas terras regressaram

Admirados de ver
Quem dá luz está cercado
E quem tem todo o poder
Numas palhinhas deitado

Tudo por eles mirado
Viram Deus de carne humana
Numas palhinhas deitado
E em tão pobre cabana

Neste lugar tão pobrinho
Dos magos sua lavoura
Viram que o seu bercinho
Era uma mangedoura

Quem fez o Céu e a Gente
E criou tudo concerteza
E nós vimos realmente
Na mais estranha pobreza

Envolto em fracos panos
P’ra seu corpo aquecer
Assim ensina aos humanos
De que modo hão- de viver

Caminhando dizendo isto
Não cansa de Bem dizer
Glória a Jesus Cristo
Que entre nós quer viver
Portanto por nós é visto
Quem desejamos de ver

Quantas amáveis doçuras
Que menção celeste encerra
Jesus que a terra procuras
Vences Satanás em guerra
Glória a Deus nas alturas
E paz aos homens na terra


Os Reis voltam aos seus lares, seguindo outros caminhos.


RIBEIRA SECA

….e das Onze Águas para Vila Franca, que é uma légua, vão algumas fontes e ribeiras que não correm senão de Inverno, como a R. Grande, e além a Ribeira da Abelheira, por se achar ali alguma, e adiante a Ribeira das Tainhas, pelas haver nela, e depois a Ribeira Seca, a qual, ainda que em respeito doutras menores tenha esse nome, corre de Inverno e Verão, e está antes de chegar à Vila Franca tanto como a quarta parte de meia légua, onde há um rico engenho de acúquere que foi de Lopo Anes de Araújo, depois de Gabriel Coelho e dos nobres irmãos e ricos Crastos, e por falecimento de um, o possui o outro, chamado Manuel de Crasto, mais rico de saber e prudência que de fazenda, e agora o possui sua mãe e Diogo Leite, seu genro…..
A Ribeira Seca que se chama assim pela razão já dita e porque alguns anos não chega no Verão a água dela ao mar..”

(Gaspar Frutuoso, Livro IV das Saudades da Terra, vol II, 1981)


“Nós, portugueses, estamos não nas vésperas, mas em plena fase de perdermos toda essa riqueza do passado. E se não corrermos rapidamente a salvar o que resta, seremos amargamente acusados pelos vindouros pelo crime indesculpável de ter deixado perder o nosso património tradicional, dando mostras de absoluta incúria e ignorância.”

Jorge Dias
(A Etnografia como Ciência)

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Oportunidade para compra de casa

Correio dos Açores, 5 de Setembro de 2012

A Quadratura da Bola



Um dia destes encontrei uma bola no meu quintal, em Vila Franca do Campo, e perguntei a uma vizinha se a mesma era do seu filho. A resposta foi afirmativa, tendo a mesma mencionado que o mesmo havia dado um coice com muita força na bola de modo que ela ultrapassou o muro que separa os dois quintais e acabou por cair no meu.
Esta conversa de circunstância levou-me a recordar a minha relação com o desporto, nomeadamente com o voleibol e com o futebol.
Ao longo dos tempos, a preferência pelas modalidades de desportos com bola foi-se alterando. Assim, no século passado, pelo menos na sua primeira metade, o voleibol era uma modalidade que atraia muitos adeptos, em Vila Franca do Campo, onde existiam vários clubes, como o “São Miguel” e o “Ribeirense” da Ribeira Seca, o “Pátria”, o “Esperança”, o “Casa do Povo”, o “Águia Azul”, o “Marítimo” e o “Senhora da Vida”.
Na localidade onde nasci, Ribeira Seca, existiram dois clubes, o “São Miguel” e o Ribeirense. Este teve uma duração de cerca de quatro anos, possuía o seu campo no início da Ribeira Nova e a direção esteve a cargo de Afonso Torres, Augusto Luís e José Furtado Salema.
De entre os jogadores do Ribeirense distinguiram-se: Caetano Ventura, Augusto Luís, José de Amaral, Ângelo Furtado Lima, Teófilo Braga (meu pai), Manuel Arsénio Moniz, António Teotónio, Urbano Furtado Lima, José Furtado Salema e Manuel Furtado Salema.
Quando frequentei o Externato de Vila Franca, no final da década de 60 e início da década de 70 do século passado, o voleibol era para o meu professor de Educação Física, o professor do 1º ciclo António dos Santos Botelho, a modalidade mais ensinada e jogada. Como tinha pouca “habilidade” para qualquer tipo de desporto, era, na maior parte das aulas, escolhido para fazer a contagem dos pontos.
Nasci e cresci na rua do Jogo e como o nome indica, durante a minha infância e juventude, a rua, na altura de terra batida, era palco para diversas partidas de futebol em que participava com os meus vizinhos e com outros rapazes da localidade.
Se não me falha a memória, da minha rua, apenas o meu irmão Daniel viria a ser desportista federado, tendo jogado futebol no Vale Formoso, das Furnas, e no Vasco da Gama, de Vila Franca do Campo.
Tal como todos os outros rapazes, tinha as minhas preferências clubísticas: fui adepto do Benfica, a nível nacional, e do Clube de Futebol Vasco da Gama, a nível regional. Na altura, com exceção do Ângelo Luís e do Vitorino Furtado, todos eramos benfiquistas e a grande maioria das pessoas, em toda a Ribeira Seca, simpatizava com o Vasco da Gama.
Do Vasco da Gama, recordo-me de jogadores que poderiam ter chegado longe no futebol se o tempo em que praticaram a modalidade fosse outro. Assim, entre outros, lembro-me do Balaia, do “Meio-Pote”, do “José da Amélia”, do “Catana”, do Manuel “Pataquinho”, do Miguel São Pedro e dos irmãos “Cândido”, o Zeca, o Duarte e o João de Brito.
Durante alguns anos fui sócio do Vasco da Gama e cheguei, em 1980, a ser contatado para me candidatar a presidente da sua direção, o que não veio a acontecer pois em Outubro daquele ano, por motivos profissionais, fui a residir para a ilha Terceira.
Contrariado, mas por insistência do Chicharrino, António José Inácio, que foi árbitro oficial de futebol, acabei por aceitar ser seu fiscal de linha num jogo amigável de futebol entre o Águia, dos Arrifes e o Valformoso, das Furnas, num desafio realizado no campo deste último.
Como eram mais do que muitas as minhas dúvidas, a maior parte das vezes levantava a bandeirola imediatamente após o árbitro ter assinalado a falta. Felizmente tudo correu bem e os adeptos só repararam na minha matreirice poucos minutos antes do jogo terminar.
Em síntese, embora gostasse do futebol, nunca tratei a bola muito bem, ou melhor se para quase todos ela era “redonda” para mim sempre se aproximou mais de um “quadrado”.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, nº 27227, 5 de Setembro de 2012, p.15)