quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Ouriço-cacheiro



O Correio dos Açores, Alice Moderno e os ouriços-cacheiros

Quem viaja pelas estradas da ilha de São Miguel não raras as vezes encontra ouriços-cacheiros que foram atropelados pelos veículos motorizados. Nalguns casos, involuntariamente e noutros por pura maldade humana.
Sabe-se que nos Açores existe apenas um mamífero endémico, o morcego (Nyctalus azoreum), tendo os restantes sido introduzidos intencionalmente ou não pelo homem. No caso do ouriço-cacheiro, segundo o jornal Correio dos Açores de 21 de Julho de 1939, a sua introdução na ilha de São Miguel foi voluntária, a sua disseminação pela ilha é que não, pois apesar de “inofensivos e tímidos, pouco dados a afoutezas românticas” aquela só aconteceu depois de “meia dúzia” deles se terem escapado “do Relvão há cerca de 15 anos”, portanto por volta de 1914.
Se hoje há um profundo desrespeito pelos animais, o que não é de admirar já que nem os humanos se respeitam entre si, os ouriços-cacheiros nunca tiveram uma vida fácil nesta ilha do Arcanjo. Com efeito, as tolices que sobre ele ainda hoje se dizem, como por exemplo que trepam às laranjeiras para comer as laranjas, levaram que alguns agricultores os perseguissem e a rapaziada sempre que apanhava um dava-lhe morte certa.
A situação atual não é muito diferente da vivida há 75 anos, como se pode depreender deste extrato publicado no jornal mencionado: “ Nesta mansa e santa terra, onde os animais ferozes e de rapina se limitam ao bichano arisco- a que o menino puxa pela cauda- e ao milhafre – que faz uma roda por se lhe prometer uma galinha – para quem apenas está habituado a ver os representantes do grande reino animal no cinema ou nas leituras maravilhosas o aparecimento de qualquer pequeno bicharoco, de focinho desconhecido e feição estranha, é saudado com foro de sensacional ou requintes de barbaridade”.
No artigo que vimos citando e que não deixa de ser atual escrevia-se que “quási todos os micaelenses ignoram a sua existência e o benefício que representam para a agricultura” em virtude de ser “ insetívoro, pois come especialmente os bichos da terra, grilos, gafanhotos, baratas, caracóis, besouros e toda a casta de bicharada prejudicial à agricultura”.
A 18 de Outubro de 1939, o Correio dos Açores volta a abordar o assunto, mencionando que os ouriços-cacheiros continuavam “a levar uma vida amargurada” e apelava para que as pessoas deixassem “os poucos ouriços-cacheiros que se criam nos nossos campos, viver em paz, porque eles, com toda a sua fealdade e com todos os seus espinhos, na luta pela vida só nos prestam grandes serviços”.
Alice Moderno, que não se interessou apenas pelos cães, pelos gatos, pelos animais de tiro, pelos animais de produção e pelos touros e cavalos forçados a participar em espetáculos degradantes, como o eram e são as touradas, também se manifestou em defesa dos ouriços-cacheiros.
Alice Moderno, numa das suas “Notas Zoófilas”, publicadas durante vários anos no Correio dos Açores, que viu a luz do dia a 8 de Setembro de 1940, voltou a corroborar o afirmado nos textos anteriormente citados e relatou a solução que encontrou para evitar que os ouriços fossem trucidados a golpe de foice e que consistiu em fazer publicar um anúncio, no mesmo jornal, “em letras gordas”, onde mostrava o seu interesse em “ser compradora do perseguido mamífero”.
O anúncio não caiu em saco roto e pouco tempo depois apareceu-lhe em casa um indivíduo com dois ouriços-cacheiros pequenos que ela colocou no jardim da sua residência, tendo confirmado que os mesmos não comiam a fruta que ela disponibilizava mas que davam cabo das baratas que por lá apareciam.
Na nota publicada a 15 de Setembro de 1940, Alice Moderno dá conta de que três pessoas amigas estavam interessadas em possuir ouriços e se eles vinham comer à mão. A resposta foi a de que os seus dois ouriços ainda não se haviam reproduzido, que só perto da meia-noite é que subiam ao balcão para comer num prato, mas que não vinham comer à mão e que a melhor forma de os adquirir seria através da colocação de um anúncio num jornal ou importar “do continente, de onde vieram os ancestrais dos poucos que nesta ilha existem e não têm aumentado devido à guerra encarniçada que durante algum tempo lhes fizeram”.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, nº 30422, 27 de Agosto de 2014)

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Bomba atómica



A PROPÓSITO DA BOMBA DE HIROSHIMA
“De todas as alterações que os homens introduziram na natureza a fissão nuclear em escala industrial é sem dúvida a mais perigosa e a mais profunda. Em consequência disso, as radiações ionizantes tornaram-se o mais sério agente de poluição do meio ambiente e a mais grave ameaça à sobrevivência do homem sobre a Terra.” Schumacher, Small is Beautiful
A 6 de Agosto de 1945, a Alemanha já estava derrotada, a Itália já se havia rendido e Hitler e Mussolini, já se encontravam no Inferno a pagar pelos seus pecados. Apenas restava o Japão que ainda resistia, mas já estava de joelhos.
Pelas 8 horas e 15 minutos do mencionado dia um avião dos Estados Unidos lançou uma “ogiva secreta de quase 20 quilos e potência equivalente a quase 20 mil toneladas de TNT”. O resultado, segundo Ireneu Gomes, foi a morte de 78 150 pessoas só no primeiro segundo após a detonação da bomba, 13 983 desaparecidos e 130 mil pessoas mortas, ao longo dos anos, vítimas da radiação.
Como se este horror fosse pouco, três dias depois outra bomba foi lançada sobre a cidade de Nagasaki, onde terão morrido cem mil pessoas.
Para alguns autores, a derrota do Japão estava assegurada pelo que o lançamento das duas bombas atómicas foi um crime contra a humanidade já que as principais vítimas foram populações indefesas e não passou de uma demonstração de força para todo o mundo e em especial para a União Soviética.
A rendição do Japão foi o fim da Segunda Guerra Mundial e o início da “guerra fria”. Começou uma corrida louca aos armamentos, desde os ditos convencionais, aos nucleares, passando pelos químicos, por parte das duas superpotências imperialistas, os Estados Unidos da América e a União Soviética.
Hoje, com a quantidade e a qualidade dos armamentos disponíveis, se algum dos conflitos regionais se transformar numa guerra mundial as consequências para a humanidade serão incalculáveis. Como muto bem escreveu Albert Einstein, que é considerado um dos pais da bomba atómica e que se terá arrependido de ter escrito uma carta, a 2 de Agosto de 1939, ao presidente dos Estados Unidos da América, Franklin Roosevelt, onde mencionava a possibilidade da criação de um novo tipo de bomba e sugeria os caminhos a serem seguidos: “Não sei que armas serão empregadas numa Terceira Guerra Mundial. Mas tenho a certeza de que, se houver uma Quarta Guerra Mundial, as armas serão paus e pedras”.
Nos Açores, os jornais referiram-se ao evento, nos dias a seguir, tendo relatado o ocorrido nas duas cidades japonesas e feito menção aos prodígios da energia nuclear.
No dia 9 de Agosto, o Correio dos Açores transcreveu uma notícia com origem em Lisboa e datada do dia anterior, intitulada: “A bomba atómica lançada sobre Hiroshima matou todos os seres vivos: homens e animais”. De acordo com a mesma notícia o “segredo do novo invento “foi levado por “uma senhora que conseguiu fugir da Alemanha para o campo aliado”.
Noutro texto, publicado no Correio dos Açores, no mesmo dia, refere-se a revolução que a descoberta da fissão nuclear trará para a humanidade. Assim, na altura, acreditava-se que a invenção poderia “fazer mover, indefinidamente, toda a espécie de veículos mecânicos, com uma quantidade diminuta de novos combustíveis, e será o fim do petróleo e de todos os seus derivados, será o fim das grandes fábricas que produzem energia” e resolveria “o problema das comunicações interplanetárias”.
No dia 16 de Agosto, o Correio dos Açores reproduz um texto publicado, em 1920, pela revista portuguesa de engenharia “Eletricidade e Mecânica”. Neste, o autor, para além de fazer uma descrição do átomo, hoje já ultrapassada, prevê a utilização da energia atómica como substituta do carvão e refere as suas possíveis utilizações.
A dado passo do texto, o autor refere que Sir Oliver Lodge, numa comunicação na Royal Society of Arts, em Londres, considerou que a energia atómica era tão “rica de aplicações” que se congratulava pelo facto do homem ainda não a saber utilizar. Segundo ele, a descoberta do modo como usar a energia atómica só devia ocorrer quando o homem tivesse “a inteligência e a moralidade necessárias para bem aplica-la, porque se esta descoberta for feita pelos maus, este planeta tornar-se-á inabitável”.
Infelizmente, a moralidade muitas vezes mete férias e a inteligência quando existe não é usada.
Teófilo Braga

(Correio dos Açores, nº 30405, 6 de Agosto de 2014)