sábado, 4 de novembro de 2017

José Cabral e Carminho Ribeiro





O senhor José Cabral , antigo moleiro da Rua do Jogo, e sua mulher Carminho Ribeiro.

(Com os nossos agradecimentos à senhora Angie Cafua Cabral pela autorização para publicação da fotografia)

terça-feira, 10 de outubro de 2017

Manuel Soares e o seu tempo (3)



Manuel Soares e o seu tempo (3)

Meu avô, Manuel Soares, sempre foi lavrador, isto é criador de gado bovino e como complemento dedicava-se à agricultura, sobretudo ao cultivo de milho, para fabrico de pão que era preparado por minha avó, Maria dos Santos Verdadeiro, e para consumo dos animais, galinhas, porcos e cavalos/éguas.

Em 1950, meu avô era portador de um Boletim de Sanidade, passado pela Delegação de Saúde de Vila Franca do Campo, com o número 49, onde estava indicada como sua profissão a de “Abastecedor e vendedor de leite”.

Estávamos longe dos bons períodos para os produtores de leite, em que o mesmo era vendido, a preço razoável às indústrias de laticínios. Com efeito, o leite que meu avô extraía das vacas era na sua maioria vendido numa mercearia em Vila Franca do Campo e acontecia muitas vezes que o mesmo não tinha compradores pelo que era devolvido e usado para alimentar o porco.

A crise da lavoura não acontecia apenas em Vila Franca. De acordo com o jornal Correio dos Açores, a 10 de maio de 1950, o Grémio da Lavoura reuniu-se com uma delegação de lavradores, tendo numa “Nota Oficiosa”, assinada por João Luís Pacheco da Câmara, decidido, por unanimidade, manter “o preço actual de 1$80 por litro, para venda de leite ao Público, visto haver sido considerado que qualquer baixa, neste momento, agravaria ainda mais a já precária situação da Lavoura”.

Sobre o cultivo de milho, de acordo com o Manifesto nº 540, da Comissão Reguladora dos Cereais do Arquipélago dos Açores, no ano de 1964 e 1965, em 7 alqueires de terra, situados na Quebrada e na Lomba da Cevada, foram produzidos 200 alqueires de milho amarelo e 80 alqueires de milho branco.

Não me recordo de minha avó fazer pão de milho amarelo que tinha um sabor diferente do branco e que apreciava muito. Só o comia quando ia a casa da minha tia Esméria Soares, a irmã mais nova de meu avô, que morava na rua da Palmeira, na Ribeira Seca, e que emigrou para os Estados Unidos da América, onde viveu na cidade de Bristol.

Nos últimos anos em que meu avô cultivou milho o transporte era feito através de um veículo motorizado, mas ainda me lembro do mesmo ser feito num carro de bois que meu avô possuía, sendo o mesmo puxado por dois bois “vermelhos”, possivelmente da raça Ramo Grande que também eram usados em trabalhos agrícolas, como lavrar e gradar as terras.

Foi a meados da década de 60 que chegou a casa de meu avô o primeiro aparelho de rádio, comprado pelos meus pais. Para ele a rádio não era bem-vinda e sobretudo incompreensível quando se tratava de relatos futebol que ele nunca terá visto ao vivo.

Mas como não há mal que nunca acaba, um dia a situação alterou-se, pelo menos parcialmente. Tal ocorreu quando, por mero acaso, ele ouviu umas quadras proferidas pelo Dr. Francisco Carreiro da Costa numa das suas palestras radiofónicas proferidas no Emissor Regional dos Açores, entre abril de 1945 e maio de 1974. A partir daí, semanalmente, meu avô tornou-se um ouvinte assíduo daquele programa naquela estação de rádio.

Com cerca de 90 anos meu avô ainda tratava de uns gueixos, tendo sido atacado por um deles e ficado ferido com alguma gravidade pelo que teve que ser visto por um médico, o que até então nunca tinha acontecido.

Como ele se recusava a ir ao hospital, a solução encontrada foi fazer um médico ir lá a casa para fazer uma primeira observação. Para o efeito foi um sobrinho seu que era veterinário que o foi visitar acompanhado de uma médica que lhe foi apresentada como veterinária amiga. Esta detetou que ele poderia ter algo partido e recomendou-lhe a sua deslocação ao hospital para fazer radiografias. Como resultado detetou-se que ele tinha costelas partidas recentemente e outras já soldadas que havia partido ao longo da vida.

Manuel Soares veio a falecer no dia 25 de setembro de 1989, às 23 horas e 55 minutos, sendo a causa da morte “insuficiência cardíaca congestiva”. Está sepultado no cemitério de Santo Amaro, em Vila Franca do Campo.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31352,11 de outubro de 2017, p. 17)

terça-feira, 3 de outubro de 2017

Manuel Soares e o seu tempo (2)


Manuel Soares e o seu tempo (2)

Aos quinze anos meu avô, Manuel Soares, assistiu ao derrube da monarquia que como é sabido ocorreu no dia 5 de outubro de 1910.

O jornal monárquico, que nunca virou a casaca, “O autonómico”, a 15 de outubro do referido ano, recebeu a notícia da transformação do regime politico e, pela mão do seu diretor, afirmou o seguinte: “A implementação da república em Portugal é um facto sensacional. Se feliz ou infelizmente, verá e dirá quem mais vida tiver”.

Com o novo regime foi nomeado para o cargo de administrador do concelho o Dr. Mariano d’Arruda, talvez o mais influente político vila-franquense da 1ª República, que de acordo com o jornal mencionado foi merecido pois aquele “se tem manifestado um fervoroso apóstolo da República e dado provas de competente e prudente para as atuais circunstâncias”.

Em 1916, no dia 12 de agosto, Manuel Soares fez a inspeção sanitária para o serviço militar, tendo sido “apurado definitivamente” para a infantaria. Das informações constantes na caderneta consta o seguinte: possuía a altura de 1 metro, 71 centímetros e 5 milímetros e apresentava os seguintes sinais particulares: cicatrizes na testa e na face esquerda e sinais de cor castanha pelo rosto.

Entrou para a tropa no dia 12 de janeiro de 1917, no Regimento de Infantaria nº 26, ficou pronto da instrução de recruta no dia 10 de abril de 1917 e licenciou-se em 31 de junho de 1919.

Na caderneta militar consta ainda a seguinte informação, que contradiz o certificado de habilitações: habilitações literárias e profissionais antes do serviço militar “Ler e escrever mal (2º grupo).

Quando meu avô foi cumprir o serviço militar, o mundo já estava em plena Guerra Mundial (28 de julho de 1914 - 11 de novembro de 1918) e Portugal que, segundo José Pacheco Pereira, participava “na guerra para defender os seus direitos coloniais e para se candidatar a parte das possíveis reparações alemães” estava prestes a assistir ao verdadeiro cataclismo que ocorreu a 9 de abril de 1918. Segundo, Luís Almeida Martins, naquele dia “morriam 614 militares portugueses e 6585 eram feitos prisioneiros” na Batalha de La Lys.

Estava meu avô a cumprir o serviço militar quando ocorreu um surto de gripe espanhola. Conta ele que transportava doentes e que comia e bebia parte dos alimentos que a estes eram destinados e que era recusado por eles dado o seu estado de saúde. Dizia ele que tinha de comer para ficar forte e não ser atingido pela doença e “ria-se” por não ter ficado doente.

Sobre a gripe espanhola que teve duas vagas em 1918, uma na primavera e outra nos finais de julho/início de agosto e em 1919 e 1920, o historiador Luís Almeida Martins, escreveu: “O mesmo não se pode dizer da tristemente célebre “pneumónica” que em 1919 e 1920 se abateu sobre quase todo o mundo, ceifando pelo menos 50 milhões de vidas, 120 mil das quais de cidadãos portugueses”.

A confirmar as memórias de meu avô o historiador Sérgio Rezendes, no seu livro “A Grande Guerra nos Açores- Património e Memória Militar”, escreveu: “ A epidemia já havia atingido uma tal dimensão que começavam a faltar para além de médicos e enfermeiros, os auxiliares de enfermaria, os faxinas e os operários que acabariam por ser substituídos por soldados do Exército”. O mesmo autor, no livro mencionado, também refere que também foram “atacadas algumas praças do RI 26”, precisamente o Regimento de Infantaria de que meu avô fazia parte.

Sobre os efeitos da gripe espanhola em Vila Franca do Campo, o jornal “O Autonómico”, de 9 de novembro de 1918, referiu o seguinte: “ A epidemia que, por infelicidade, não nos poupou, vai-se alastrando consideravelmente por todo o concelho, de dia para dia, sendo já grande o número de pessoas atacadas; porém atualmente, mercê de Deus, nenhuma com sintomas de gravidade” e acrescenta que “até agora, apenas dois óbitos se registaram: um, por falta de mais cautela d’um rapaz novo, casado, deixando viúva e três filhinhos, e outro, por a epidemia bater à porta d’um doente, já adiantado em anos e cansado bastante das grandes lutas pela vida”.

(continua)
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31347, 4 de outubro de 2017, p.10)

terça-feira, 26 de setembro de 2017

Manuel Soares e o seu tempo (1)


Manuel Soares e o seu tempo (1)

Com este texto, mais do que fazer a biografia de um homem comum, o meu avô Manuel Soares, que durante cerca de 80 anos andou a trabalhar na terra, sobretudo a tratar das suas vacas, pretendo relatar alguns episódios que o mesmo contava ou relembrar alguns acontecimentos que ocorreram enquanto o mesmo viveu. Nalguns casos, devido à sua baixa escolaridade e à não existência dos meios de comunicação que temos hoje, ele nem sequer tomou conhecimento dos mesmos. A propósito, recordo que o primeiro aparelho de rádio só entrou na sua casa, comprado pelo meu pai, quando a sua idade já andava perto dos setenta anos e os jornais, levados por mim, um pouco mais tarde.

Manuel Soares, filho de Mariano Soares de Oliveira Júnior, de Água d’Alto, e de Teresa de Jesus (Brum) nasceu a 3 de agosto de 1895 em Vila Franca do Campo.

Naquele ano, a 8 de novembro, o físico alemão Wilhelm Conrad Röntgen descobriu os raios X, que mais tarde foram utilizados na medicina. Meu avô, apesar de ao longo da vida ter partido várias costelas, só viria a beneficiar da sua utilização com a idade aproximada de 90 anos.

No mesmo ano, no dia 19 de outubro, um violento tremor de terra sacudiu Vila Franca do Campo. Não sei se por teimosia ou por se ter habituado desde criança, meu avô não respeitava os conselhos da Proteção Civil para as pessoas abandonarem as casas durante as crises sísmicas e procurarem um lugar mais seguro.

Não sei se meu avô chegou a saber o nome do descobridor dos raios X, mas há uma personagem da história de Portugal que ele por diversas vezes falava, pois conheceu alguém que o tinha visto, o chefe dos Vátuas, Gungunhanha que terá sido preso, em Moçambique, no dia 27 de Dezembro de 1895 e que esteve exilado na ilha Terceira entre 1896 e 1906.

Outra figura mencionada por meu avô era a do Rei Dom Carlos, que, segundo ele, era um grande homem. Quando o rei passou por Vila Franca, em 1901, Manuel Soares tinha seis anos. Desconheço se meu avô considerava Dom Carlos, amado por uns e odiado por outros, como um bom rei ou se apenas se referia à sua altura.

O meu avô viu os reis no dia 10 de julho de 1901, vindos das Furnas. Em Vila Franca do Campo Dom Carlos e Dona Amélia foram recebidos na Câmara Municipal onde receberam os cumprimentos das autoridades concelhias. Segundo notícia publicada no jornal “O Autonómico”: “Em frente do edifício acumulavam-se milhares de pessoas da vila e das povoações rurais, cujos campos abandonaram desde que suas Majestades entraram em S. Miguel, e ali vivas aclamações se soltavam de todas as bocas”.

Em relação às suas habilitações literárias, a consulta do seu certificado, passado a 18 de julho de 1908 pelo professor da escola da Freguesia de S. Pedro, Jayme Maria Borges, permite sabermos que estava “optimamente habilitado no 1º grau de instrução primária preceituado no artigo 2º do decreto nº 8 de 24 de dezembro de 1901 e nos termos do respectivo programa”.

O decreto referido dividia o ensino primário em 1.º grau e em 2.º grau e definia as suas matérias e considerava o 1º grau obrigatório para ambos os sexos desde os seis anos aos doze anos completos. O meu avô enquanto frequentou a escola também esteve abrangido pelas disposições constantes do Decreto n.º 4 da Direção Geral de Instrução Pública de 19 de Setembro de 1902 que reafirmava que “o ensino primário do 1.º grau é obrigatório para todas as crianças de ambos os sexos domiciliadas no Continente do Reino ou Ilhas Adjacentes, desde os seis aos doze anos completos de idade” mas acrescentava que estavam “isentas dessa obrigação as crianças que residam a mais de 2 km de distância de escola gratuita pública ou particular”.

Estava Manuel Soares a terminar a sua escolaridade quando, a 1 de fevereiro de 1908, ocorreu o regicídio que o jornal monárquico vila-franquense “O Autonómico” classificou como ato infame e bárbaro.
(continua)

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31341, 27 de setembro de 2017, p. 9)

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Nova legislação para a compra e venda de animais de companhia



Nova legislação para a compra e venda de animais de companhia

No passado dia 23 de agosto, foi publicada, no Diário da República, a Lei nº 95/2017 que regula a compra e venda de animais de companhia em estabelecimentos comerciais e através da internet.

Tal como acontece com outras leis onde costuma haver exceções, no caso desta lei ficam excluídos “as espécies da fauna selvagem autóctone e exótica e os seus descendentes criados em cativeiro, objeto de regulamentação específica, e os touros de lide e as espécies de pecuária”.

Se no caso das espécies da fauna selvagem há uma explicação, a de haver legislação para o efeito, nos outros casos não há. Como leigo na matéria, isto é sem formação jurídica, acho que devia existir uma justificação para a não inclusão dos touros de lide e das espécies de pecuária, que poderia ser a existência de legislação específica, não estarem incluídos nos animais de companhia ou no caso dos touros de lide, por serem os únicos em que as leis permitem a sua tortura e morte para divertimento.
Como não está no âmbito deste texto a divulgação de todas as alterações introduzidas através da lei mencionada que procedeu à alteração do Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de outubro, a título de exemplo transcrevo apenas o artigo 54ª que apresenta os “requisitos de validade da transmissão de propriedade de animal de companhia”:
“Qualquer transmissão de propriedade, gratuita ou onerosa, de animal de companhia deve ser acompanhada, no momento da transmissão, dos seguintes documentos entregues ao adquirente:
a) Declaração de cedência ou contrato de compra e venda do animal e respetiva fatura, ou documento comprovativo da doação;
b) Comprovativo de identificação eletrónica do animal, desde que se trate de cão ou gato;
c) Declaração médico-veterinária, com prazo de pelo menos 15 dias, que ateste que o animal se encontra de boa saúde e apto a ser vendido;
d) Informação de vacinas e historial clínico do animal.”

Espero que esta legislação não seja como muitas outras. Boa no papel, mas ignorada pela maioria e esquecida por quem devia fiscalizar o seu cumprimento.


Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31334, 19 de setembro de 2017, p.10)

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Papas Grossas


As papas forma feitas na Ribeira Seca. A receita é da senhora Paula Araújo, do Nordeste:

"Apesar de variar conforme o sítio que são feitas, aqui está a minha receita: - compra-se carolo previamente descascado, conforme a quantidade que se quer fazer. Coze-se com água e uma pitada de sal. A meio da cozedura, vamos juntando leite aos poucos açúcar a gosto, manteiga a gosto conforme a quantidade, cozendo-as sempre lentamente durante umas duas horas juntando sempre leite. Quando o carolo está cozido e com consistência que baste, polvilha-se de canela para quem goste. É esta a minha receita que uso no Nordeste. Na Povoação faziam de maneira diferente. Como se costuma dizer " cada terra com seu uso, cada roca com seu fuso. Bom apetite".
O nosso agradecimento.

sexta-feira, 11 de agosto de 2017

11 de agosto de 2017 – Alice Moderno Presente


11 de agosto de 2017 – Alice Moderno Presente

“Caridade não é apenas a que se exerce de homem para homem: é a que abrange todos os seres da Criação, visto que a sua qualidade de inferiores não lhes tira o direito aos mesmos sentimentos de piedade e de justiça que prodigalizamos aos nossos semelhantes” (Alice Moderno)
Açoriana pelo coração, Alice Moderno nasceu em Paris, a 11 de agosto de 1867, e viveu primeiro na Terceira e depois em São Miguel, onde faleceu a 20 de fevereiro de 1946.
Para além da sua atividade de jornalista, escritora, agricultora e comerciante, Alice Moderno foi uma mulher que pugnou pelos seus ideais republicanos e feministas, sendo uma defensora da natureza e amiga dos animais.
Cento e cinquenta anos depois do seu nascimento não esquecemos a sua luta que ainda hoje faz todo o sentido e não foi em vão, pois a sua obra ainda hoje é reconhecida e o seu labor serve de inspiração a quem hoje continua a trabalhar para uns Açores melhores para todos.
Não esquecemos a sua desilusão face às promessas não cumpridas pelos republicanos na Primeira República, não esquecemos que não se iludiu com a ditadura do Estado Novo e não podemos ignorar a hipocrisia dos políticos surgidos após o 25 de abril de 1974 que lhe concederam, em 2014, a título póstumo, a insígnia autonómica de mérito cívico mas que não respeitaram o definido no seu testamento. Com efeito, no dia 31 de janeiro de 1946, vinte dias antes de falecer Alice Moderno, em testamento, deixou alguns bens, à Junta Geral Autónoma do Distrito de Ponta Delgada, com a condição desta, no prazo de dois anos, criar um hospital para animais.
O Estado Novo embora não tenha cumprido na íntegra as aspirações de Alice Moderno, construiu as instalações e garantiu, nos primeiros tempos, sob a administração da Sociedade Micaelense Protetora dos Animais e com a colaboração da Junta Geral, a enfermagem permanente aos pequenos animais e a consulta diária a animais de todas as espécies, através do veterinário municipal de Ponta Delgada.
A “democracia” acabou com tudo. Ainda dizem que o Estado é pessoa de bem!
Pico da Pedra, 11 de agosto de 2017
Teófilo Braga

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Padre contra touradas


TOURADAS NAS FESTAS DO SENHOR BOM JESUS DOS AFLITOS - FENAIS DA LUZ

O Pároco tinha-se manifestado, perante a Comissão de Festas do Senhor bom Jesus dos Aflitos, então em funções, contra a realização da tourada. Além de não ser uma tradição micaelense, a tourada é uma prática anti-cristã, que já foi várias vezes condenada pelos Papas. Inclusivamente a última encíclica do tão aplaudido Papa Francisco, Laudato Si', condena os maus tratos sobre animais. A tourada é uma prática sádica, na qual as pessoas se divertem à custa do medo e do pânico do toiro, além de ser uma actividade bárbara, anti-civilizacional e dispendiosa, que queima verbas que podiam muito bem ser canalizadas para uma acção social ou até para o restauro da Igreja.

Infelizmente, a Comissão realizou a indesejada tourada, na qual poucas pessoas participaram. Porém, a Comissão foi demitida pela Diocese, por desobediência aos ditames da Igreja, a este e a outros. E acabam-se 7 anos de barbárie contra animais em nome de Deus!

Enquanto eu for pároco, não haverá lugar para violência contra animais, nem touradas nem bezerradas. Porque, enquanto houver maus-tratos contra animais, haverá sempre violência contra pessoas...

O Pároco dos Fenais da Luz

P. Ricardo Tavares
25.07.2017

Fonte: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1383628365052083&set=p.1383628365052083&type=3&theater¬if_t=like¬if_id=1501716553489788

terça-feira, 1 de agosto de 2017

Ainda sobre o Eng.º Fernando Monteiro da Câmara Pereira



Ainda sobre o Eng.º Fernando Monteiro da Câmara Pereira

No passado dia 19 de julho, o Correio dos Açores publicou um texto sobre o Eng.º Fernando Monteiro da Câmara Pereira. Hoje daremos a conhecer mais um pouco da sua vida/obra.
No texto anterior, fizemos referência a uma intervenção na Assembleia Nacional sobre algumas carências da função pública, a qual ocorreu no dia 17 de abril de 1974. Através da leitura do seu discurso, publicado na íntegra no jornal “A Ilha”, no dia 27 de abril de 1974, constata-se que o Engº Fernando Monteiro não discriminava categorias profissionais, como se deduz através das interrogações que levantou: “Mas quanto ganha um chefe de serviço, um professor, um escriturário-dactilógrafo, um cantoneiro, um contínuo, etc.? E a falta dum ordenado mínimo humano e dignificante?”.

Depois do 25 de Abril de 1974, entre 7 de novembro de 1980 e 30 de novembro de 1983, o Eng.º Fernando Monteiro foi deputado na Assembleia Regional dos Açores, eleito em lista do CDS, pelo círculo de Santa Maria.

Durante o período em que foi deputado, em maio de 1982, publicou, através do Instituto Fontes Pereira de Melo, o livro “Agricultura Açoreana…um caminho para a Europa. Os handicaps açoreanos na directiva 75/268/CEE”, que foi, segundo ele, a concretização de um “estudo que tinha encetado em ordem à caracterização da R.A.A. no quadro das directivas da modernização da agricultura e sobretudo da das Zonas Desfavorecidas”.

Depois da sua passagem pelo CDS, o Engº. Fernando Monteiro foi o dirigente máximo do Partido Socialista no concelho da Ribeira Grande, tendo sido vereador e candidato, derrotado, daquele partido à Presidência da Câmara Municipal da Ribeira Grande, nas eleições que se realizaram no dia 15 de dezembro de 1985.

Podemos ficar a conhecer um pouco sobre o seu pensar, em 1985, através do que ele escreveu em setembro daquele ano, em relação à Junta de Freguesia do Pico da Pedra, então eleita pelo partido socialista: “Se não houvesse uma dinâmica partidária de forte pendor socialista, humanizado e cristão e por isso respeitador de todas as ideologias outras entidades não teriam o sucesso que têm apesar de fortemente apoiadas…”.

Noutro texto, que a seguir se transcreve, publicado em outubro do mesmo ano, o Eng.º Fernando Monteiro, não desvalorizando as ideologias, coloca as pessoas em primeiro lugar: “…a vitalidade do Poder Local Regional e da Democracia só poderá ser encontrado na alternância do mando e consequentemente na responsabilização dos partidos, mas o sucesso depende ao nível do município ou da freguesia das pessoas que se empenham” e conclui: “…Assim votar nas autarquias deverá ser votar nos homens que servem a terra e que nunca se servirão dela”.

Sobre as questões ambientais, a leitura de vários textos da sua autoria leva-nos à conclusão de que o Engº Fernando Monteiro era um homem que investigava e que andava a par do que de mais avançado se publicava, como o livro, de E. F. Schumacher, “Small is Beautiful”, que é “um estudo de economia em que as pessoas também contam” e que apesar de ter sido publicado, pela primeira vez, em 1973, ainda hoje devia ser de leitura obrigatória para políticos e autarcas com mania das grandezas e que continuam a pensar que é possível crescer infinitamente em territórios pequenos e frágeis como são as nossas ilhas.

Sobre as questões energéticas, num texto publicado em 1991, o Engº Fernando Monteiro refere-se à eficiência energética do seguinte modo: “Poupar energia será só não gastar o produto de cada fonte energética ou quantas acções em ordem à minimização das suas perdas? ...Serão os lixos, ou resíduos sólidos e líquidos, produtos totalmente degradados e irrecuperáveis na complexidade energética, sabendo que a natureza orgânica ou inorgânica é a própria fonte da energia bioquímica?”.

Por último, ao terminar o texto referido, o Engº Fernando Monteiro apresenta uma sugestão que se não tivesse caído em saco roto não chegaríamos à degradante situação atual no que diz respeito à gestão dos resíduos sólidos. Aqui ficam as suas palavras:

“As ilhas não podem deixar-se poluir sob pena de perderem a sua beleza e afectarem a qualidade de vida do seu povo. A associação das finalidades consubstanciadas em preservação do ambiente, reciclagem orgânica dos lixos e diminuição das importações de inputs fertilizantes organominerais para o solo açoriano justifica a instalação de uma unidade, pelo menos, de tratamento e reciclagem de resíduos sólidos”.

Por falta de espaço, não foi feita qualquer referência à sua obra poética. Sobre o assunto recomenda-se a leitura do seu livro “Mar Branco”.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31294, 2 de agosto de 2017, p.13)

quinta-feira, 27 de julho de 2017

Declaração

Sobre a Guerra Colonial


Sobre a Guerra Colonial

Hoje, sabe-se que, de 1961 a 1973, mais de 8000 jovens haviam desertado do exército para não irem combater para as colónias portuguesas e que na guerra colonial só entre os soldados brancos, os outros não contavam para o Estado Novo e continuam a não contar para a Democracia, houve 8 831 mortos e 20 000 feridos.

Na freguesia onde nasci, a Ribeira Seca de Vila Franca do Campo, alguns jovens foram forçados a cumprir o serviço militar nas diversas colónias portuguesas, lembro-me de vários que estiveram na Guiné, de pelo menos dois que estiveram em Angola e de um que esteve em Timor.

Nas conversas que mantinha com os meus colegas e amigos de infância e juventude não falávamos de política porque nenhum de nós tinha conhecimentos para tal mas, sobretudo nos anos que antecederam o 25 de abril de 1974, à medida que a nossa idade ia avançando, a guerra colonial era um dos temas abordado.

Como não podia deixar de ser, falava-se muito do heroísmo dos soldados portugueses, das vitórias que iam conquistando, dos soldados ou oficiais que se distinguiam. Na altura, ninguém punha em causa a injustiça da guerra e todos achavam que era um dever de todos os portugueses combater para manter a pátria grandiosa, em suma para todos nós não ir para a tropa era uma traição à pátria e para traidor já bastava o Miguel de Vasconcelos.

Na altura, havia um facto que nos intrigava, se era um dever ir combater para o ultramar por que razão algumas pessoas conseguiram safar-se, pagando a outras para ir no seu lugar.

Mas, apesar da nossa idade, para além do amor à pátria que colocávamos em primeiro lugar, também manifestávamos receio pelo facto de um dia termos de ir para o ultramar e do que nos poderia acontecer. Assim, o que mais nos preocupava era ficarmos feridos ou mesmo morrermos como aconteceu com um filho do sr. Manuel “Luzia” que morou no Pico d’El Rei.

No que se refere aos mortos, o ano de 1969, foi um ano negro para duas famílias de Vila Franca do Campo. Com efeito, naquele ano João Natalino Vales, da freguesia de São Miguel, faleceu em Angola e no dia 24 de junho do mesmo ano morreu em combate João Manuel Simas Amaral, natural da freguesia de Água d’Alto.

Para além dos dois jovens referidos, no parágrafo anterior, não podemos esquecer os nomes de José Maria Furtado, José Jacinto Rodrigues, António dos Santos Pacheco, António da Mota Martins, Emanuel Aires Pacheco de Melo, José Madeiros Pacheco, João Manuel dos Santos e Mariano José Rebelo que, também, perderam a vida nas colónias portuguesas.

Só depois do 25 de abril de 1974 tomámos conhecimento do que realmente ocorreu em Portugal durante o Estado Novo e com muita ingenuidade acreditámos que com as independências das antigas colónias, seriam criados novos países onde reinaria a paz e sociedades mais livres e igualitárias.

Ao contrário do que prometiam e diziam, em vez de sociedades mais justas e democráticas, criaram regimes autoritários, onde a exploração do homem pelo homem e a miséria não desapareceram, continuando a sua população a ser uma das mais pobres do mundo. Assim, no caso de Angola, os dirigentes do MPLA que prometeram o socialismo, transformaram-se em capitalistas sem escrúpulos e organizaram purgas onde mataram muitos milhares dos seus antigos companheiros de armas e de ideais.

Os seus rivais da UNITA, dirigida pelo carismático Jonas Savimbi não ficaram atrás. Aquele dirigente, tão amigo de vários políticos portugueses, era um fervoroso adepto da “caça às bruxas”, como exemplifica a execução de Tito Chingunji, prestigiado dirigente daquele movimento, e de cerca de duas dezenas de familiares.

Continuo a não perceber a razão do apoio por parte do PCP a um partido, o MPLA, que mandou às urtigas o socialismo (não seria capitalismo de estado?) e promove o “capitalismo clientelista” e a razão do apoio dos partidos que em Portugal dizem defender uma democracia pluralista a um regime fortemente autoritário.

Teófilo Braga

26 de julho de 2017

quinta-feira, 20 de julho de 2017

Fernando António Monteiro da Câmara Pereira


Fernando António Monteiro da Câmara Pereira

Tenho escrito alguns textos sobre a vida e a obra de algumas pessoas, desde as consideradas personalidades que se distinguiram dos demais através do seu contributo para a sociedade onde estavam inseridos até às que consideradas pessoas comuns, também, deram o seu imprescindível e insubstituível contributo para uma Terra mais humana.
Sempre que pretendo escrever algo sobre açorianos recorro, em primeiro lugar, à Enciclopédia Açoriana. Mas, infelizmente, muitas das minhas pesquisas lá efetuadas não são bem-sucedidas, pois a mesma apresenta omissões inadmissíveis, como é o caso de nela não figurar um conjunto de personalidades que, quer se goste ou não do seu posicionamento político-partidário ou das ideologias que defenderam, foram figuras que se destacaram entre os seus contemporâneos.
Espero não ter sido inábil na pesquisa que efetuei sobre o engenheiro agrónomo Fernando António Monteiro da Câmara Pereira, pessoa que conheci muito bem, já que o mesmo era frequentador assíduo da casa de um familiar ligado ao Partido Socialista.
Embora sem qualquer ligação partidária, também colaborei com ele pontualmente numa sua iniciativa destinada a autarcas socialistas da Ribeira Grande, onde apresentei, em conjunto com outro membro dos Amigos dos Açores uma comunicação sobre autarquias e ambiente.
O Eng.º Fernando Monteiro, natural de Vila do Porto, onde nasceu a 24 de setembro de 1935, foi um político que se distinguiu pela sua dedicação às causas que abraçou, quer antes quer depois do 25 de abril de 1974. Licenciado em Agronomia pelo Instituto Superior de Agronomia, no ano de 1962, foi funcionário da Junta do Distrito Autónomo de Ponta Delgada e da Secretaria Regional do Comércio e Indústria, onde chegou a ser Adjunto.
Durante o Estado Novo foi Presidente da Comissão de Distrito da Ação Nacional Popular de Ponta Delgada, tendo apresentado a comunicação «Politização e participação da população na vida política» no único congresso daquela organização que se realizou, em Maio de 1973, em Tomar.
Foi também Presidente da Câmara Municipal da Ribeira Grande e deputado na Assembleia Nacional, pelo Círculo de Ponta Delgada, tendo feito parte da Comissão de Política e Administração Geral e Local.
Na Assembleia Nacional, o Engº Fernando Monteiro teve uma participação ativa, com destaque para uma intervenção onde falou nas deficiências existentes nos transportes e comunicações nos Açores, para um requerimento sobre alguns aspetos do abastecimento de gás combustível nos Açores e outra intervenção onde abordou algumas carências da função pública.

Não vamos referir aqui todas as obras executadas pela Câmara Municipal da Ribeira Grande, presidida pelo Eng. Fernando Monteiro, apenas registamos a sua preocupação com a educação que se traduziu na instalação, na Ribeira Grande, por sua iniciativa de uma Secção da Escola Industrial e Comercial de Ponta Delgada.

O dinamismo que imprimiu à Câmara da Ribeira Grande e as suas qualidades pessoais, que se traduziam num bom relacionamento com os munícipes, fizeram com que houvesse resistência, ao contrário do que aconteceu noutros municípios, à sua substituição na presidência daquela autarquia, depois do 25 de Abril de 1974.

Para que o Engº Fernando Monteiro continuasse à frente da Câmara Municipal da Ribeira Grande foram recolhidas muitas assinaturas e realizou-se uma manifestação de apoio que contou com o apoio de parte da juventude. No folheto, assinado por um grupo de jovens, pode ler-se: “Ide todos, hoje Domingo 16 de junho, pelas 9 horas ao Largo Gaspar Frutuoso (Cascata) apoiar o nosso actual Presidente da Câmara, Eng. Fernando Monteiro que muito democraticamente tem representado os desejos do Povo Ribeiragrandense.”.

O Dr. Manuel Barbosa, conhecido opositor ao Estado Novo, classificou os apoiantes do Eng. Fernando Monteiro de “fascistas besuntados de democratas” e de “rapazelhos e marginais”. Mal sabia ele que entre os jovens que queriam a manutenção do Eng.º Fernando Monteiro no seu cargo estavam familiares seus.

Em breve, voltarei a escrever sobre este homem dinâmico, instruído e culto.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 19 de julho de 2017)

Os Jardins Botânicos e os Animais


Os Jardins Botânicos e os Animais

Há alguns dias estava no Jardim José do Canto, conhecido jardim botânico da nossa terra, quando tive a oportunidade de perguntar a uma visitante que estava acompanhada de duas crianças o que ela achava do mesmo.

A resposta foi positiva, isto é, tinha gostado muito de ver, sobretudo as rosas e as árvores de grande porte, como a árvore-da-borracha-australiana, o pinheiro-de-damara e as araucárias de diversas espécies Mas, a senhora em questão não se ficou por satisfazer a minha curiosidade, tendo, a seguir, perguntado se o jardim não tinha animais.

Depois de lhe ter respondido que não, dizendo-lhe que os jardins botânicos apresentam coleções de plantas, podendo servir para a conservação de algumas espécies e ter uma função educativa, não só para os jovens em idade escolar mas também para o público em geral.

Mais tarde, comecei a pensar melhor no assunto e fiquei sem saber o que pretendia a senhora. Seria mostrar às crianças animais fora do seu habitat, em cativeiro? Além disso, hoje, considero que não soube responder bem, pois devia ter esclarecido que no jardim existiam animais, sobretudo aves, mas em liberdade.

No caso do jardim em questão, para além de uma exposição ao ar livre de cartazes com algumas espécies da avifauna que lá vivem, como o pombo-torcaz, a alvéola, o tentilhão, o melro-negro, o santantoninho ou papinho, a toutinegra, etc., os visitantes poderão não só observá-las como também ouvir o seu canto.

Não posso culpar a senhora de nada, pois muitas vezes só vemos o que procuramos e só damos importância ao que conhecemos e nos ensinaram a valorizar.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 18 de julho de 2017)

terça-feira, 11 de julho de 2017

Antero de Quental e o Anarquismo


Antero de Quental e o Anarquismo

Em 1864 foi criada em Londres a AIT-Associação Internacional dos Trabalhadores no seio da qual existiam diversas tendências socialistas que coexistiram no seu seio durante pouco tempo.

Alguns autores, como César de Oliveira e António Ventura, apontam como a data mais importante para a implantação do anarquismo em Portugal o ano de 1871, quando uma delegação espanhola da AIT, constituída por Anselmo Lorenzo, Francisco Mora e Tomaz Gonzalez Morago, se reuniu em Lisboa com José Fontana, operário nascido na Suiça, mais tarde caixeiro e sócio-gerente da Livraria Bertrand, e o poeta açoriano Antero de Quental.

Depois de um primeiro encontro em casa de Antero de Quental, houve algumas reuniões com outros jovens, entre os quais Jaime Batalha Reis, a bordo de um bote cacilheiro, no rio Tejo. Batalha Reis, depois de lembrar que a ideia do encontro fora de José Fontana que desconfiava que estava a ser seguido pela polícia, escreveu o seguinte: “ Nessa mesma noite fomos ao Aterro, o Antero e eu, pagámos a um barqueiro para nos deixar remar sozinhos no seu bote e fizemo-nos ao largo. A uma hora combinada aproximamo-nos dum outro cais onde o José Fontana nos esperava com os internacionalistas. E durante horas, nessa noite e nas seguintes, sobre o Tejo, enquanto eu remava, o Antero discutia, com os emissários socialistas, a revolução operária que já lavrava na Europa”.

Sobre Antero de Quental, o socialista espanhol Anselmo Lorenzo, cujas ideias eram mais próximas das do russo Mikhail Bakunine do que das do alemão Karl Marx, escreveu, no seu livro “El Proletariado Militante”, o seguinte: “…Quental pareceu-me mais velho e de aspecto não menos simpático e atraente; tinha residido muitos anos em Paris dedicado ao estudo das ciências e tinha uma ilustração vastíssima e um carácter franco e leal que o levava a adoptar os radicalismos que logicamente lhe impunham os seus extensos conhecimentos”.

Os objetivos das reuniões eram divulgar os objetivos da AIT e criar uma secção em Portugal, tarefa que ficou a cargo de José Fontana e de Antero de Quental.

No mesmo ano, é publicada, sem a indicação do autor, a brochura de Antero de Quental, “O que é a Internacional”, onde aquele, segundo Fernando Catroga defende ideias muito próximas das de Proudhon como a abstenção, a mutualidade de serviços e o crédito gratuito.

Antero de Quental, em carta dirigida a Teófilo Braga, confirma a sua pertença à Internacional e em carta a Oliveira Martins confirma nos seguintes termos a autoria do opúsculo “O que é a Internacional”: “Aí vai o primeiro folheto de Propaganda. Não sei se conhecerá que foi escrito por mim, por isso lho declaro (debaixo de sigilo Internacional!). V. sabe das minhas pretensões a Economista – por isso escusado é dizer-lhe a importância que dou às primeiras 20 páginas.”.

Antero de Quental distanciou-se das posições abstencionistas iniciais, tendo apelado à formação de um partido político e sido candidato em vários atos eleitorais, embora tenha declarado que não pretendia ser deputado.

Se é verdade que, numa carta dirigida a W. Storck, Antero de Quental desvalorizou as suas posições políticas anteriores, considerando-as «mistérios da incoerência da mocidade» também não é menos verdade que dois anos antes de morrer, escreveu um texto intitulado “O socialismo e a moral” onde reafirmou a sua concordância com o lema da Internacional “A emancipação dos trabalhadores deve ser obra dos mesmos trabalhadores”, tendo acrescentado que “o problema do Socialismo é essencialmente o problema da organização do trabalho: ora a organização do trabalho depende antes de tudo da capacidade moral dos trabalhadores, isto é, da sua capacidade de ordem, disciplina e justiça”.

Sobre o percurso de Antero, enquanto o anarquista português Júlio Carrapato escreveu: “depois do entusiasmo inicial pela Associação Internacional dos Trabalhadores e da aventura parisiense, resvalou para o reformismo socialista e para um pessimismo místico e bipolar”, Anselmo Lorenzo, considerado "o avô do anarquismo espanhol", escreveu: “Daqueles dois jovens, mortos há já bastantes anos, conservo carinhosas recordações (...). Tenho ideia que os anarquistas portugueses inscrevem os nomes de Fontana e de Quental no catálogo dos bons.”.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31276, 12 de julho de 2017, p.16)

Burros do Canadá



Burros do Canadá

Nos últimos tempos, a comunicação social, nomeadamente o jornal Correio dos Açores, tem trazido informações sobre a morte violenta de burros nas Feteiras, sem que até agora se tenha descoberto e castigado devidamente os autores dos mesmos.

A propósito do ocorrido nas Feteiras, lembrei-me de Alice Moderno que há cento e dois anos denunciou, no seu jornal “A Folha”, um tal “Joaquim São Pedro, nome que está em perfeita antítese com as ações que pratica, por ter “barbaramente esfaqueado um animal da raça asinina”, na freguesia do Faial da Terra.

Face ao exposto, conclui-se que os maus tratos a burros não começaram hoje. Com efeito são tradição antiga que, tal como todas as outras que desrespeitam animais e humanos, deve ser banida quanto antes.

Mas os maus tratos de que são alvo os burros não acontecem só por cá. Com efeito, recebemos de uma familiar que reside no Canadá um conjunto de materiais relacionados com a proteção àqueles animais, entre os quais um bonito calendário para 2018, editado pelo “The Donkey Sanctuary of Canadá”.

Através dos materiais recebidos ficamos a saber que aquela organização, sem fins lucrativos, possui um espaço com cerca de 2900 alqueires de terra onde, desde 1992, proporciona um local seguro para burros resgatados que foram negligenciados, abusados ou que os seus proprietários já não podiam cuidar mais deles.

A organização que tem como objetivo reduzir o sofrimento dos burros, vítimas de negligência e maus tratos, e melhorar a sua vida através de interações positivas humanos-burros, permite visitas do público apenas um dia por semana e organiza eventos para famílias com a possibilidade de refeições com comida local, entretenimento e interações com os burros.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31275, 11 de julho de 2017, p.16)
http://www.thedonkeysanctuary.ca/

quinta-feira, 29 de junho de 2017

Faleceu ontem, 29 de junho, O professor EDUARDO CALISTO


Faleceu ontem, 29 de junho, O professor EDUARDO CALISTO

Eduardo Calisto Soares de Amaral nasceu, na Ribeira das Tainhas, a 13 de Outubro de 1936, tendo-se formado na Escola do Magistério Primário, de Ponta Delgada, em 1955, depois de ter frequentado a Escola Primária Masculina, da sua terra natal, o Externato de Vila Franca.
Professor do primeiro ciclo do ensino básico durante 37 anos, para além de ter lecionado na Ribeira Seca, foi docente nas seguintes escolas primárias: São Miguel, de Vila Franca do Campo, Porto Formoso, Água de Pau, Ponta Garça e Ribeira das Tainhas. Em simultâneo, durante 12 anos, foi professor no Externato de Vila Franca do Campo.
Amante do desporto, foi jogador de futebol e membro da Direção do Clube Desportivo de Vila Franca do Campo.
Foi, também, membro da Direção de Caixa Agrícola e pertenceu à Comissão de Festas do Bom Jesus da Pedra, durante 4 anos.
Na área do associativismo cultural, foi Presidente da Banda da Lealdade durante 6 anos. e fez parte do Grupo de Cantares “Vozes ao Luar”.
O professor Eduardo Calisto Soares de Amaral também tem dedicado a sua vida à escrita, tendo no âmbito do teatro si autor de três revistas, duas na Escola do Porto Formoso e uma na Escola da Ribeira Seca que foi exibida no final de um ano letivo. (Se não me falha a memória, 1965)
Ainda no que diz respeito à escrita, se se consultar os Jornais “A Vila” e “A Crença” constatar-se-á que da sua autoria existem muitas dezenas de textos publicados sobre o ensino, as viagens que fez, sobre como se vivia antigamente, as brincadeiras dos mais novos, as festas de São João, etc.
A 1 de Dezembro de 1966, fruto de um trabalho de uma equipa que o professor Eduardo Calisto Soares de Amaral soube coordenar, realizou-se a bênção do nicho dedicado a Nossa Senhora da Conceição e foi inaugurado um pequeno tanque de natação, a nossa piscina, que pelo seu ineditismo foi motivo de muita admiração. (Faço um aparte para mencionar os nomes dos restantes professores da escola naquela data: Adelaide Soares, Margarida Simas Borges, Claudete Marques, Válter Soares Ferreira e Octávio da Silva Costa).
Foi um dos elementos da equipa que liderada, pelo padre Lucindo Andrade, se responsabilizou pela montagem de um presépio movimentado, iniciado em 1967 com o objetivo de recolher fundos para a Igreja de São Pedro e que atraia, anualmente, milhares de pessoas ao concelho durante a época natalícia.
A abertura da escola à comunidade que já se iniciara nos últimos anos do antigo-regime, foi alargada, após o 25 de Abril de 1974. Com efeito, o professor Eduardo Calisto de Amaral, na qualidade de diretor da Escola da Ribeira Seca, foi pioneiro na abertura das instalações da mesma para a prática desportiva e recreativa dos jovens (que nem sempre souberam corresponder à confiança depositada). Assim, foi cedido, num dos alpendres fechados, um espaço para reuniões da Associação Desportiva e Cultural da Ribeira Seca, a primeira associação de juventude da localidade, que possuidora de uma chave da escola, abria-a e organizava jogos diversos com destaque para o futebol.
Respeitador das nossas tradições, empenhou-se na sua manutenção, tendo, em 1968, organizado a 1ª Marcha as Hortas e sido líder da Marcha da Ribeira Seca durante 30 anos.
Sendo fastidioso mencionar tudo o que o professor Eduardo Calisto de Amaral fez relacionado com as festas de São João, acrescento apenas que, em 1972 fez parte da equipa que organizou as festas em Vila Franca do Campo, em 1992 foi o autor da letra da Marcha da Ribeira Seca e em 2007 foi um dos responsáveis pela coreografia da Marcha da Rua.
Mas, para a Ribeira Seca o ponto alto foi em 1975. Vejamos o que disse o senhor Manuel Soares Ferreira sobre o assunto: “Em 1974, parou. Houve o 25 de Abril. Parou na vila, porque na escola da Ribeira Seca, o professor Calisto fez sempre a festa.”
Em 1975, no recreio da Escola da Ribeira Seca desfilaram três vistosas marchas populares, realizaram-se jogos de voleibol, entre jovens e adultos, e jogos de miniandebol com uma das equipas orientada pelo Emanuel Batista.
Foi também nesta altura, com a anuência do professor Eduardo Calisto de Amaral, que a Ribeira Seca teve vários autores e atores teatrais. Com efeito, por iniciativa de um grupo de habitantes foi ensaiada, na casa do Sr. Álvaro Sardinha, na Rua Nova, uma lição do Menino Tonecas em que os principais intérpretes foram o António José Pacheco, da Rua Nova, e o Eduardo Vicente, do Quartel de São João.
Estávamos muito longe dos currículos regionais, das áreas-escola ou de outras inovações e na Ribeira Seca já se faziam experiências pedagógicas que eram referência para as demais escolas. Assim para além da jardinagem, da criação de animais, menciono a realização durante cerca de 30 anos de uma visita de estudo anual para que as crianças contatassem com a realidade da ilha, nomeadamente instalações fabris e serviços diversos.
Mas, se todas estas realizações, que tiveram a mão e a coordenação do professor Eduardo Calisto de Amaral foram gigantescas, atendendo à dificuldades com que se vivia na época e ao facto da escola ser o único elemento dinamizador da cultura na localidade, só por si justificavam esta justa homenagem que tardou, não devemos esquecer a pessoa em si.
Diria que o professor Eduardo Calisto Amaral, pela maneira de ser, marcou profundamente os seus alunos e pela sua facilidade em se relacionar com os outros granjeou a simpatia da comunidade que tão bem soube servir. Mas, mais importante do que as minhas palavras aqui segue um dos vários depoimentos possíveis:
“ O sr. Calisto, este, de coração grande, mais que mestre era o Pai de todos nós; sempre de sorriso, a todos nos acolhia, ouvindo tudo com atenção, mesmo a queixa mais insignificante do aluno mais humilde” (Maria da Graça Flor de Lima, 15 de Junho de 1992).
A todos os familiares os nossos sentidos pêsames.

Irmandade do Espírito Santo da Rua Nova


Irmandade do Espírito Santo da Rua Nova

Depois de no passado dia 27 de junho ter sido inaugurada a Casa do Divino Espírito Santo, localizada na Rua Autonomia dos Açores, amanhã, 1 de Julho, realiza-se a arrematação de gado pelas 21 horas, seguindo-se a habitual ceia dos criadores.

quinta-feira, 22 de junho de 2017

A constância de dedicados jornalistas


A constância de dedicados jornalistas
Categoria: Opinião
Criado em 20-06-2017

Escrito por João Carlos Tavares

Admiramos a constância de muitos assíduos colaboradores que escrevem sobre temas vários para a nossa imprensa. São, eles e os jornais, os cabouqueiros, os “olhos e a língua do corpo social. Por isso privá-los de meios de informação é privar de voz a sociedade”. Foi assim que Luca de Tena, disse certo dia, acerca dos jornais e dos jornalistas.
No nosso Portugal e especificamente nos Açores os jornalistas, redactores profissionais e colaboradores, são muito constantes nas suas apreciadas crónicas, colunas ou secções, uma tradição que vem dos tempos do surgimento dos Media na Região já a caminho dos dois séculos.
Que nos recorde, já lemos jornais há cerca de 60 anos e desde sempre demos com colaboradores constantes a deporem os seus testemunhos, os seus conhecimentos e as suas opiniões no estilo próprio de cada um e dentro dos meandros impostos pela deontologia. Sempre houve muitos e dedicados ao órgão divulgador dos seus escritos e levaram vidas inteiras com muitos e muitos anos de dedicação às suas tribunas e aos que os liam com agrado e atenção.
Dos nossos tempos de jovem lembramo-nos de escritores como Rebelo Bettencourt, Diniz da Luz, Oliveira San-Bento, Alcindo Coutinho e outros, no velho Diário dos Açores. No jornal Açores, de Jorge Falcão, Carreiro da Costa, Cícero Medeiros, António Horácio Borges, etc. E no circunspecto Correio dos Açores, Manuel Ferreira, Ruy Guilherme de Morais, Gaspar Read Henriques, Gustavo Moura e tantos outros, alguns dos quais, felizmente, ainda na conta dos vivos.
Actualmente, dado os modos de vida, os actuais colaboradores, não obstante as suas tarefas profissionais, continuam a ser dedicados e muito assíduos nas suas contribuições jornalísticas cumprindo compromissos com os devotos leitores.
Nas colunas do Correio dos Açores, por exemplo estão a colaborar jornalistas há muitas dezenas de anos, mesmo na sua presente provecta idade. Ocorre-nos o caso do respeitável senhor Ermelindo Ávila, que escreve, desde a sua ilha Montanha , há muitas dezenas de anos. E para não magoar ninguém não vou referir a outros mais que, desde há longos anos escrevem para o jornal fundado por Bruno Carreiro, com aprumo e dedicação sobre as áreas dos seus gostos e predomínio.
Entre esses jornalistas que aparecem varias vezes por semana, incluindo o António Pedro Costa, está o investigador Teófilo Braga, professor no ensino secundário, natural de Vila Franca do Campo, com temas curiosos e que despertam a atenção dos regionalistas que se interessam pelas plantas, animais e a natureza em geral, a sua terra, bem assim como da biografia das pessoas que , a vários níveis, se têm destacado no âmbito das suas profissões . É impressionante o número de trabalhos de levantamento históricos, literários e outros que o ainda jovem Teófilo Braga, de quem me dizem os vilafranquenses ser um homem respeitado e admirado, tem publicado na imprensa micaelense, nomeadamente, no jornal Correio dos Açores . Semanas há que, da sua pena brotam dois e mais artigos publicados no diário, fundado por José Bruno Carreiro, todos eles com impacto no interesse dos seus leitores particularmente, aqui neste pedaço do mosaico da diáspora que é a Nova Inglaterra.
Da mesma terra de origem de Teófilo Braga, no cenário do nosso convívio do café da manhã no Dunkin Donuts, também propriedade do vilafranquense do António Arruda, a tertúlia sempre atenta à actualidade da terra de origem, fala sobre os acontecimentos nesse convívio , por nós denominada , “revista da imprensa”. O nome de Teófilo Braga, colaborador do Correio dos Açores, tem sido mencionado e referido com encómio os seus trabalhos publicados, especialmente pelos seus patrícios e leitores Gabriel Melo, natural de Ponta Garça e Manuel Brum, ainda aparentado com o jornalista, que é natural da Ribeira Seca de Vila Franca do Campo. Curiosamente, estes dois indivíduos são pessoas muito interessadas no estudo da Historia, açoriana, portuguesa e universal e ambos são possuidores de uma privilegiada memória particularmente no que concerne a historia da antiga capital micaelense. O Brum e o Melo são duas inteligências que poderiam ter ido longe, se no tempo devido tivessem sido potencializadas.
O Brum, num desses dias surpreendeu-nos com uma foto que vai “espantar” o jornalista Teofilo Braga, quando nos mostrou um instantâneo da família, com um fundo do que foram talvez os primeiros livros da biblioteca do “primo Teófilo” . Na foto para além da mãe e tias do Teófilo Braga, está o seu avô, um homem respeitado respeitador do lugar Ribeira Seca de Vila Franca do Campo.
Por seu turno, Gabriel Melo, natural da Ponta Garça, antigo empregado num Posto de recolha de leite conheceu o “tio Soares” na Ribeira Seca e lembrou-se de umas quadras dedicadas ao avô do Teófilo, por uma conhecido poeta popular daquele lugar de Vila Franca do Campo, um tal José Lopes. Dizia assim as quadras em questão:
Dá mais algumas passadas,
Se te queres fazer forte,
Tens já as mãos arroxadas,
É o primeiro sinal da morte!
A quadra não caiu bem no humor do “tio Soares” e este deixou de saudar o repentista Lopes, uma vez que, “tinha desejado a sua morte” .
Mais tarde o velho “ti Lopes” para se redimir, como conhecia fisicamente bem o patrício Soares, atirou-lhe outra quadra, neste tom :
Deus é que tudo destina,
E destina sem enganos,
Homem de canela fina,
Dura até aos cem anos ...
E deste modo, o “tio Soares” reconheceu a velha amizade e fizeram-se as pazes.
De certo que o T. Braga, desconhecia este episódio em que o seu avô protagonizou e cujas quadras ainda perduram na mente de muitos habitantes do concelho de Vila Franca do Campo, como é o caso do Gabriel Melo, uma memória fora do vulgar que, para alem de saber estórias e muita historia universal, conhece biografias de grandes vultos universais, como até conhece a obra de Pessoa e estrofes dos Lusíadas como poucos da sua geração. Já aqui falámos desses dois homens de Vila Franca, Brum e Melo.
Este despretensioso texto foi concebido, principalmente, para surpreender o Teófilo Braga e para lhe dizer que há nestes lados do Atlântico muita e muita boa gente que lê os seus apreciados escritos.

Fonte: https://www.correiodosacores.info/index.php/opiniao/27690-a-constancia-de-dedicados-jornalistas

segunda-feira, 8 de maio de 2017

A propósito de Burros na Ribeira Seca



A propósito de Burros na Ribeira Seca

De vez em quando, minha tia Zélia Soares que tem 87 anos pergunta se me recordo de meu avô, Manuel Soares, que morava na rua do Jogo, na Ribeira Seca de Vila Franca do Campo, ter uma burra.

A burra referida pernoitava no rés-do-chão da casa até que uma doença que atingiu vários membros da família levou a que, por conselho médico, meu avô a retirasse de lá.

À semelhança de meu avô outras pessoas na localidade, também, usaram burros para transporte de cargas, nomeadamente canados de leite, lenha para os fornos ou sacas de milho para os moinhos.

Se bem me lembro, lá na rua possuíam burros o senhor Ernesto que era dono meia dúzia de cabeças de gado e que para reforçar o seu orçamento familiar também se dedicava ao comércio de alguns produtos agrícolas, tendo ficado com a alcunha de “Ernesto das mónicas” por as (nêsperas) ter vendido e o senhor José Cabral que foi o último moleiro da Ribeira Seca, cuja moagem elétrica foi musealizada e encontra-se aberta ao público.

Para além das pessoas já mencionadas, também me recordo de terem possuído burros, na Ribeira Seca, três outros moleiros: José Estevão, Manuel Verdadeiro e Ângelo Verdadeiro.

O senhor José Estevão, que foi último moleiro que usou um moinho movido pela água da ribeira que atravessa a localidade, era um grande conhecedor da história de Portugal, tal como foi transmitida pelo Estado Novo.

Manuel Verdadeiro, irmão de minha avó Maria Verdadeiro, primeiro teve um moinho de água, localizado nos Moinhos, hoje em ruínas, e depois um movido a eletricidade, localizado na rua Nova, também possuía uma burra que depois foi herdada, tal como o moinho, pelo seu filho Ângelo que morou na rua da Cruz.

Este meu primo Ângelo era o que se pode chamar um doente pelo futebol, mais propriamente pelo Sport Lisboa e Benfica. Assim, sobretudo às segundas-feiras, sempre que o “glorioso” ganhava os jogos no dia anterior, quando ele ia buscar mais milho para moer, para além de muitos vivas ao Benfica que ia distribuindo pelas ruas, a burra apresentava-se bem aperaltada e com as unhas pintadas de vermelho.


Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31224, 9 de maio de 2017, p.17)

quinta-feira, 4 de maio de 2017

Veríssimo Borges e a política


Veríssimo Borges e a política

Hoje, lembrei-me de Veríssimo Borges, depois da leitura de um livro sobre a vida e a obra do anarquista terceirense Adriano Botelho e de ler um texto do engenheiro Jorge Macedo sobre a construção da desnecessária incineradora, se o desenvolvimento sustentável que se apregoa fosse para ser levado a sério e não um conceito ilusório pois, segundo Leonardo Boff, postula um desenvolvimento “que se move entre dois infinitos: o infinito dos recursos da Terra e o infinito do futuro. A Terra seria inesgotável em seus recursos. E o futuro para frente, ilimitado. Ora, os dois infinitos são ilusórios: os recursos são finitos e o futuro é limitado, por não ser universalizável” (Rui Kureda, 2009).

Antes de entrar no tema proposto, quero recordar que fui membro da Quercus, o sócio mais antigo nos Açores, mas por ser presidente dos Amigos dos Açores decidi nunca ter um papel ativo no núcleo de São Miguel daquela associação que surgiu na sequência da minha apresentação do Veríssimo a Viriato Soromenho Marques, durante um jantar no Casino das Furnas, aquando da presidência aberta de Mário Soares.

O Veríssimo Borges ainda hoje é conhecido pela sua militância em defesa da causa ambiental, tendo sido o dirigente mais conhecido do Núcleo de São Miguel da Quercus, durante muitos anos a maior associação ambientalista portuguesa até se “fragmentar”, dando origem a outras duas organizações, o FAPAS – Fundo para a Proteção dos Animais Selvagens, em 1990, e a ZERO- Associação Sistema Terrestre Sustentável, em finais de 2005.

Numa aula do Mestrado em Educação Ambiental que frequentei com o Veríssimo, perguntado sobre a sua opção política, a sua resposta foi: “sou anarquista autoritário”. Não vamos perder muito tempo com esta afirmação contraditória, como ele próprio reconheceu na altura, pois os anarquistas rejeitam qualquer forma de autoritarismo, mesmo que temporária, como defendem algumas correntes socialistas.

Noutra ocasião, sobre a vida política, Veríssimo Borges afirmou: “Tenho uma particular aversão pelos partidos do governo e alternativa. São extremamente parecidos e alternam o jogo da “cadeirinha”. E pela sua própria função e situação no todo social, põem os interesses partidários à frente dos interesses nacionais coletivos”.

Sobre o seu posicionamento politico, após o 25 de abril de 1974, depois de mencionar que se posicionou na extrema-esquerda e que sem ter mudado a sua forma de pensar, embora “perfeitamente apartidário” se revia no Bloco de Esquerda e concluiu: “Nunca me revi nas esquerdas do PC, nunca fui comunista e agora até os respeito porque eles também não o são”.

Em 2008, o Veríssimo foi o segundo candidato a deputado nas listas do Bloco de Esquerda por São Miguel tendo aquela força partidária suspendido a campanha devido ao seu falecimento. Num comunicado sobre o mesmo pode-se ler: "O Bloco inclina-se perante a memória de Veríssimo Borges, lutador emérito pela causa da preservação ambiental dos Açores e do bem-estar social das populações destas ilhas, que ele amava como ninguém".

Antes do 25 de abril de 1974, o Veríssimo Borges foi contra a ditadura, foi preso algumas vezes pela PIDE, tendo-se tornado político, segundo ele, a partir de 1969 à custa das prisões.

Uma das prisões do Veríssimo ocorreu no dia 1 de maio de1969, perto do Rossio, em Lisboa, após ter sido detido pela PIDE, por estar a distribuir folhetos sobre o 1º de Maio, Dia do Trabalhador.

Em 1969, Veríssimo Borges foi um dos estudantes universitários que participou em atos da pré-campanha eleitoral da lista de oposição democrática que era composta pelo Dr. António Borges Coutinho, pelo Dr. Manuel Barbosa e pelo Dr. João Silvestre.

Veríssimo Borges foi, também, um dos subscritores da Declaração de Ponta Delgada, documento que teve como redator principal Ernesto Melo Antunes e que “constituiu a plataforma eleitoral com vista às eleições de 1969”.


Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31220, 4 de maio de 2017, p.17)

segunda-feira, 17 de abril de 2017

A Terceira Morte de Alice Moderno



A terceira morte de Alice Moderno

Se é verdade que ninguém sozinho consegue alterar seja o que for, também é verdade que há pessoas que pelo seu empenho e capacidade de liderança são capazes fazer com que outros se motivem para agir em prol de ideais sejam eles quais forem.

Alice Moderno foi uma das pessoas que, para além de apoiar os seus semelhantes mais desfavorecidos, dedicou grande parte da sua vida à causa animal, através da sua dedicação à Sociedade Micaelense Protetora dos Animais, de que foi uma das fundadoras e sua presidente durante décadas.

A professora doutora Conceição Vilhena, aquando do incêndio que deflagrou na Universidade dos Açores, em 1989, e destruiu o seu espólio, escreveu uma pequena nota, no Correio dos Açores, intitulada “Alice Moderno morreu pela segunda vez”, onde afirmou:

“Alice Moderno morreu hoje, pela segunda vez. Uma grande mulher: forte, inteligente, culta, trabalhadora, bondosa. Que a casa do Gaiato de S. Miguel, comprada com o seu dinheiro, a não esqueça. Que todos aqueles que condenam a crueldade para com os animais, continuem a sua obra a favor dos mais fracos. Que todas as mulheres lhe prestem homenagem, conservando-a bem viva na sua memória.”

A terceira morte de Alice Moderno, esta a ocorrer todos os dias. Hoje a casa do Gaiato, nas Capelas já deu lugar a outro projeto, o Hospital Alice Moderno também já desapareceu e durante muito tempo não serviu para os fins destinados por Alice Moderno no seu testamento, a Assembleia Legislativa Regional depois de lhe prestar homenagem aprovou uma lei que, por um lado reconhece que o abate dos animais nos canis não é o método adequado para o seu controlo mas, por outro lado, adia a entrada em vigor para 2022.

Penso que este prazo dilatado não faz qualquer sentido se as entidades governamentais e as autarquias começassem a trabalhar a sério em campanhas de sensibilização e de esterilização de animais ditos de companhia.

Além disso, uma Região que apregoa ser pioneira na implementação de várias medidas não pode alegar que não é possível acabar com os abates sistemáticos quando a nível nacional aqueles serão proibidos definitivamente a partir de 2018.


Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31208, 18 de abril de 2017, p.17)

sexta-feira, 14 de abril de 2017

quinta-feira, 13 de abril de 2017

Ladrões em Vila Franca do Campo e não só


Através de um texto publicado no jornal “A Crença”, no passado dia 24 de fevereiro, fiquei a saber que infelizmente não sou o único a ser vítima de roubos de fruta. Com efeito, segundo Pedro Costa, autor do texto referido, muitos agricultores o têm procurado no sentido de se juntarem e agirem contra os amigos do alheio.

No que me diz respeito tenho duas situações que denuncio: o roubo de fruta em quantidades que creio que não seja para consumo próprio e a destruição de plantações sobretudo de fruteiras por parte de cabras cujos donos, sem terrenos para as pastar, usam e abusam da propriedade alheia, sem que, até hoje, todas as denúncias efetuadas tenham feito com que a situação se alterasse.

No passado, todas as denúncias feitas às autoridades resultaram em represálias, como destruição de ordenhas, roubo de rolos de erva e morte de animais, pela calada da noite, pelo que o apelo de Pedro Costa para que as pessoas apresentem queixa, embora correto, pois ninguém deve fazer justiça pelas próprias mãos, poderá não ser seguido por muitos que já conhecem bem a impunidade que têm gozado os larápios. Igualmente é de repudiar o dito medo dos compradores de fruta roubada em denunciarem os vendedores da mesma pois nalguns casos trata-se de conivência com o roubo, pois dá-lhes jeito comprar fruta mais barata ou quase dada.

No que diz respeito aos prejuízos causados pelas cabras, estamos perante a ausência de medidas por parte das entidades oficiais conducentes à proibição da existência de rebanhos por parte de pessoas que, não tendo terrenos para as mesmas pastarem, vivem à margem da lei. Com efeito, não respeitando o trabalho dos outros colocam os rebanhos em pastagens ou em quintas, onde comem a erva destinada às manadas dos proprietários e rendeiros ou destroem pequenas árvores, quer comendo as folhagens quer roendo as cascas das mesmas.

A situação que se vive não é inédita, tendo, em 1999, sido denunciada pela Associação Agrícola de São Miguel e pelo extinto Partido Democrático do Atlântico. De acordo com o PDA, naquele ano, as explorações caprinas onde existia qualidade sanitária não atingiam 5 por cento da produção de queijo de cabra produzido em São Miguel.

Para Joaquim Cabral, dirigente do referido partido, a forma de resolver o problema passava pelo seguinte: “Basta procurar junto dos pastores qual é o seu efetivo de cabras, quanto pasto é necessário para alimentá-las durante o ano e quantos alqueires possuem seus ou de renda. Depois, procurar junto dos lavradores e proprietários de terras ou quintais as razões das queixas. Por fim, obrigar ao abate de todas as cabras cujos cabreiros não tenham possibilidade de as alimentar nos seus pastos”.

No início de 1928, o Correio dos Açores denunciava situações semelhantes às de hoje e nos seguintes termos: “Com uma inaudita audácia, os cabreiros a tudo chamam seu, destruindo os tapumes, fazendo comer as ervas e as arvorezinhas, ameaçando aqueles que pretendem velar pelo que lhes pertence, exercendo represálias sobre quanto respeite àqueles que promoveram o justo castigo…”

Hoje, embora não tenha dados oficiais, penso que haverá muito menos rebanhos ilegais, o mesmo acontecendo com produtores de queijo desrespeitadores das leis em vigor, pelo que bastava que fossem punidos severamente e pagassem todos os prejuízos causados para pensarem duas vezes antes de colocarem os animais, que não têm culpa nenhuma das bestas dos donos que têm, em terrenos que não lhes pertencem.

Mas, tão ou mais grave do que a destruição do património vegetal é a persistência no fabrico e venda de queijo, desconhecendo-se as condições higiénicas em que o mesmo é feito e se os animais estão ou não saudáveis.

Espero que este texto seja lido por quem de direito e que sejam tomadas as devidas providências para bem de todos.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31204, 12 de abril de 2017, p. 14)

terça-feira, 14 de março de 2017

Preso protegido pela legislação para animais



Preso defendido com recurso a lei de proteção de animais

Em 1935, ocorreu no Brasil uma revolta comunista que foi chefiada pelo oficial do exército brasileiro Luís Carlos Prestes, cuja “biografia poética” foi parcialmente escrita pelo escritor Jorge Amado, no seu livro “O Cavaleiro da Esperança”.

A revolta fracassou e Luís Carlos Prestes acabou por ser preso, tal como muitos dos organizadores da mesma, entre os quais a sua mulher Olga Benário Prestes que grávida foi entregue à Alemanha nazi, tendo tido uma filha na prisão, Anita Leocádia Prestes, antes de ter sido uma das 200 mulheres executadas numa câmara de gás, em 1942, na cidade de Bernburg.

Outro dos prisioneiros foi o alemão Arthur Ewert que foi amnistiado em 1945 e que acabou por morrer, em 1959, na antiga República Democrática Alemã, sem ter recuperado a razão.

O advogado Sobral Pinto que era anticomunista mas que acreditava que se deve “odiar o pecado e amar o pecador” ofereceu-se para defender tanto Prestes como Ewert, embora sabendo que “o comunismo nega Deus, afronta Deus” mas compreendendo “que os comunistas façam isso por serem pecadores”.

Sobral Pinto foi bem-sucedido no seu trabalho, tendo conseguido que Prestes passasse a receber correspondência da família. No caso do comunista alemão, que fora, tal como muitos outros alvo de torturas diversas, Sobral Pinto socorreu-se de uma notícia que mencionava o caso de um cidadão que havia sido condenado a prisão por ter morto um cavalo por espancamento. Segundo, Fernado Morais, autor do livro “Olga - a vida de Olga Benário Prestes” que é a principal fonte usada neste texto, o mencionado advogado “recorreu a um artigo da Lei de Proteção dos Animais para tentar salvar a vida de Ewert. A lei dizia que “todos os animais existentes no país são tutelados do Estado” – e já que a lei dos homens era insuficiente para impedir o flagelo do alemão, pelo menos que fosse protegido como um animal para que as torturas cessassem”.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31179, 14 de março de 2017, p. 14)