segunda-feira, 24 de setembro de 2018

A propósito do nome da Escola da Ribeira Seca de Vila Franca do Campo


A propósito do nome da Escola da Ribeira Seca de Vila Franca do Campo

O edifício escolar existente na Ribeira Seca de Vila Franca do Campo foi construído ao abrigo do chamado Plano dos Centenários, implementado pelo Estado Novo entre 1941 e 1969, tendo entrado em funcionamento em 1962.

Hoje fechado, por razões demográficas e devido à política de concentração de alunos para poupar uns trocos para os gastar em coisas supérfluas, como festas e festivais, sem retorno financeiro e de duvidoso interesse cultural, se nada for feito acabará por ruir como já aconteceu com outros.

Sob a direção do professor Eduardo Calisto Soares de Amaral, a Escola foi a única entidade que dinamizou a Ribeira Seca, então integrada na freguesia de São Miguel. A título de exemplo recordo a organização de uma récita escolar, a criação da cantina, a construção de uma piscina, a organização das festas de São João, quando foram interrompidas na sede do concelho, e das marchas de São João nos restantes anos.

Ao contrário do que se esperava na localidade, os responsáveis políticos, como de costume sem ouvir a população, decidiram atribuir o nome da escola a um professor que esteve na localidade apenas um ano letivo, o docente Teotónio Machado de Andrade.

A proposta de nome que terá sido cozinhada em Vila Franca, foi feita pela Direção Escolar de Ponta Delgada que, depois de ouvir a Câmara Municipal, a submeteu à tutela. Como argumentos para a escolha do nome de Teotónio Machado de Andrade foram apresentados os seguintes: pedagogo, investigador do concelho, dinamizador de movimentos culturais, iniciador das primeiras instituições de assistência social escolar, autarca, delegado escolar do concelho e cultor de plantas ornamentais.

A proposta foi aceite pela Secretaria Regional da educação e Cultura que pelo Despacho D/SREC/94/16, de 1 de maio de 1994, determinou que o edifício deixasse de ter a designação Escola nº 3 de Vila Franca do Campo e passasse a denominar-se Teotónio Machado de Andrade.

A primeira reação pública contra aquela decisão governamental terá sido a minha, pois no jornal “A Vila” do dia 23 de junho daquele ano publiquei um texto onde sem retirar o mérito a ninguém argumentei que o professor Teotónio já havia “recebido as merecidas homenagens”. Na ocasião, para justificar o nome do professor Eduardo Calisto de Amaral, escrevi o seguinte:

“Por tudo o que fizeram por aquela escola, pela promoção sociocultural, recreativa e desportiva da comunidade que com muita dedicação serviram, à Ribeira Seca ficarão para sempre ligados os nomes dos senhores professores Eduardo Calisto de Amaral, Valter Soares Ferreira e suas esposas.
Pelas razões apontadas e por muitas outras que poderia referir, proponho que seja revista a decisão agora tomada e que na fachada da minha escola fique para sempre gravado o nome do professor Eduardo Calisto de Amaral”.

No mesmo ano, foi redigido um abaixo-assinado que, depois de recolher 200 assinaturas, foi enviado ao Presidente do Governo Regional dos Açores e ao Secretário Regional da Educação e Cultura. Se não me falha a memória, nenhuma das entidades se dignou acusar a receção!

Três anos depois, em agosto de 1997, uma comissão de moradores da Ribeira Seca composta por Emanuel Medeiros, Vitorino Furtado, João Norberto Salema, José Manuel Salema e João Alberto Pacheco, organizou um abaixo-assinado, que recolheu 310 assinaturas, com o fim de requerer ao Presidente da Câmara Municipal de Vila Franca do Campo a alteração do nome da escola para “Escola EB/J Prof. Eduardo Calisto de Amaral”.

Por unanimidade, a 21 de setembro de 1998, a Câmara Municipal de Vila Franca do Campo deliberou satisfazer a pretensão dos moradores da Ribeira Seca, tendo suportado a sua decisão numa deliberação tomada pela Assembleia Municipal no dia 30 de junho do mesmo ano.

A 27 de outubro de 1998, o presidente do Conselho Diretivo da Área Escolar de Vila Franca do Campo informou o Conselho Diretivo da Área Escolar de Ponta Delgada que “a Escola EB/JI Professor Machado de Andrade passa a designar-se EB/JI Professor Eduardo Calisto Amaral”.

Para não afirmar outra coisa, o mínimo que se pode dizer é que em Vila Franca do Campo andavam todos distraídos, pois havia legislação que atribuía ao Secretário Regional com a tutela da Educação a fixação da denominação dos estabelecimentos de educação e de ensino públicos não superior.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31632, 25 de setembro de 2018, p.17)

Doce de uva

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Sobre o livro de memórias do mestre Dinis


Sobre o livro de memórias do mestre Dinis

Foi com estranheza que pessoa conhecida me informou que o mestre Dinis, da Ribeira Seca de Vila Franca do Campo, havia escrito um livro que foi lançado durante as festas do Bom Jesus da Pedra. Tal facto só pode acontecer por parte de quem foi educado num sistema de ensino e numa sociedade que sobrevaloriza o trabalho intelectual e que menospreza o trabalho manual.

Sobre esta falsa dualidade, o professor Agostinho da Silva escreveu que se todos os homens pensam, então todos são intelectuais.

Relativamente aos que por terem decorado passagens de alguns livros enquanto andaram pelas escolas e universidades, convém lembrar que mais importante do que o saber livresco é a honestidade e o carácter e que, tal como escreveu Agostinho da Silva “, para uma pessoa se educar não é necessário haver escola, como instituição, sendo a melhor escola a escola da vida”.

Numa poesia sobre “A Educação” o mestre Dinis escreveu:

“Na vida se for credível
É porque tem honestidade
Assim será possível
Viver em sociedade”

Depois desta um pouco longa introdução, vamos dar a conhecer um pouco o mestre Diniz e o seu livro, ignorando qualquer apreciação literária, pois não estamos habilitados para tal.

Quem é o mestre Dinis?

Natural do concelho de Vila Franca do Campo, Dinis Furtado Brum, nasceu no dia 27 de junho de 1944, sendo filho de João Furtado Brum e de Maria da Glória Travassos.

Viveu, uma parte importante da sua vida, na rua da Cruz, na Ribeira Seca, onde trabalhou na oficina de ferrador de seu sogro, o mestre Viriato Madeira. Com a substituição dos animais na agricultura, a oficina de serrador deu lugar a uma serralharia, tendo o mestre Dinis feito um estágio na empresa Technal.

Como hobby, o mestre Dinis dedicou-se à música, tendo sido executante da Banda Lealdade e é um exímio cantador ao desafio conhecido em toda a ilha de São Miguel.

O livro serviu de pretexto para a escrita deste artigo tem por título “Um pouco da minha vida… com amizade e serenidade”, sendo essencialmente de carácter biográfico, apresenta, entre outros, também, dois capítulos de temática religiosa, um sobre a Vila e outro de cariz etnográfico.

Por razões de economia de espaço, apenas farei uma breve referência a alguns temas que mais me impressionaram enquanto criança, também residente na Ribeira Seca, e às artes e ofícios que, fruto do progresso técnico, desapareceram.

Em criança, algumas vezes dei uma escapadela de casa e fui ver o trabalho na oficina do mestre Viriato. Lá, o que mais me impressionava, talvez por não ser um trabalho tão rotineiro, era o trabalho na funda, onde eram colocadas ferraduras nos bois. Sobre este trabalho , o mestre Dinis escreveu:

“E o boi que trabalhava
Na carroça canga dura
Na funda se amarrava
Para pregar a ferradura”

No capítulo “Artes e Ofícios” há referência, entre outras, às seguintes profissões já desaparecidas: galocheiro, lenhador, arrieiro, barbeiro, cesteiro, tecedeira, albardeiro, moleiro, vendilhão de peixe.

Termino com uma quadra sobre o cesteiro:

“O animal que trabalhava
Para o dono ganhar o pão
Muita coisa transportava
Através do seu ceirão”

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31626, 18 de setembro de 2018, p.17)