quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Os pombos


Os pombos em Ponta Delgada em 1933

A 11 de Fevereiro de 1933, Alice Moderno escreveu um texto, no jornal Correio dos Açores, onde, para além de se regozijar pelo facto dos pombos existentes na cidade de Ponta Delgada serem “poupados às balas dos caçadores”, mencionou o facto dos mesmos serem alimentados por donos de estabelecimentos comerciais e outras pessoas que “lhes distribuíam diariamente as rações de milho de que se sustentavam”. Segundo ela, para “além da bondade que manifestavam para com os animais, vinham dando aos seus concidadãos um belo exemplo educativo”.
Mas, como não há bela sem senão, no mesmo texto Alice Moderno, também, menciona o facto de em frente à Varanda de Pilatos serem praticados “actos da mais requintada crueldade”. Com efeito, alguns indivíduos atiravam aos pombos milho “em cujo grão” colocavam “um pequeno anzol, preso, por sua vez, a um barbante”.
Alice Moderno termina o seu texto denunciando à polícia a situação e lamentando que aqueles “atos repugnantes, de repreensível maldade” serem praticados num local “frequentemente transitado por viajantes, que levarão uma bem triste ideia da forma como são tratados, nesta terra, os pobres animais, tão dignos de melhor sorte”.
No dia 17 do mesmo mês, a redação do Correio dos Açores informa que o artigo de Alice Moderno foi muito felicitado e acrescenta que a perseguição aos pombos já vem de longe, lamentando que “pelo encanto e suavidade que dão à paisagem da Baixa, bem mereciam que alguém de ânimo generoso tomasse desassombradamente a sua defesa”.
No dia seguinte, 18 de Fevereiro, os responsáveis pelo Correio dos Açores voltaram à carga e acrescentaram que era “preciso castigar severamente e de forma que o delinquente sinta o castigo. E se à polícia incumbe aplica-lo a todos nós cumpre velar para que actos dessa natureza se não repitam, denunciando os malfeitores, amarrando-os à vergonha do seu delito”.
Os responsáveis pelo Correio dos Açores terminam o seu texto com um parágrafo que, apesar dos anos decorridos, mantém toda a atualidade: “De resto, essa insânia de malvadez com os animais, não será uma curiosa revelação psicológica daqueles que, cansados de fazer mal ao seu semelhante, ou temendo fazê-lo, cevam os seus ruins instintos perseguindo…os pombos?!
O poeta micaelense Francisco Espínola de Mendonça, formado em Filologia Romântica, que foi professor no Liceu de Ponta Delgada, no dia 20 de Fevereiro de 1933, sobre o assunto publica no mesmo jornal dois sonetos, de que se transcreve o seguinte:
De quando em quando, em doces revoadas,
Bandos de pombas descem junto a nós.
Não têm pombal e vivem longe, sós,
Nos alcantis de rochas escarpadas.

Uns grãos de milho, numa ânsia atroz,
Pedem elas às almas bem formadas.
Mas quantas vezes são atraiçoadas,
E vêm morrer nas garras dum algoz!

Acarinhai as pombas diligentes
Que vibram como nós, em luta igual,
Por amor dos filhinhos inocentes.

E, por piedade, não lhes façam mal.
Abram-se as mãos e as almas complacentes
Às pobres pombas que não têm pombal…

Hoje, a presença de pombos nas cidades continua a ser alvo de simpatia por grande parte das pessoas, mas não encontrando predadores o seu número tem aumentado muito, constituindo um problema para a saúde pública.
De modo a evitar mortes e sofrimento desnecessário existem métodos para controlar as populações, associados à redução dos seus abrigos e de alimentos.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 25 de fevereiro de 2015, p. 12)

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

O desamor pelas árvores



O desamor pelas árvores

1- As podas de hoje e as de ontem
Há alguns dias passei em frente à chamada Escola da Mãe de Deus e deparei-me com uns “objetos” que mais pareciam postes de eletricidade ou de telefone do que os seres vivos que conhecemos como sendo árvores.
Como se não bastasse o mau podar ao longo nas estradas e caminhos em várias ilhas dos Açores, a decapitação das árvores também ocorre no interior dos próprios estabelecimentos escolares, de que a escola referida, infelizmente, não é um caso isolado.
Há escolas onde árvores que produzem bonitas flores nunca chegam a florir, há escolas onde, com o pretexto da segurança, todos os anos as árvores são decepadas, não ficando um único ramo para amostra, há escolas que possuem cursos profissionais ou afins onde não se ensina as técnicas de bem podar.
Em suma, se tomássemos a árvore pela floresta, diríamos que nas escolas apenas se deseduca.
Mas, o que faz com que as coisas sejam assim e não se alterem os (maus) hábitos?
Sinceramente desconhecemos, mas poderá estar relacionado com a má preparação ou desmotivação/desleixo dos professores, com a insensibilidade ou falta de informação dos dirigentes escolares, com a falta de bom senso dos autarcas responsáveis pelos edifícios escolares, com a ignorância dos podadores ou com a maldita tradição que nos impede de remar contra a corrente, apesar de por vezes termos consciência de estarmos a caminhar para o abismo.
De acordo com o que nos é dado conhecer, a arte de má podar já é antiga e ao longo dos tempos tem sido denunciada na comunicação social dos Açores, como foi o caso de “um amigo das árvores” que numa carta, datada de Fevereiro de 1930, dirigida ao jornal Correio dos Açores, reclamou contra o modo como foram podadas várias árvores junto à Matriz de Ponta Delgada.
Segundo o colaborador do Correio dos Açores que teve a paciência de descrever como deviam ser feitas as podas, a situação era tal que causava “ horror ver como foram dados os cortes, parecendo mesmo que o podador não tem a mínima noção da forma de fazer uso do serrote”.
2- Plantar em vão
Há mais vinte anos, pelo menos duas vezes por dia, passo no caminho da Giesta, que liga a Estrada da Ribeira Grande à freguesia do Pico da Pedra, e verifico que já foram mais do que muitas as tentativas feitas pelos autarcas de arborizar aquela artéria.
Apesar, creio, da boa vontade dos responsáveis os resultados estão à vista, isto é poucas são as árvores existentes e as que lá estão não têm o crescimento que era suposto que tivessem.
Muitas poderão ser as razões apontadas, mas uma possível causa, não temos dúvidas, estará relacionada com o facto de as árvores não estarem no interior de uma caldeira ou então protegidas de modo a evitar que a seda ou a lâmina das roçadoras fira o seu tronco.
Com o esquecimento da função do sacho e com a pressa de apresentar trabalho feito, o recurso à monda manual também deixou de ser moda e os novos métodos não são devidamente aplicados tanto nos caminhos como nas escolas.
Nos estabelecimentos escolares as roçadoras, também, são rainhas em mutilar troncos de árvores e arbustos as quais também são vítimas de algumas comemorações, de que são exemplo os dias da Árvore, da Terra e do Ambiente.
Nos dias referidos, uma das atividades prediletas é a plantação de espécies diversas com destaque, nos últimos anos, para as nativas e endémicas, que regra geral acabam por morrer no mesmo ano. Com efeito, a época tardia em que é feita a plantação faz com que com a entrada do período de férias as plantas fiquem ao abandono, não sendo devidamente regadas.
Será interessante sabermos quantas plantas são cedidas anualmente a todas as escolas dos Açores e quantas sobrevivem ao longo do tempo.
Mas, mais importante será repensarmos o modo como voluntariamente ou não tratamos as plantas e como é feita a sensibilização para a sua proteção.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30554, 11 de fevereiro de 2015)

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Nunca


Da proibição do aguilhão à legalização da “puya”

Em 1928, alguns jornais dos Açores denunciavam o “processo bárbaro de estimular os animais”, tendo sido encontrada a pele de um animal jovem, proveniente da ilha Graciosa, com mais de duas mil cicatrizes de feridas provocadas por um aguilhão.
Na altura, as razões apontadas para a proibição do uso do aguilhão tinham mais a ver com alguma sensibilidade para com o sofrimento animal, mas, sobretudo, com aspetos económicos. Com efeito, o jornal “A União” foi claro relativamente ao assunto quando publicou um texto, mais tarde transcrito no Correio dos Açores, onde se pode ler: “Haverá pois toda a conveniência em que as autoridades competentes façam cumprir rigorosamente o decreto que acaba de ser publicado, proibindo o uso do aguilhão, e isso não só como medida de “caridade” mas também como proteção a uma indústria da nossa terra [fábrica de curtumes] ”.
Através do artigo 3º do referido decreto, datado de 27 de setembro de 1928, ficava proibida “o uso do aguilhão ou de qualquer instrumento perfurante na condução de animais, quer em transporte, quer em trabalho, excepto na condução e trabalho de bovinos da raça brava”. Curioso é que então como hoje há sempre animais que não são animais, isto é, os interesses da tortura para divertimento sempre falaram mais alto.
O decreto mencionado esteve em vigor por muito pouco tempo, tendo sido revogado a 16 de março de 1929 por outro que permitia “em todo o território da República Portuguesa o uso do aguilhão para guiar bovinos adultos em trabalhos de lavoura e carretagem”.
A barbaridade para com os animais continuou de tal modo que, durante cerca de duas décadas, uma das principais lutas de Alice Moderno e da Sociedade Micaelense Protetora dos Animais foi contra o uso do aguilhão, mas agora por razões humanitárias e por compaixão pelos animais que ela dizia que eram “os seus irmãos inferiores”.
Varrido dos Açores o uso do aguilhão, acreditamos que, mais do que por imposições legais, pela evolução dos meios de transporte, isto é, com a caída em desuso das carroças e afins e sua substituição pelos veículos motorizados, continuou a prática imoralmente legal de torturar animais com bandarilhas nas praças de touros.
Não satisfeitos com a barbaridade que são as touradas de praça como as existentes, um grupo de amantes do sofrimento animal quer que o mesmo seja levado ao extremo, através da legalização das touradas picadas ou sorte de varas,, para posteriormente evoluírem para os touros de morte. Sobre esta horrenda barbaridade é bom recordar que, em 1989, houve uma proposta neste sentido que chegou a ser apresentada na ALRA por um membro do governo regional de então.
Quando pensávamos que o planeta Terra estava a girar normalmente em torno do seu eixo e que os deputados estavam preocupados com as gentes que os elegeram, quando acreditávamos que estavam a trabalhar para minimizar os impactos na vida de muitas famílias do desemprego que surgirá com a saída dos militares americanos da ilha Terceira, caiu como uma bomba a notícia que estavam a trabalhar numa atualização do Regulamento Tauromáquico que pretende legalizar a sorte de varas nos Açores ou apenas na ilha Terceira.
Em 2009, sobre o assunto interrogava-me o que teria levado a que alguns deputados apresentassem “ uma proposta legislativa no sentido de legalizar a sorte de varas, prática não tradicional, bárbara, aspiração de uma minoria e vergonhosa para a região, caso seja aprovada?”
Na altura, pensava que teria sido uma “ uma atitude impensada de desrespeito pelo bem-estar animal e pelo querer das pessoas de bom senso, confiantes que sairiam impunes perante a opinião pública açoriana, nacional e internacional” e acrescentava que os deputados ainda estavam a tempo de arrepiar caminho.
Hoje, perante a repetência de alguns, e pensando que sabem bem o que são as touradas picadas e que conhecem as dimensões dos instrumentos de tortura, as “puyas”, já não tenho qualquer vontade de repetir o apelo pois não os considero pessoas de bem.
A todos os opositores da barbaridade que é a sorte de varas, deputados ou não, a minha solidariedade e apoio, no que me for possível, para impedir que alguns sádicos manchem o bom nome dos Açores.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30548, de 4 de fevereiro de 2015)
Assine a petição: http://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=PT75986