quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

O PRESÉPIO (QUASE) ENDÉMICO



O PRESÉPIO (QUASE) ENDÉMICO

No Largo do Pelourinho, em Vila Franca do Campo, encontra-se um presépio que foi inaugurado recentemente com toda a pompa e circunstância pelas autoridades locais.

Acho-o muito bonito, havendo a originalidade de estarem representadas todas as freguesias do concelho com aquilo que cada uma tem (ou teve) que as individualiza. Não vou descrever cada uma, limito-me, a título de exemplo, a referir o caso da freguesia onde nasci, a Ribeira Seca, que está representada por um moinho.

Nunca estudei a fundo a questão dos moinhos, mas apenas me lembro de moleiros de Água d’Alto e da Ribeira Seca, embora conheça ruínas de um moinho em Ponta Garça. A ribeira que atravessa a Ribeira Seca, segundo o senhor Manuel Soares Ferreira, chegou a alimentar 21 moinhos, desde a nascente, na Granja, até à foz onde se localiza as ruínas do moinho da “tia” Leopoldina.

Mas, o que mais me espantou no Presépio do Largo do Pelourinho foi a presença de espécies da nossa vegetação natural, algumas delas protegidas ao abrigo de legislação nacional e internacional. Não faço ideia qual entidade responsável pelo presépio, mas com certeza deverá ter a devida autorização da Direção Regional do Ambiente que terá aberto uma exceção ao apelo que lançou há alguns dias onde comunicava que era proibida “a colheita, apanha, corte, deterioração intencional da espécie vegetal designada por Leiva ou Musgo, nos termos do artigo 2.º do DL 316/89, de 22 de setembro” e que iria “reforçar na época natalícia a vigilância e fiscalização dos locais onde a mesma se desenvolve”, de modo a evitar a apanha da referida espécie vegetal.

Recordo que, em anos anteriores, os serviços oficiais têm tomado medidas para penalizar quem não cumpre a lei e que, no ano de 1997, os vendedores de árvores de Natal que o faziam na Avenida D. João III viram ser apreendidas, pelos Serviços Florestais de São Miguel, cerca de 80 sacas de musgão.

Não vamos aprofundar a questão da importância da manutenção da vegetação autóctone dos Açores, apenas recordo que em 1992, uma petição lançada pelos Amigos dos Açores – Associação Ecológica e pelo Núcleo Regional dos Açores da Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza, então com sede na cidade da Horta, mencionava o facto de as comunidades vegetais autóctones dos Açores serem o seu mais valioso património natural terrestre pelo que “a sua conservação se torna imperativa e urgente por razões científicas, ecológicas, educacionais, recreativas, económicas e de preservação de tipos genéticos únicos, que transcendem o âmbito regional”.

No caso do presépio em apreço, entre outras e para além do musgo ou leiva, pude observar a presença das seguintes espécies nativas, algumas endémicas dos Açores: hera, queiró, urze, feto-pente, bracel-do-mato, louro, canicão, tamujo, folhado e sargasso.

Desde o povoamento e durante muitos anos, entre outras espécies, o queiró, a urze, o louro e o tamujo forneceram a matéria-prima e a energia usadas por quem cá passou a residir.

O louro forneceu as bagas de onde se extraiu um óleo vegetal que, para além de ser usado na iluminação, também era utilizado como remédio para curar as feridas do gado. A madeira de louro, muito leve, mas resistente, era usada para o fabrico de charruas e de cangas para as juntas de bois.

A urze, para além de combustível, foi usada, em tinturaria vegetal, para a obtenção do verde e no fabrico de vassouras.

A madeira do folhado era, por sua vez, usada no fabrico de alfaias agrícolas.

Defensor de que as boas tradições devem ser preservadas, também considero que é possível mantê-las, adaptando-as aos novos tempos. No caso dos presépios não é nada difícil fazê-los com novos materiais, tornando-os instrumentos de educação religiosa para os crentes e de educação ambiental e cívica para todos.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31109, 21 de dezembro de 2016, p.19)

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Plantas do Natal



Plantas do Natal

Neste texto, pretendo dar a conhecer as principais plantas usadas pelos açorianos, na época natalícia, recorrendo a diversa bibliografia nomeadamente de cariz etnográfico e ao depoimento de algumas pessoas, que desde já agradeço.

Os irmãos Joseph e Henry Bulhar que visitaram os Açores e por cá permaneceram, entre Dezembro de 1838 e julho de 1839, passaram um Natal, em Vila Franca do Campo. No seu livro “Um Inverno nos Açores e um Verão no Vale das Furnas” que, segundo Armando Cortes Rodrigues, é uma obra “cujo valor etnográfico, social e humano não se torna necessário encarecer”, aqueles autores recordam como as pessoas passavam o Natal naquela localidade, tendo a dado passo feito a descrição de uma modesta habitação:

“A um canto do quarto via-se a cama, que em todos os casebres e em todas as ocasiões está sempre limpa e arranjada, mas que hoje se encontra decorada com uma colcha de musselina finamente bordada e uma elegante coberta, acolchoada de branco, sobre a qual se espalhavam flores. O chão estava juncado de verduras e as paredes e o tecto cobertos de ramos verdes de faia. No meio daquela mansão, alumiada por uma candeia em cruxifixo, cuja ténue luz a custo revelava o quadro do interior do casebre, passava o tempo a família dos Bichos”.

O padre vila-franquense Manuel Ernesto Ferreira, no seu livro “A Alma do Povo Micaelense”, editado pela primeira vez em 1926, dedica um texto ao Natal que segundo ele é a festa de todo o ano pois “leva-se seis meses a esperá-la com anseio e outros tantos a recordá-la com saudade”.

Depois de falar na Novena do Natal, que começava no dia 16 de dezembro, e antes de mencionar o presépio, “tradição fortemente arraigada na alma do povo micaelense”, onde segundo ele “vicejam pequenas plantas e flores de freiras”, isto é flores artificiais feitas nos conventos, o padre Ernesto Ferreira menciona algumas plantas usadas pelo Natal nos seguintes termos:

“Já alguns dias antes, em cada casa, se deitara a grelar a ervilhaca, o trigo, o milho, o tremoço, a alpista, com que se há de enfeitar o presépio, de que se acercarão as criancinhas, buliçosas e contentes, saudando-o com sorrisos de inocência.”

No seu livro “Pedras de Santa Maria, publicado em 1968, o mariense Armando Monteiro dá a conhecer uma tradição caída no esquecimento, que abaixo se transcreve:

“Dizem que antigamente o povo desta ilha costumava, na noite de Natal, arranjar um cepo de urze e deitava-lhe lume. Quando estava todo em brasa, apagavam-no com água-benta e, em certas ocasiões de muito furacão e tempestade, acendiam o cepo e colocavam-no no lado da casa donde a ventania soprava.

E feitas estas cousas, logo sucedia chegar a bonança.”

O poeta, natural da Ribeira Grande, Oliveira San-Bento, num soneto intitulado Presépio Antigo, publicado no seu livro “Riscos na Bruma” , editado em 1953, menciona algumas plantas usadas no Natal, do seguinte modo:

Nas horas tão saudosas
Daquele Natal distante,
Há verde pinho odorante
E doce cheiro de rosas…

Vejo as velas luminosas
Mais o trigo verdejante
E a cabeleira ondeante
De ervilhacas graciosas

O etnógrafo terceirense Luís da Silva Ribeiro, no livro Etnografia Açoriana, publicado em 1982, depois de referir que o Natal na Terceira é semelhante ao do Continente, embora com transformações devidas às especificidades do ambiente insular, faz menção às ornamentações natalícias.

No que diz respeito aos enfeites, Luís Ribeiro escreve que “no meio da casa põem ramos de faia do norte contra as paredes ou, dependurados dos tirantes, ramos de laranjeira com frutos, que já nessa época estão amarelos e, se o chão é térreo, atapetam-no com feno (frança de pinheiro) como no Espírito Santo. Na ilha de São Miguel, nas casas térreas o chão também era coberto de junco, de rama de funcho e mais tarde de ramos de criptoméria picados.

Na década de sessenta do século passado, na casa dos meus avós maternos os preparativos para o Natal iniciavam-se com o colocar de molho o trigo e a ervilhaca, a que se seguia a sua deposição em vasos que eram colocados em sítio escuro para que crescessem branquinhos. Mais próximo do dia 25 de dezembro, a casa era enfeitada, através da colocação de ramos com laranjas ou mandarinas e funcho da Madeira nas paredes.

Outra tradição, que quase sempre marcava presença, era a do presépio que terá sido ideia, de São Francisco de Assis, concretizada pela primeira vez em 1223, na comuna italiana de Greccio. Na altura, a árvore de Natal ainda não era muito generalizada, apesar de já em 1933 o Dr. Armando Cortes Rodrigues ter escrito o seguinte: “Hoje, a febre da desnacionalização anda erguendo árvores de Natal por todos os lares e até nas próprias igrejas é bom recordar que a tradição dos presépios e das lapinhas é profundamente cristã e latina e que não há necessidade de ir copiar aos países do norte um costume que nada tem que ver com o nosso fundo tradicional”.

Muito mais tarde, na casa dos meus avós, surgiu a árvore de Natal que era sempre de criptoméria, mas, mais raramente, havia quem usava pinheiros ou mesmo cedros.

De acordo com uma vila-franquense, em sua casa entre outros enfeites havia “galhos de laranjeiras com laranjas, tangerinas e ananás”. Havia também a ervilhaca, o trigo, as favas e o milho, no presépio musgo, “uma pequena planta…galinhos…catos e outras plantas nos vasos”. A árvore era de cedro ou de abeto e nos últimos anos de criptoméria. Também havia o “altarinho” onde não faltava a ervilhaca, o trigo e as tangerinas.

No Pico da Pedra, de acordo com informação recolhida, para além da ervilhaca e do trigo, havia o tremoço e na árvore de Natal eram colocadas tangerinas. A casa era também enfeitada com ramos de cedro e de nespereira pintados com tinta prateada ou dourada. No presépio era usado musgo verde e branco e “pés de galo”.
Em resposta a um apelo que lancei numa rede social uma pessoa referiu que na sua casa era muito usado o azevinho. Numa fotografia de um “altarinho” verifiquei que para além da ervilhaca e do trigo havia dois ramos de gilbardeira.


Embora o levantamento efetuado seja muito incompleto, justificando-se a sua continuação, e sendo difícil a identificação das espécies referidas pelos diversos autores e pelas pessoas que deram o seu contributo para que este trabalho se tornasse realidade, das cerca de 25 espécies usadas no presépio, nos “altarinhos” ou na ornamentação das casas, a esmagadora maioria não é nativa dos Açores.

Nativas dos Açores, no Natal, apenas eram ou ainda são usadas a urze (Erica azorica), os pés de galo (Polypodium azoricum) e vários musgos (leiva, musgão) do género Sphagnum, cuja utilização está proibida, nos termos do artigo 2.º do DL 316/89, de 22 de setembro.

Não obtivemos nenhuma informação que nos desse garantias de que o azevinho dos Açores (Ilex azorica) era ou ainda é usado. Pelo contrário todas as imagens que vimos de plantas a que as pessoas chamavam de azevinho eram de uma espécie introduzida com fins ornamentais cujo nome comum, segundo o botânico Rui Teles Palhinha, é erva-dos-vasculhos, gibalbeira ou pica-rato (Ruscus aculeatus) ou de azevinhos introduzidos na nossa região.

Teófilo Braga
8 de dezembro de 2016
(Atlântico Expresso, 19 de dezembro de 2016)

terça-feira, 29 de novembro de 2016

Do ensino




Do ensino

1- Mudar a rota

Através da comunicação social tomei conhecimento de que um grupo de professores pretende instalar na ilha de São Miguel uma escola inspirada na Escola da Ponte que teve como principal impulsionador o pedagogo José Pacheco.

Desconheço o que terá levado os mencionados professores a pensar numa escola diferente, mas penso que não estarei longe da verdade se disser que as principais causas serão a sua insatisfação relativamente ao funcionamento das nossas escolas e aos métodos de ensino usados, que não despertam qualquer interesse nos alunos já de si desmotivados e que fazem com que muitos deles nada ou muito pouco aprendam.
Ultrapassadas as barreiras burocráticas, considero que o resto será mais fácil, pois como escreveu, recentemente, José Pacheco todos os tratados que visam salvar a educação já estão escritos, só falta “refundar a escola, salvar a educação, sair da zona de conforto”.

Espero que os meus colegas envolvidos no projeto Novas Rotas sejam bem-sucedidos e que pelo menos algumas crianças desta terra tenham a possibilidade de serem educados para e na autonomia.

2- Pregar no deserto

Há turmas, principalmente de alunos mais novos, em que nem uma pequena exposição feita pelo professor é seguida com atenção, havendo mesmo alunos que não são capazes de não se distraírem durante a projeção de um pequeno vídeo de dez minutos.

Vem de longe o combate ao ensino expositivo que não motiva e cansa os alunos e que acaba por ser doloroso para os próprios professores, pois não veem o seu esforço compensado.

Sobre este assunto, já em 1900, o jornal “Estrela Oriental”, num texto não assinado, escreve que o que é preciso fazer é “a educação da inteligência e do coração, o cultivo de todas as faculdades, a formação do homem e do cidadão. Ora tudo isto exige esforço pessoal, cooperação efetiva do discípulo no trabalho do Mestre, incessante colaboração na sua obra, segundo o adágio de um pedagogista moderno: “ o que faz o mestre é pouco, o que faz fazer é tudo…”

Quase todos os dias, ouvimos vários professores desanimados por terem tanto trabalho na preparação das aulas e não obterem os resultados esperados por parte dos alunos. Cada caso é um caso, não sendo possível a generalização, mas se é verdade que há turmas em que há alunos interessados e que conseguiam adquirir os conhecimentos constantes dos conteúdos programáticos, independentemente dos métodos, ativos ou passivos, usados pelos professores, há outras em que se os alunos não forem envolvidos ativamente na aquisição de conhecimentos nada aprenderão.

O jornal referido, acima, relata o caso de um jovem professor que deu uma aula magistral mas que foi um fracasso pois os alunos interrogados sobre a mesma nada souberam responder.

Interessante foi o diálogo entre o professor e o inspetor que havia assistido à aula e que abaixo se transcreve:

“Amigo, acaba de dar uma lição que muito me interessou”- “Ah! Respondeu o outro, dei-a com toda a alma, mas o êxito não correspondeu aos meus esforços: os pequenos ficaram tão ignorantes como estavam; talvez não me tivessem compreendido”. – “E, contudo, eles estiveram atentos ou pelo menos sossegados; verdade é que eu estava aqui; se não fosse isso, talvez se tivessem distraído. O amigo falava, mas eles não diziam nada. Amanhã serei eu que hei-de dar a lição. Em vez de dizer aos discípulos como eles devem fazer, trabalharei com eles, em vez de lhes dizer como e onde se encontram as ideias, eu as buscarei com eles, segundo o conselho de Montaigne: “ Não quero que o mestre seja o único que invente e fale na escola; quero que ouça e faça falar também o discípulo”.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31093 de 30 de novembro de 2016, p. 13)

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Santo Antão e o porquinho


Santo Antão e o porquinho

No último texto, fizemos referência a Santo Antão, santo protetor não só de humanos mas de todos os animais. Hoje, vamos tentar responder a uma questão que se coloca a quem vê a sua imagem que está associada à de um porquinho.

Sobre o assunto, conhecemos duas versões que apresentaremos de seguida.

Para alguns autores, Santo Antão era venerado como protetor contra a peste e doenças contagiosas. Em sua memória foi criada uma congregação religiosa que criou hospitais com o objetivo de cuidar as doenças referidas e como forma de arranjar dinheiro para a subsistência dos hospitais, os religiosos criavam porcos que andavam nas ruas das cidades e que eram alimentados pelas pessoas.

Uma outra explicação foi publicada no Almanaque de S. António e transcrita no jornal Estrela Oriental de 7 de setembro de 1901.

Abaixo, transcrevemos um longo extrato que explica por que razão a imagem de Santo Antão é representada acompanhada de um porco:

“Foi o Santo em certo dia chamado por um rei, para que lhe curasse uma filha que emudecera repentinamente. Foi, com efeito, o Santo Anacoreta, e restituiu-lhe a fala; e quando ia a retirar-se, sentiu que lhe puxavam pelo hábito e o seguravam. Era uma porca (salvo seja …) que conduzia consigo um leitãozinho atacado de umas convulsões malignas, e que, com demonstrações de grande aflição, como que lhe rogava o curasse. O santo assim o fez; e daí em diante, sempre o animalzinho o acompanhou”.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31092, 29 de novembro de 2016, p. 13)
Fotografia de Reginaldo Andrade

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Santo Antão protetor dos animais


Santo Antão protetor dos animais

Nasci e vivi os primeiros anos da minha vida na Ribeira Seca de Vila Franca do Campo, terra de pequenos camponeses, camponeses assalariados e pequenos criadores de gado bovino.

Sendo uma localidade sem igreja, a única ermida existente na altura era a de São João e encontrava-se em ruínas, as festividades religiosas eram as da sede da freguesia, São Miguel, e, portanto, as da Igreja Matriz de São Miguel Arcanjo.

Na localidade propriamente dita havia um império do Espírito Santo, antes existia dois tal como agora, e a participação na procissão de São Miguel, através de três “santos”, Santa Catarina, Nossa Senhora do Egipto e Santo Antão.

Em criança, embora não fosse muito amigo de festas, participava nas procissões do Espírito Santo e também cheguei a acompanhar Santo Antão, pois o meu avô materno era lavrador e aquele Santo durante muitos anos esteve à guarda da senhora Leopoldina Pacheco e desde então até hoje continua sob a responsabilidade de um membro da família Pacheco.

De acordo com várias fontes consultadas Santo Antão foi um monge egípcio que viveu por volta de 251-356, tendo morrido com 105 anos de idade. Santo Antão, primeiro foi venerado como protetor contra a peste e doenças contagiosas, depois como protetor dos porcos e mais tarde de todos os animais domésticos.

Hoje, na localidade onde nasci, a boa tradição de celebrar o dia 17 de janeiro, com arraial e com a tradicional fogueira, desapareceu, restando a ornamentação do quarto pelas festas de São Miguel.

Se fosse devoto de um santo, seria de Santo Antão, pelas memórias de infância e por ser o protetor de seres humanos e de animais que dizem irracionais.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores 31086 de 22 de novembro de 2016, p.13)

terça-feira, 1 de novembro de 2016

FERNÃO BOTTO MACHADO E A PROTEÇÃO DOS ANIMAIS


FERNÃO BOTTO MACHADO E A PROTEÇÃO DOS ANIMAIS
No texto anterior, fizemos referência à proposta de Fernão Botto Machado, solicitador e jornalista, deputado da Assembleia Nacional Constituinte, em 1911, para acabar com as touradas em Portugal.
Antes de fazer menção ao que fez Botto Machado pela causa animal, quero que fique bem presente que ele não era um “maluquinho” que apenas se preocupava com os animais e ignorava o resto. Com efeito, entre outras, ele tomou iniciativas relativamente à duração da jornada de trabalho e lutou pela emancipação da mulher.
Na sessão da Assembleia Nacional Constituinte, de 20 de julho de 1911, Botto Machado apresentou “um projeto de lei fixando em oito horas por dia o trabalho normal do operariado”.
Através do conteúdo da conferência “A queda do monstro. Pela emancipação da mulher. Pela liberdade de consciência” proferida, em 1910, segundo Carlos Bobone, fica-se a saber que “a elevação do papel social da mulher depende, inteiramente, da sua conversão aos valores laicos, da sua transformação num agente do progresso liberal, da sua adaptação a um mundo sem igrejas, sem confessores, sem a sujeição das consciências aos ditames clericais”.
No que diz respeito à questão animal, Botto Machado foi porta-voz no parlamento das associações de proteção dos animais, tanto de Lisboa como do Porto.
No que toca a esta última, Fernão Botto Machado apresentou, a 1 de agosto de 1911, um projeto de lei com vista à punição dos “maus tratos exercidos contra os animais, sempre que resultem da ação direta e violenta da parte dos delinquentes, quando tenham por fim produzir nos animais sofrimentos que a necessidade absoluta não justifique”.
A 4 de Agosto do mesmo ano, Botto Machado apresentou na referida Assembleia Legislativa um texto da responsabilidade da Sociedade Protetora dos Animais de Lisboa, onde esta associação “solicita a Vossa [deputados] atenção, para o referido projeto de lei, rogando-vos que não lhe recuseis nem demoreis a vossa aprovação, ficando certos de que com ela não só prestam um belo serviço à causa da civilização, como praticais um nobilíssimo ato de verdadeira justiça, a qual, como sabeis, não restringe nem exclui, sendo por igual devida a todos os auxiliares do homem”.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31070, 1 de novembro de 2016., p. 16)

terça-feira, 25 de outubro de 2016

FERNÃO BOTTO MACHADO E A ABOLIÇÃO DAS TOURADAS



FERNÃO BOTTO MACHADO E A ABOLIÇÃO DAS TOURADAS

Fernão Botto Machado foi um solicitador e jornalista que, embora autodidata, possuía uma vasta cultura, tendo nascido, em Gouveia, em 1865 e falecido, em 1924, em Lisboa.
Foi um ativo militante político na área socialista e republicana e participou nas ações que conduziram à implantação da República.
Depois da implantação da República foi eleito deputado à Assembleia Constituinte de 1911, tendo-se destacado como orador e autor de diversas propostas legislativas, com destaque para uma proposta de Constituição da República.
A proposta de Constituição da República de Botto Machado apresenta no Título VII intitulado “Altruísmo e solidariedade social” um conjunto de medidas conducentes à proteção dos mais fracos, nomeadamente das classes trabalhadoras, e inclui o artigo 127º com o seguinte teor: A República Portuguesa empenhará todos os seus esforços para extinguir as touradas.
No seu discurso proferido na Assembleia Constituinte, mais tarde editado em livro, Botto Machado referiu-se às touradas nos seguintes termos: “Esse cruel e perigoso sport só é defendido nos nossos dias, ou por interesses de exploração ou por aficionados del redondel, mas sem fundamentos que o justifiquem e sem sequer razões que o desculpem.”
Em relação ao (pretenso) carácter benemérito de algumas touradas, Botto Machado denunciou-o veementemente nos seguintes termos:
“A sua caridade, fria, egoísta, incerta e desigual, visto que era só para os seus adeptos; belo luxo, porque lhes dava ensejo para ostentações caras; hipócrita, porque visava criar anjos de caridade com asas de pau e coração de pedra... a sua caridade, em regra, procurava receitas imundas, ou à custa da tortura e da agonia de animais nobres e bons como os bois, e lindos, amorosos e elegantes como os pombos, ou à custa do suor do povo que caía nas armadilhas, e do sangue e da vida de picadores que morriam nas arenas, como no caso trágico do cavaleiro Fernando de Oliveira.”
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31064, 25 de outubro de 2016, p.7)

terça-feira, 4 de outubro de 2016

Os Açores vistos por um continental “com maus fígados”.


Os Açores vistos por um continental “com maus fígados”.

Leonel das Dores Ferro Alves é um nome que nada diz à esmagadora maioria dos açorianos. Contudo, a sua vida está ligada à história dos Açores, pois cá esteve como deportado, tendo participado na “Revolta nos Açores e Madeira”, em 1931.

Leonel Ferro Alves foi um jornalista e advogado que nasceu, a 2 de fevereiro de 1904, no lugar de Carvalhal, freguesia de Souto, no concelho de Abrantes e faleceu em Lisboa no dia 8 de janeiro de 1963, encontrando-se sepultado no cemitério do Alto de São João.

Há muitos aspetos da vida de Ferro Alves que ainda não estão bem esclarecidos. Assim, sabe-se que, em 1929, foi preso, por razões políticas, acabando por ser deportado para os Açores, depois de ter saído da cadeia do Aljube. Após ter passado pela ilha Terceira onde chegou a 24 de julho de 1930, veio para a ilha de São Miguel onde, aquando da revolta mencionada, assumiu a direção do jornal “Correio dos Açores”.

Mais tarde, Ferro Alves ter-se-á zangado com os opositores da ditadura tendo, segundo Manuel Paula Maça, embora não haja qualquer prova escrita, sido “conselheiro de Salazar” ou “espião do governo de Salazar sobretudo (mas não apenas) por causa da intriga em torno de uma operação de contrabando de armas, no período da II república espanhola, que dá o mote ao seu livro “Os Budas”.

Sobre os Açores, quer acerca das suas belezas paisagísticas, quer acerca do viver das suas gentes, já tivemos a oportunidade de ler a opinião de diversos visitantes, quer nacionais quer estrangeiros. Mas, nunca lemos nada tão desfavorável como o que escreveu Ferro Alves, como o leitor poderá ter a oportunidade de ajuizar pelos exemplos que a seguir apresentamos.

Sobre o Correio dos Açores, que Ferro Alves nos primeiros dias terá chegado a escrever sozinho, diz a dado passo: “ Ali deparei com um flamante artigo dum professor do liceu cujo nome não me recordo…Nele, o seu autor, que é um soba importantíssimo fulminava com rotundos adjetivos o cinema sonoro, que aliás nunca tivera ocasião de apreciar. Receoso de que tal catalinaria pusesse em perigo os capitais empregados nessa indústria, não o publiquei….Sem mim o tal professor teria afundado irremediavelmente a sétima arte, no seu aspecto sonoro, pois convém aclarar que o grotesco soba era partidário do cinema mudo”.

Sobre a cidade de Ponta Delgada, Ferro Alves escreveu o seguinte:” …o que posso afirmar, porque residi oito meses em Ponta Delgada, é que não conheço cidade mais sonolenta e insípida. Nas suas ruas calçadas dumas pedras duras, que deformam os sapatos e obrigam a um passo bamboleante de marinheiro embriagado, os transeuntes caminham vagarosamente …”

Sobre as Sete Cidades como ponto de atração turística, Ferro Alves escreve que é “um disparate sem classificação” argumentando do seguinte modo: “Pode um cidadão permanecer um més inteiro em Ponta Delgada, ir diariamente ao sítio da Lagoa e a bruma persiste durante todo esse tempo, impossibilitando-o de contemplar o fenómeno. Como é possível fazer turismo à base duma coisa que, só por si, por um acaso fortuito, se pode admirar? Pensá-lo, já de si, é uma rematada tonteria”.

As Furnas, também são arrasadas por Ferro Alves que escreve que a sua “única utilidade” é “poder ser um balneário magnífico, para que os indígenas curem o reumatismo, já que para a mornaça não há remédio possível”.

Termino com a opinião de Ferro Alves, que por vezes põe alguns dedos em algumas feridas que ainda hoje não estão curadas, sobre as relações entre os Açores e o continente. Segundo ele, “o açoreano não é patriota, nem a sua reduzida cultura mental lhe permite manter relações espirituais com a metrópole” e acrescenta: “Como elemento de observação reputo importante atentar no analfabetismo, que corroe as ilhas com um carácter endémico”.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31048, 5 de outubro de 2016, p.6)

terça-feira, 27 de setembro de 2016

A Ulmeiro e os Açores


A Ulmeiro e os Açores

Tal com tem acontecido ultimamente, sempre que por algum motivo me desloco a Lisboa, visito a Livraria Espaço Ulmeiro que foi fundada em 1969.

Desta vez, para além da aquisição de revistas, que nunca tiveram circulação nos Açores ou que chegaram cá apenas para meia dúzia de interessados, e de livros de autores açorianos ou sobre a nossa terra que se encontram esgotados, procurava informações sobre o conceito de Escola Comunitária que terá sido implementado em Portugal na década de 60 do século passado.

Der acordo com informação colhida até ao momento, nos Açores, terão funcionado algumas Escolas Comunitárias no Faial, em São Jorge, na Terceira, em São Miguel e em Santa Maria. Do grupo central “dirigente” das Escolas Comunitárias fez parte a faialense Yolanda Corsépius e como colaborador figurava José Antunes Ribeiro então ligado à ITAU e hoje editor e livreiro da Livraria Espaço Ulmeiro.

No que diz respeito à ligação entre a Ulmeiro e os Açores tomei conhecimento de que a mesma editou, entre outras, algumas obras de Antero de Quental, como “O que é a internacional (1980), “Tendências Gerais da Filosofia na Segunda Metade do Século XIX” (1982) e “Causas da decadência dos povos peninsulares” (1987), de Teófilo Braga editou “História do Romantismo em Portugal” (1984), de Álamo de Oliveira editou “Triste Vida Leva a Garça”(1984) e de Ivone Chinita editou “Peste Malina” (1983).

Durante a minha visita à Livraria descobri a revista “Pensamento” que, em 1932, no terceiro ano da sua publicação se apresentava como órgão do Instituto de Cultura Socialista, sendo propriedade do Grupo Editor “Pensamento” e mais tarde, em 1938, se anunciava como “revista quinzenal de divulgação social e científica, arte e literatura”, sendo seu proprietário António Martins., embora mantivesse a mesma linha editorial.

O número 27 da revista trazia, entre outros artigos, um extrato das Conferências do Casino, de Antero de Quental, e o número cento e quatro um texto de Júlio de Almeida Carrapato intitulado “Em torno da arte social de Antero”.

Neste texto, o autor escreve que, segundo Antero de Quental, “não é de Poesia que a humanidade precisa: é de ideias” e cita “Afinal, aquilo de que o mundo mais precisa, nesta fase de extraordinário obscurecimento da alma humana, é de ideias, é de filosofia”…”e a Poesia, voltando a adormecer nos recessos mais misteriosos do coração do homem, tem de ficar à espera até que o novo símbolo se desvende e novas Ideias lhe forneçam um novo alimento, lhe insuflem nova vida… e então voltará a cantar.”

Em Antero há quem queira destacar o santo. O autor referido escreve, citando o próprio Antero, que o grande homem vale mais do que o santo” e também refere: “Para a mocidade, creio-o profundamente, a faceta de mais interesse na complexa personalidade de Antero não é a do schopenhauriano pessimista mas outrossim a do revolucionário e herói altruísta e profundo”.

Nesta minha visita, que é quase uma peregrinação periódica, também fiquei a saber que a Ulmeiro manteve relações com a cooperativa Sextante. Esta foi fundada em 1970 por Eduardo Pontes, Jorge Lopes e Manuel Barbosa e foi extinta em 1971, segundo a historiadora Irene Pimentel, por decisão do Conselho Superior de Segurança Publica, por proposta da Direção Geral de Segurança, acusada, tal como as restantes que também foram obrigadas a fechar a porta, de “instigação a desobediência coletiva às leis”.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31049, 28 de setembro de 2016, p.18)

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Thomaz Hickling e a proteção às aves (II)


Thomaz Hickling e a proteção às aves (II)

Neste texto, continuarei a apresentar as razões que levaram Thomaz Hickling a não estar de acordo com o combate aos chamados “pássaros daninhos”.

Depois de ter citado um autor norte-americano, Thomaz Hickling menciona o agrónomo
Bernardino de Saint Pierre que depois de referir que os insetos daninhos podem arruinar os grãos e os frutos e as próprias pessoas acrescenta que “os pássaros dos bosques são suficientes para limpar os campos, contanto que se proíba os passarinheiros apanhá-los”

Thomaz Hickling na segunda parte do seu texto, apresenta, por ordem decrescente as dez principais causas dos prejuízos agrícolas, na ilha de São Miguel, que são as seguintes:
1- O Homem, que corta e arranca e não replanta;
2- A alforra;
3- A seca;
4- As chuvas;
5- Os ventos;
6- O rocio;
7- Os bichos (insetos);
8- Os ratos;
9- A ignorância, considerada dez vezes mais prejudicial do que os pássaros;
10- Os pássaros.
Thomaz Hickling, não negando os danos causados pelos pássaros, não admite “a impropriedade d’eleger um mal maior para evitar um menor” e acrescenta que não conhece nenhum meio tão eficaz como os pássaros “para a extinção de bichos e insetos”.

Por último, Thomaz Hickling lançou o seguinte desafio, que terá caído em saco roto:

“Á vista de todo o sobredito, quisera eu que se convocassem de dez até vinte lavradores de todos os pontos da ilha perante uma Comissão formada d’alguns Senhores Membros da Associação Agrícola Micaelense, para responderem separadamente, e sem uns ouvirem os outros, aos dez quesitos apontados, insistindo-se com especialidade no décimo, e exigindo d’eles que declarem em suas consciências, se entendem que o mal produzido pelos pássaros é ou não extenuado por alguma utilidade. Por este modo ou será confirmada a Sentença contra os pássaros, ou serão absolvidos, poupando-se tanto trabalho e tantas despesas.”


Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31048, 27 de setembro de 2016, p.18)

Fotografia: Diogo Caetano

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

A ilha Verde de Maria Lamas


A ilha Verde de Maria Lamas

Acabei de ler o romance “A Ilha Verde” da autoria da escritora Maria Lamas, bem como extratos do seu livro “As mulheres do meu país”. Em ambas as obras a autora, que conheceu muito bem os Açores, onde foi sempre muito bem recebida, fala da nossa terra como uma açoriana que sente orgulho na sua terra, não ignorando aquilo que merece ser melhorado.

Antes de fazer algumas referências ao citado romance, apresento uma breve nota biográfica da autora.

Maria da Conceição Vassalo Lamas foi uma escritora, tradutora, jornalista e uma cidadã que interveio quer cívica quer politicamente tanto durante o Estado Novo quer após o derrube deste. Nasceu em Torres Novas, a 6 de outubro de 1893 e faleceu aos 90 anos, em Lisboa, a 6 de dezembro de 1983.

De acordo com João Mário Mascarenhas, antigo diretor da Biblioteca-Museu República e Resistência, Maria Lamas foi “uma Mulher que nunca vacilou na defesa dos direitos humanos e políticos em Portugal e se bateu – de forma energética – pela plena assumpção da igualdade de oportunidades – num Portugal retrógrado que penalizava os seus melhores e perseguia politicamente com o exílio, o desterro e a prisão aqueles que ousavam levantar a sua voz contra a guerra, as torturas, as indignidades, o analfabetismo e a discriminação social, sobretudo das mulheres”.

Tendo vivido intensamente o 25 de abril de 1974, depois daquela data aderiu ao PCP. Foi presidente honorária do Movimento Democrático das Mulheres, desde 1975, e dirigiu a revista “Mulheres”, criada em 1976. A 25 de abril de 1980 recebeu, das mãos do presidente da República, General Ramalho Eanes, a Ordem da Liberdade.


O livro “A Ilha Verde”, editado em 1938, pela Editorial “O Século”, para além de ser “um romance de amor intenso que decorre no cenário maravilhoso da ilha de S. Miguel” é um autêntico roteiro do património cultural e natural, onde a autora refere os principais pontos turísticos da ilha, menciona algumas tradições e aborda, ao de leve, alguns aspetos da sociedade micaelense, como a pobreza, a emigração, a relação entre os “senhores” da ilha e os restantes habitantes, etc.

Sobre os Açores, Maria Lamas escreve: “ilhas de fantástica beleza, adormecidas ainda na serenidade do mistério inicial, quási ignoradas do grande turismo que tudo vulgariza”.

Os romeiros são, segundo a autora, “figuras primitivas, arrancadas a velhos retábulos, evocações vivas dos peregrinos de antanho, a correr mundo em romagem de penitência e humildade”.

A procissão dos enfermos do Vale das Furnas é também descrita com pormenor. Sobre o assunto, Maria Lamas escreve: “Cada morador toma a seu cargo a extensão de rua correspondente à casa em que habita, e as azáleas de todas as cores, que mal desponta abril, transformam o Vale das Furnas em jardim magnífico, vêm, aos braçados, cobrir o chão por onde há-de passar Aquele que, um dia, ensinou aos homens o sentido universal da palavra irmão”.

Muito mais poderia mencionar neste texto, como a procissão do Senhor Santo Cristo, um império do Espírito Santo em Rabo de Peixe ou uma subida à Lagoa do Fogo de burro, a partir de Água de Pau, mas por razões de espaço termino com a seguinte referência ao ilhéu de Vila Franca do Campo: “A caldeira circular, que lhe fica no interior e onde a água do mar tem a serenidade e a transparência de um lago, tudo suplanta. O entusiasmo foi geral. Mais bela piscina natural ninguém tinha visto”.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31043, 21 de setembro de 2016, p.18)

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Thomaz Hickling e a proteção às aves (I)



Thomaz Hickling e a proteção às aves (I)

Em texto anterior fiz referência à iniciativa da Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense (SPAM) de combater os “pássaros daninhos”. Na altura, o Padre João José do Amaral divulgou, no jornal daquela organização “O Agricultor Micaelense”, dois textos de publicações estrangeiras contra aquela prática.

No mesmo jornal, também, se manifestou contra Thomaz Hickling que apresentou vários argumentos para justificar a sua opinião baseada em reflexões pessoais “corroboradas com autoridades não suspeitas”.

Depois de afirmar que tinha “por indubitável que, em vez de deverem reputar-se “Praga” os habitantes do ar, a eles somos devedores da maior, e até da melhor parte de nossas colheitas”, Thomaz Hickling sintetiza as suas razões no texto seguinte:

“Os pássaros, além da deliciosa harmonia dos seus gorjeios, em que desde a primavera até certo tempo nos enlevam, e mimoseiam, parecendo proclamarem as obras maravilhosas da criação, e a glória excelsa do Criador, ocasionando ao homem a elevação da sua alma à contemplação das cousas Divinas, alimpam os campos da inumerabilidade d’insetos, e vermes, que os infestam; compensando d’esta arte, e mui abundantemente, o insignificante mal, que produzem, o qual nunca é tanto como o que d’ outras causas é proveniente”.

O primeiro perito na matéria citado por Thomaz Hicking é o americano Jorge Emerson que refere que os pássaros são aliados do homem, nos seguintes termo: “Há muitas espécies de pássaros, cujo auxílio é indispensável à subsistência humana, e aos quais, por nossa ignorância, e perversidade, fazemos guerra, como se fossem nossos inimigos”.


Outro autor norte-americano, cujo nome não é referido, depois de afirmar que “se não houvesse aves, que refreassem esses enxames d’insetos vorazes, que nos circundam, é crível que seria inabitável o nosso país”.
(continua)

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31042, 20 de setembro de 2016, p.18)

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

A propósito das pragas no século XIX


A propósito das pragas no século XIX

Há diferentes definições para o vocábulo praga. Caroline Faria na página brasileira InfoEscola escreve que “Praga biológica é um termo que pode ser utilizado para designar organismos que, quando se proliferam de forma desordenada ou fora de seu ambiente natural, podem causar algum tipo de dano ao ambiente, às pessoas ou à economia”.

Entre nós, no século XIX, o termo praga, segundo Francisco Maria Supico era usado para designar “as aves daninhas à agricultura”. Francisco Supico no jornal “Persuasão”, publicado no dia 4 de setembro de 1895, refere que a Câmara Municipal de Ponta Delgada, em 1839, “premiava com razoável quantia quem lhe apresentasse cada dúzia de bicos daquelas aves, que se inutilizavam cuidadosamente para evitar burlas”. Ainda de acordo com a mesma notícia, em 1895, a praga já não eram as aves mas os ratos.

Através da “Persuasão”, de 8 de julho de 1896, fica-se a saber que a perseguição às aves já se fazia no século XVIII, existindo uma postura em cuja certidão, passada a 13 de maio de 1792, obrigava a “que todos os lavradores hortelões, ou quaisquer outras pessoas sem exceção que cultivarem terras, quintas, vinhas ou matas, ou sejam próprias ou por arrendamento, tragam à Câmara duas cabeças de pássaros por cada um alqueire de propriedade que assim lavrarem ou cultivarem, até ao fim do mês de junho de cada um ano, com pena de pagarem 10 reis por cada uma das cabeças com que faltarem até à quantidade de dois moios de terra, ou de qualquer outra propriedade que tiverem por sua conta”.

Muitas posturas se seguiram até ao último ano em que a Câmara de Ponta Delgada cobrou o imposto de praga. De acordo com Supico, tal ocorreu no ano de 1875-1876, sendo o valor recebido de 296554 reis.

Mas, que aves eram incluídas na categoria de praga?

Ainda de acordo com a mesma fonte, no século XVIII todas as aves “eram condenadas ao extermínio”, na postura de 1824 não eram abrangidas “as codornizes, galinholas e perdizes, “para caça da mocidade que devesse dar-se a esse entretenimento nobre”” e na última, a de 1842, eram perseguidos o canário, o melro-negro e o tentilhão.

Em relação ao número de aves mortas, em Ponta Delgada, o Açoriano Oriental estimava que “para mais de 40 000 cabeças de praga daninha foram entregues às chamas”, em 1851. Em 1854, foram queimados, em Ponta Delgada mais de 100 000 “bicos de praga daninha” e no ano seguinte só entre 1 de janeiro e 23 de fevereiro foram queimados 39 067 bicos.

Mas os massacres não ocorreram só em Ponta Delgada, por exemplo em Vila Franca do Campo no ano de 1834 foram mortas 32 968 aves, em 1835, 18 109, e em 1836, 39 247.

Francisco Maria Supico, na Persuasão do dia 14 de setembro de 1898, menciona o “brutal e perigoso emprego de veneno”, arsénico, para ajudar no combate às aves durante alguns anos. Segundo ele “a selvajaria do emprego do arsénico para matar pássaros, não continuou. Desde logo se lhe reconheceriam os grandes perigos”.

A perseguição às aves não mereceu a unanimidade da sociedade micaelense, não tendo merecido a aceitação por parte do Padre João José do Amaral e de Tomaz Hickling.

A propósito da contestação ao combate à praga, Francisco Maria Supico escreveu:

“Tantos anos decorreram e tantas gerações se sucederam a praticar estes dois males: matar inocentes e cercear interesses agrícolas.

Porque afinal veio a conhecer-se que é menor o mal causado pelos pássaros do que o benefício que eles produzem nutrindo-se da bicharada que se desenvolve nos terrenos”

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31037 de 14 de setembro de 2016, p. 16)

terça-feira, 13 de setembro de 2016

A Tração animal no século XIX


A Tração animal no século XIX

Durante séculos, algumas pessoas e associações lutaram contra o abuso de que eram vítimas os animais usados para puxar carroças, muitas vezes famintos e doentes.

Entre nós, a Sociedade Micaelense Protetora dos Animais fundada, entre outros, por Alice Moderno e Maria Evelina de Sousa, dedicou os primeiros anos da sua existência a procurar melhores condições para sobretudo bois e cavalos, quer alertando as autoridades para os maus tratos de que eram vítimas, quer combatendo o uso da aguilhada, quer propondo a melhoria dos caminhos por onde passavam os veículos de tração animal.

Hoje, apesar da evolução dos meios de transporte, os animais continuam a ser usados para transporte de cargas, muitas vezes superiores às suas forças, pelo que algumas organizações continuam o combate pela sua libertação da exploração e maus-tratos.

Outras entidades, entendem que os animais não-humanos não devem ser objeto de posse nem de propriedade pelo que, por princípio, recusam o seu uso para qualquer fim, como é o caso da tração animal, circos, touradas, etc.

No século XIX, a situação era um pouco diferente. Assim, se lermos “O Agricultor Micaelense”, de 1844, concluiremos que para além da questão dos caminhos também se defendia a construção de carros mais adequados. Assim, enquanto uns diziam que “carros d’outra qualidade…não podem resistir a caminhos tão maus; nem os bois tinham forças par os puxar por uns pisos tão descompostos e bravios”, outros argumentavam “que é um errado pressuposto o cuidar-se, que não se haveriam melhor com os caminhos ruins os carros bons do que os maus”.

A terminar, o autor do texto defende “que antes e primeiro de tudo, nós nos devemos arremessar aos carros e obriga-los por todo os modos, pela persuasão e pela força, a transformar-se e civilizar-se para interesse comum dos viandantes e transportes; e até para benefício dos bois, de seus condutores e de seus donos”.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31036, 13 de setembro de 2016, p.16)

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Maria Machado uma açoriana resistente ao Estado Novo


Maria Machado uma açoriana resistente ao Estado Novo

Maria Machado (1890-1958), que usou o pseudónimo de Rubina, foi uma professora primária natural da ilha de São Jorge, tendo sido, de acordo com Pedro Benjamim, um dos mais destacados dirigentes do PCP – Partido Comunista Português, oriundo dos Açores, durante o Estado Novo.

Maria Machado nasceu na Vila da Calheta, a 25 de Fevereiro de 1890, tendo-se destacado, segundo o jornal Avante, de 26 de fevereiro de 2015, “desde muito cedo pelo seu empenhamento no combate contra a ignorância e o obscurantismo, que grassava não só nos Açores como por todo o País. Assumindo o ensino como ferramenta essencial para a aquisição de consciência social e cultura integral, Maria Machado funda uma biblioteca para os alunos da escola, que logo abre à restante população”

De São Jorge Maria Machado ruma a Lisboa onde nas escolas onde trabalhou utiliza os mesmos métodos inovadores baseados nos princípios da «Escola Activa» que já utilizava na sua terra.

Foi detida pela PVDE pela primeira vez a 1 de agosto de 1936 por ser professora de Português na Liga dos Esperantistas Ocidentais, que segundo as autoridades era “considerada um baluarte do PCP e das Juventudes Comunistas”. Esteve presa na Cadeia das Mónicas entre Setembro e Dezembro daquele ano.

Depois de ter viajado para os Açores em 1937, no ano seguinte instala-se em Paris onde desempenha tarefas no Comité da Frente Popular Portuguesa e foi delegada do PCP junto do PCF – Partido Comunista Francês.

Regressou a Portugal em 1942, tendo a partir de então ficado ligada às tipografias clandestinas do Avante.

Maria Machado é conhecida na história do PCP pelo facto de ter conseguido queimar toda a documentação existente na casa onde estava instalada uma tipografia clandestina do órgão oficial daquele partido, o jornal Avante, na localidade de Barqueiro, perto de Alvaiázere.

No assalto à tipografia que ocorreu em 1945, Maria Machado sacrificou-se, permitindo que, para além da destruição de documentos comprometedores, se salvassem outos dois militantes clandestinos.

De acordo com Ana Barradas, Maria Machado no seu percurso até ao posto da GNR aproveitou para informar as pessoas que não eram gatunos, mas gente amiga do povo e honrada. Durante o interrogatório, recusou-se a prestar declarações “por dever de comunista e por respeito à sua própria pessoa”.

Fernando Gouveia, no seu livro “Memórias de um inspector da PIDE 1. A organização clandestina do PCP”, que desvaloriza a importância de Maria Machado, afirmando a dado passo que era uma “senhora já com boa idade para ter juízo”, não nega que ela enganou o cabo da GNR, permitindo assim a fuga de dois militantes.

Na sequência deste caso, Maria Machado foi no ano seguinte, 1946, condenada a vinte e dois meses de prisão.

Para além desta prisão, Maria Machado voltou a ser presa em dezembro de 1953, sendo libertada em janeiro de 1954, tendo ocorrido o mesmo em Abril de 1954, tendo sido libertada em outubro do mesmo ano.

Proibida de ensinar, para sobreviver teve de se empregar como governanta numa casa particular e bordar tapetes de Arraiolos.

Faleceu a 4 outubro de 1956, depois de ter visto a sua saúde muito debilitada como resultado de privações e torturas.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31031 de 7 de setembro de 2016, p.16)

terça-feira, 9 de agosto de 2016

Francisco de Amaral Borges e o vegetarianismo


Francisco de Amaral Borges e o vegetarianismo


Depois da fase do incentivo ao consumo de carne e de outros produtos extraídos dos animais, nos últimos tempos tem crescido o número de pessoas que, por razões de saúde, por motivações ambientais ou por preocupações com o tratamento e abate de animais, tem alterado os seus hábitos alimentares, quer reduzindo, quer eliminando todos os alimentos de origem animal.

O vegetarianismo que começou por ser condenado pelas entidades oficiais, passou a ser olhado de outra maneira a partir do momento em que a Direção-Geral de Saúde editou o manual “Linhas de Orientação para uma Alimentação Vegetariana Saudável”, isto é em julho de 2015.

O surgimento de uma associação vegana em São Miguel é fruto da divulgação entre nós das várias correntes do vegetarianismo e da procura de um novo estilo de vida e não tem qualquer relação com as pessoas que no passado optaram por viver e alimentar-se fugindo ao que era mais comum.

De entre as pessoas que temos conhecimento e que de algum modo foram precursoras do que hoje está a acontecer destaco o Dr. Francisco Amaral Borges que foi professor de inglês na Escola Secundária Antero de Quental.

Em 1972, o “Circulo de Amigos da Lagoa” promoveu uma palestra intitulada “O naturismo como ideal ao serviço da saúde” que foi proferida pelo Dr. Francisco Amaral Borges e transcrita na íntegra em dois números do jornal “Açores”.

Através da leitura do texto da palestra, a primeira conclusão que se tira é a de que uma das motivações para a prática do naturismo é a saúde, como se pode ver através do seguinte extrato:

“Se uma nação só é verdadeiramente rica quando possui cérebros lúcidos e geniais capazes de tornarem uma sociedade feliz em todos os domínios, somos levados a concluir que a profilaxia das doenças crónicas e a prática de uma alimentação racional só poderão fazer-se ensinando a vier com saúde”

O que era para o Dr. Francisco Borges viver com saúde?

Viver com saúde é viver tendo em conta os perigos das bebidas alcoólicas, do tabaco, da poluição, dos erros de dietética e da vida sedentária, entre outros.

No que diz respeito à alimentação, o palestrante defendeu que o naturismo “ensina a respeitar a existência de todos os seres e como tal condena a alimentação cárnea, considerando-a criminosa pelo atentado que isso representa contra a vida dos animais, que, pertencendo, como nós, à mesma escala de evolução, lhes assiste também o direito de um lugar devido”.

Depois de passar grande parte da palestra a demonstrar os malefícios da carne e a desmontar a ideia de que a proteína animal era superior à vegetal, o Dr. Francisco Amaral Borges socorreu-se da espiritualidade/religião para apoiar as suas ideias, afirmando que Cristo “pertencia à seita dos Essénios, que eram estritamente vegetarianos”.

Homem de convicções fortes, o Dr. Francisco Amaral Borges terminou a sua palestra demonstrando uma confiança inabalável num futuro diferente, como se pode ler pelo seguinte extrato:

“A defesa de uma causa - quando justa - é sempre difícil e demorada. E são sobretudo as causas que visam o interesse geral e coletivo as que mais dificuldades oferecem. Elas requerem, para serem sustentadas, muita persistência, tenacidade e confiança, durante muitos anos, tantos que uma existência, só, não basta para as impor à luz da razão. Mas a fé move montanhas, como sói dizer-se, opera prodígios, porque os que a possuem nunca desanimam e confiam ainda na natureza boa do Homem”.

A palestra não deverá ter deixado ninguém indiferente, o mesmo aconteceria se fosse proferida hoje. Também, considero que há pontos de convergência entre o pensamento do Dr., Francisco Amaral Borges e o dos vegetarianos de hoje, sendo o principal a fé na possibilidade de haver um mundo novo melhor para todas as criaturas.

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 31007, 10 de agosto de 2016, p.16)

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

MARCONI


MARCONI, O CIENTISTA QUE VISITOU O FAIAL

Na minha qualidade de professor de Física e Química, sempre que lecionava a disciplina de Física ao 12º ano de Escolaridade organizava visitas de estudo às instalações da Companhia Portuguesa Rádio Marconi.

As visitas tinham sempre dois objetivos principais: fazer com que os alunos entrassem em contacto com engenheiros eletrotécnicos e mecânicos, ficando a conhecer uma das possíveis saídas profissionais e contatar aplicações práticas de conteúdos lecionados nas aulas, nomeadamente os relacionados com lançamento de satélites, o movimento destes e as comunicações à distância.

Fruto da evolução científica e tecnológica, a funções desempenhadas pela referida empresa deixaram de ter importância em termos de comunicações e as instalações foram sendo progressivamente desativadas. Por tal motivo, penso que uma das últimas visitas que fiz foi em 2002 com alunos da Escola Secundária da Ribeira Grande.

Mas, quem foi Marconi e que contributo deu para a ciência?

Guglielmo Marconi foi um físico e inventor italiano que nasceu em Bolonha a 25 de abril de 1874 e faleceu, subitamente, em Roma a 20 de junho de 1937.

Depois de o seu trabalho ter sido contestado nos Estados Unidos da América, nomeadamente por não ter descoberto nenhum aparelho, o seu mérito acabou por ser reconhecido, tendo, em 1909, recebido o Prémio Nobel da Física, juntamente com o físico alemão Karl Ferdinand Braun que descobriu os semicondutores e a quem se deve o aperfeiçoamento dos transmissores de Marconi.

O que fez então Marconi para ver reconhecida a sua obra científica?


Utilizando e aperfeiçoando instrumentos criados por outros cientistas e fazendo recurso de conhecimentos de outros, nomeadamente de Heinrich Hertz, físico alemão, que produziu pela primeira vez ondas eletromagnéticas em laboratório, Marconi realizou um conjunto de experiências que tornaram possível o estabelecimento de comunicações entre dois pontos distantes não ligados entre si por fios condutores.

Assim, em 1895, Marconi conseguiu estabelecer comunicações entre dois pontos distantes de 3 km, em1897, estabeleceu a comunicação entre La Spezia e um navio de guerra italiana que estava a 18 km de distância, em 1899 fez a transmissão entre a França e Inglaterra, distanciadas entre si de cerca de 50 km, em 1901, estabeleceu a primeira comunicação intercontinental, entre a Inglaterra e o Canadá e, em 1924, conseguiu a transmissão “da palavra humana” entre a Inglaterra e a Austrália.

Viajando no seu iate, Marconi, em 1922, esteve na ilha do Faial. No dia antes da largada daquela ilha, a Câmara Municipal da Horta prestou-lhe uma grande homenagem, tendo-o proclamado como cidadão honorário.



Teófilo Braga

quarta-feira, 27 de julho de 2016

O vegetarianismo é uma moda?


O vegetarianismo é uma moda?

“Embora eu tenha sido impedido pelas circunstâncias exteriores de observar uma dieta estritamente vegetariana, eu tenho sido desde há muito um adepto da causa, em princípio. Além de concordar com os objetivos do vegetarianismo por motivos estéticos e morais, é a minha opinião de que uma forma de vida vegetariana, pelo seu efeito puramente físico no temperamento humano, seria mais benéfica influência no destino da humanidade. (Albert Einstein)
Neste texto tento explicar o que é o vegetarianismo e depois procuro demonstrar que tenho fortes razões para pensar que a opção por aquele regime alimentar não é uma moda dos tempos atuais.
De acordo com o Centro Vegetariano, associação cujo fim é a “divulgação e promoção do vegetarianismo e veganismo, nas suas vertentes éticas, de saúde, ecológicas e económicas” um vegetariano é uma pessoa “que se alimenta basicamente de grãos, sementes, vegetais, cereais e frutas, com ou sem o uso de lacticínios e ovos. Os vegetarianos excluem o uso de todas as carnes animais, incluindo peixe”.
Entre os vegetarianos existem várias subcategorias, como os ovo-lacto-vegetarianos, os lacto-vegetarianos, os ovo-vegetarianos, os vegetarianos puros, os veganos, os frugívoros e os crudívoros.
Como através da designação da maioria das diversas categorias é fácil identificarmos os alimentos que são “autorizados” para os seus seguidores, apresentamos, a seguir, apenas a diferença entre vegetarianos puros e veganos. Assim, enquanto os vegetarianos puros apenas excluem da sua alimentação todos os produtos de origem animal, os adeptos do veganismo seguem um filosofia e estilo de vida que busca excluir todas as formas de exploração e crueldade contra animais não só na alimentação, mas também no vestuário, etc. Alem do referido, também não usam produtos testados em animais e condenam todos os espetáculos onde os animais são explorados (torturados) para divertimento (circos, touradas, delfinários, etc.)
Relativamente ao facto da opção por uma dieta vegetariana ser uma moda e como tal passageira, recorda-se que, segundo alguns autores, o vegetarianismo surgiu há cerca de 5 milhões de anos atrás e ao longo da história tem sido seguido por muitas pessoas.
Tal como acontecia em Portugal continental onde, segundo Sílvia Ferreira e Nuno Metello, num texto intitulado “O vegetarianismo ao longo da história da humanidade”, os habitantes das aldeias continuavam a ser principalmente vegetarianos, consumindo produtos de origem animal apenas ocasionalmente (geralmente em ocasiões especiais), entre nós tal também acontecia pelo menos até meados do século passado, onde por exemplo a carne de vaca só era comida aos domingos ou por ocasião das festas religiosas.
Como movimento cívico organizado, em Portugal, o vegetarianismo teve alguma divulgação através da Sociedade Vegetariana de Portugal, fundada em 1911, que tinha sede na cidade do Porto. A sua revista mensal, de excelente qualidade para a época, intitulada “O vegetariano”, chegava aos Açores onde viviam meia dúzia de assinantes em várias ilhas.
Alguns autores referem que não há, a nível mundial, estatísticas confiáveis que permitam afirmar com alguma segurança quantos vegetarianos existem. No nosso país apenas conhecemos os resultados de um estudo encomendado pelo Centro Vegetariano que apontava para a existência, em 2007, de 30 000 vegetarianos.
Não havendo dados atualizados, acreditamos que o número de pessoas que optam pelo vegetarianismo/veganismo está a aumentar pois têm vindo a crescer o número de estabelecimentos comerciais que se dedicam a vender produtos para vegetarianos/veganos, há cada vez mais restaurantes com pelo menos uma opção vegetariana nos seus menus, a comunicação social anunciou recentemente a intenção de uma empresa de refeições veganas, dos EUA, de instalar em Santa Maria da Feira uma unidade industrial que criará 600 postos de trabalho, onde haverá um investimento de 60 milhões de euros.
Para além do referido, entre nós, já está legalizada e em fase de instalação uma associação vegana, a Vegaçores – Associação Vegana dos Açores, que no passado dia 9 de julho conseguiu a proeza de juntar num jantar, em São Miguel, 80 pessoas.
Face ao exposto, penso que, sendo uma moda “uma maneira ou costume mais predominante em um determinado grupo em um determinado momento”, quando se fala em vegetarianismo/veganismo está-se a falar num regime alimentar/filosofia de vida em expansão.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30995, 27 de julho de 2016, p.12)

terça-feira, 26 de julho de 2016

Vitória Pais Freire de Andrade e a oposição às touradas



Vitória Pais Freire de Andrade e a oposição às touradas

Tenho lido alguma bibliografia sobre touradas, quer de adeptos, quer de defensores da abolição das mesmas, mas até recentemente não havia encontrado nenhuma publicação escrita por uma mulher.

No texto de hoje, farei uma breve referência a Vitória Pais Freire de Andrade (1883 - 1930), professora, natural de Ponte de Sor, e ao texto da sua autoria “A acção dissolvente das touradas”, que foi apresentado numa conferência proferida, a 29 de março de 1925, na Associação de Classe de Empregados de Escritório e editado por várias entidades, entre as quais a associação mencionada, a Associação de Professores de Portugal, a CGT-Confederação Geral do Trabalho, o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, a Universidade Livre e a Universidade Popular.

Vitória Pais Freire de Andrade ao longo da sua vida abraçou várias causas, entre elas a do associativismo dos professores e o feminismo, tendo militado em várias associações, como a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, a Associação de Propaganda Feminista e o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas. Foi, também uma militante no combate à prostituição e liderou o movimento pela abolição das touradas.

A dado passo da sua conferência, Vitória Freire de Andrade, depois de classificar as touradas como “essa vergonhosa tradição que o passado nos legou […], mas que a ciência histórica de hoje nos diz ser, por vezes, bem pouco dignificante como herança moral” manifestou a sua oposição às mesmas já que era “por natureza e por educação” contrária a todas as violências.

Nada suave nas suas palavras, Vitória Freire de Andrade, que considerou as touradas como “a arte dos brutos” defendeu que enquanto aquelas não acabassem se devia pelo menos proibir “que criancinhas ainda inocentes, ainda livre do contágio dos sentimentos grosseiros, se conspurquem em tal ambiente”.
Sobre as chamadas touradas de caridade, a companheira de Alice Moderno na Liga Republicana das Mulheres Portuguesas disse:

“E àqueles que nos disserem que as touradas são precisas, porque são uma bela fonte de receita para obras de beneficência, dir-lhe-emos simplesmente o seguinte: que infelizmente, ainda transigimos com o facto de se organizarem festas para delas se tirar recursos para os mais necessitados […] mas que ao menos se junte o útil ao agradável. Que essas festas produzam o pão indispensável para o estômago e a não menos indispensável luz para os espíritos. Que nem uma só ideia reservada presida à sua orientação, sob pena de serem imediatamente desmascarados os seus falsos organizadores. Que uma única divisa se admite: fazer o bem pelo bem.”

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30994, 26 de julho de 2016, p. 16)

terça-feira, 19 de julho de 2016

O Padre João José do Amaral e a perseguição às aves


O Padre João José do Amaral e a perseguição às aves

A primeira sociedade agrícola portuguesa, a Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense (SPAM), criada a 11 de janeiro de 1843, foi aprovada por Decreto de 24 de abril de 1844. Entre outros objetivos, a SPAM pretendia promover o desenvolvimento da agricultura, o melhoramento dos gados insulares e a divulgação dos mais adiantados princípios da agrologia.

Noutro espaço e noutra ocasião terei oportunidade de fazer referência ao trabalho meritório da SPAM que pretendia fazer “uma revolução regeneradora, pacífica, e vagarosa” que consistia, entre outros pontos, em “suprir pela produção própria, quanto possível, a importação estranha”.

Uma das iniciativas da SPAM que não foi consensual na altura foi a do combate aos “pássaros daninhos”. Sobre o assunto, foi publicado no jornal “O Agricultor Micaelense”, órgão daquela instituição, um anúncio onde era pedido aos párocos para fazer chegar a todos os “fregueses” a notícia da criação de dois prémios destinados a todos os indivíduos que demonstrassem ter morto o maior número de pássaros daninhos.

Sobre o combate às pragas, o Padre João José do Amaral (1872-1853), no Agricultor Micaelense, deu a conhecer extratos de dois textos divulgados por duas publicações estrangeiras.

No primeiro, é mencionada a perseguição pelos agricultores à gralha acusada de prejuízos que ela não podia causar em virtude do seu regime alimentar e no segundo, um correspondente da “Gardner’s Chronicle” escreveu que não consentia que nas suas hortas e herdades se matasse qualquer pássaro pois como resultado da presença dos mesmos evitava os danos causados por lagartas. A mesma pessoa afirmou que nos locais vizinhos, onde criaram comissões para a destruição da praga, era “incrível o estrago causado por lagartas e caracóis”.
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Hoje, como sabemos a Química resolve (quase) tudo. Com que custos?

Teófilo Braga
(Correio dos Açores 30988 de 19 de julho de 2016, p. 10)