terça-feira, 23 de junho de 2020

Memórias do São João na Lagoa do Congro



Marça de 1971

Memórias do São João na Lagoa do Congro

Não sou capaz de recordar da data da primeira vez que fui visitar a Lagoa do Congro e a dos Nenúfares, mas não cometerei qualquer erro se disser que terá sido em 1971 ou 1972, integrado num grupo de amigos de vários locais da ilha de São Miguel, onde era presença obrigatória o senhor George Hayes que havia sido explicador de inglês de alguns deles.

Na altura, os caminhos ainda estavam muito bem arranjados, na envolvente à Lagoa dos Nenúfares sobressaiam as azáleas e ainda era possível contorná-la. Embora pense que o espaço ainda era guardado por um feitor, no caso o senhor Vasco Viveiros Araújo que residiu na rua Nova, na Ribeira Seca de Vila Franca do Campo, a entrada nunca nos foi barrada.

Durante muito tempo, o senhor Vasco residiu na casa da Lagoa do Congro que foi mandada construir por José do Canto, tendo uma das suas filhas, Louise Rainha, nascido lá.

De acordo com informações por ela prestadas, a casa possuía água potável que era proveniente de uma nascente que existia nas redondezas, a iluminação era através de candeeiro a petróleo e o telefone só chegou em 1960.

Ainda de acordo com Louise Rainha, o acesso era restrito e as visitas eram autorizadas pelo senhor Fulgêncio Pimentel ou esposa, tendo os visitantes que apresentar um cartão assinado por um deles. Além disso, as vistas eram apenas para ver a lagoa, estando interdito o acesso às casas. Todo o espaço estava aberto ao público apenas no dia de São João, 24 de junho.

Esméria Bolota, natural da Ribeira Seca, atualmente a viver nos Estados Unidos da América, tem poucas recordações do São João na Lagoa do Congro, pois lá esteve uma vez quando tinha 7 ou 8 anos. Apenas se recorda de ter ido visitar “as lagoas como dizia mos alagoa grande e a pequenina” e de ver pessoas a tocar instrumentos musicais e a cantar.

Lurdes Andrade, de 71 anos de idade, num depoimento prestado numa rede social, escreveu que se lembrava de, quando tinha quatro ou cinco anos, ter ido de carroça com uma família da rua da Paz, no dia de São João, para a Lagoa do Congro e de ter visto fogueiras, pessoas a tocar viola e flauta e de haver bailes.

No livro de Eduardo Furtado, intitulado São João da Vila, é possível encontramos um conjunto de depoimentos, mais antigos que os mencionados acima, sobre a tradição de comemorar o 24 de junho nos terrenos adjacentes à Lagoa do Congro, com destaque para os do professor Eduardo Calisto Amaral, do professor José Cabral, do Dr. Eduardo Tavares de Melo e do senhor Manuel Soares Ferreira.

Dos depoimentos referidos, selecionamos dois extratos, que ilustram bem como era passado o dia na Lagoa do Congro:

 “No tapete verde junto das casas de veraneio do “senhor da Lagoa do Congro” - o saudoso Dr. Guilherme Poças Falcão, alma grande na Benemerência e que passou por este mundo a acudir a este e àquele- realizavam-se descantes e “balhos corridos” ao som de guitarras, de violas e de rabecas.” (Eduardo Tavares de Melo)

“…. Assim juntavam-se famílias que iam para a Lagoa do Congro, quando era ainda propriedade do Dr. Guilherme Poças Falcão. Toda essa zona era um relvado bem cuidado onde se organizavam balhos populares e onde as pessoas se divertiam de manhã à noite.
Os transportes eram os carros de bois, as carroças puxadas a machos e mais tarde a camioneta da carreira do Sr. António Damião de Medeiros que se chamava “Raquel”.
Havia também na Lagoa, junto às casas, uma barraca com o célebre vinho de cheiro, petiscos, cerveja, etc. do Sr. João de Amaral, dono da antiga casa Havaneza.” (José Cabral).

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 32163, 24 de junho de 2020, p.15)

Marcha de São João de 1970