segunda-feira, 8 de maio de 2017

A propósito de Burros na Ribeira Seca



A propósito de Burros na Ribeira Seca

De vez em quando, minha tia Zélia Soares que tem 87 anos pergunta se me recordo de meu avô, Manuel Soares, que morava na rua do Jogo, na Ribeira Seca de Vila Franca do Campo, ter uma burra.

A burra referida pernoitava no rés-do-chão da casa até que uma doença que atingiu vários membros da família levou a que, por conselho médico, meu avô a retirasse de lá.

À semelhança de meu avô outras pessoas na localidade, também, usaram burros para transporte de cargas, nomeadamente canados de leite, lenha para os fornos ou sacas de milho para os moinhos.

Se bem me lembro, lá na rua possuíam burros o senhor Ernesto que era dono meia dúzia de cabeças de gado e que para reforçar o seu orçamento familiar também se dedicava ao comércio de alguns produtos agrícolas, tendo ficado com a alcunha de “Ernesto das mónicas” por as (nêsperas) ter vendido e o senhor José Cabral que foi o último moleiro da Ribeira Seca, cuja moagem elétrica foi musealizada e encontra-se aberta ao público.

Para além das pessoas já mencionadas, também me recordo de terem possuído burros, na Ribeira Seca, três outros moleiros: José Estevão, Manuel Verdadeiro e Ângelo Verdadeiro.

O senhor José Estevão, que foi último moleiro que usou um moinho movido pela água da ribeira que atravessa a localidade, era um grande conhecedor da história de Portugal, tal como foi transmitida pelo Estado Novo.

Manuel Verdadeiro, irmão de minha avó Maria Verdadeiro, primeiro teve um moinho de água, localizado nos Moinhos, hoje em ruínas, e depois um movido a eletricidade, localizado na rua Nova, também possuía uma burra que depois foi herdada, tal como o moinho, pelo seu filho Ângelo que morou na rua da Cruz.

Este meu primo Ângelo era o que se pode chamar um doente pelo futebol, mais propriamente pelo Sport Lisboa e Benfica. Assim, sobretudo às segundas-feiras, sempre que o “glorioso” ganhava os jogos no dia anterior, quando ele ia buscar mais milho para moer, para além de muitos vivas ao Benfica que ia distribuindo pelas ruas, a burra apresentava-se bem aperaltada e com as unhas pintadas de vermelho.


Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31224, 9 de maio de 2017, p.17)

quinta-feira, 4 de maio de 2017

Veríssimo Borges e a política


Veríssimo Borges e a política

Hoje, lembrei-me de Veríssimo Borges, depois da leitura de um livro sobre a vida e a obra do anarquista terceirense Adriano Botelho e de ler um texto do engenheiro Jorge Macedo sobre a construção da desnecessária incineradora, se o desenvolvimento sustentável que se apregoa fosse para ser levado a sério e não um conceito ilusório pois, segundo Leonardo Boff, postula um desenvolvimento “que se move entre dois infinitos: o infinito dos recursos da Terra e o infinito do futuro. A Terra seria inesgotável em seus recursos. E o futuro para frente, ilimitado. Ora, os dois infinitos são ilusórios: os recursos são finitos e o futuro é limitado, por não ser universalizável” (Rui Kureda, 2009).

Antes de entrar no tema proposto, quero recordar que fui membro da Quercus, o sócio mais antigo nos Açores, mas por ser presidente dos Amigos dos Açores decidi nunca ter um papel ativo no núcleo de São Miguel daquela associação que surgiu na sequência da minha apresentação do Veríssimo a Viriato Soromenho Marques, durante um jantar no Casino das Furnas, aquando da presidência aberta de Mário Soares.

O Veríssimo Borges ainda hoje é conhecido pela sua militância em defesa da causa ambiental, tendo sido o dirigente mais conhecido do Núcleo de São Miguel da Quercus, durante muitos anos a maior associação ambientalista portuguesa até se “fragmentar”, dando origem a outras duas organizações, o FAPAS – Fundo para a Proteção dos Animais Selvagens, em 1990, e a ZERO- Associação Sistema Terrestre Sustentável, em finais de 2005.

Numa aula do Mestrado em Educação Ambiental que frequentei com o Veríssimo, perguntado sobre a sua opção política, a sua resposta foi: “sou anarquista autoritário”. Não vamos perder muito tempo com esta afirmação contraditória, como ele próprio reconheceu na altura, pois os anarquistas rejeitam qualquer forma de autoritarismo, mesmo que temporária, como defendem algumas correntes socialistas.

Noutra ocasião, sobre a vida política, Veríssimo Borges afirmou: “Tenho uma particular aversão pelos partidos do governo e alternativa. São extremamente parecidos e alternam o jogo da “cadeirinha”. E pela sua própria função e situação no todo social, põem os interesses partidários à frente dos interesses nacionais coletivos”.

Sobre o seu posicionamento politico, após o 25 de abril de 1974, depois de mencionar que se posicionou na extrema-esquerda e que sem ter mudado a sua forma de pensar, embora “perfeitamente apartidário” se revia no Bloco de Esquerda e concluiu: “Nunca me revi nas esquerdas do PC, nunca fui comunista e agora até os respeito porque eles também não o são”.

Em 2008, o Veríssimo foi o segundo candidato a deputado nas listas do Bloco de Esquerda por São Miguel tendo aquela força partidária suspendido a campanha devido ao seu falecimento. Num comunicado sobre o mesmo pode-se ler: "O Bloco inclina-se perante a memória de Veríssimo Borges, lutador emérito pela causa da preservação ambiental dos Açores e do bem-estar social das populações destas ilhas, que ele amava como ninguém".

Antes do 25 de abril de 1974, o Veríssimo Borges foi contra a ditadura, foi preso algumas vezes pela PIDE, tendo-se tornado político, segundo ele, a partir de 1969 à custa das prisões.

Uma das prisões do Veríssimo ocorreu no dia 1 de maio de1969, perto do Rossio, em Lisboa, após ter sido detido pela PIDE, por estar a distribuir folhetos sobre o 1º de Maio, Dia do Trabalhador.

Em 1969, Veríssimo Borges foi um dos estudantes universitários que participou em atos da pré-campanha eleitoral da lista de oposição democrática que era composta pelo Dr. António Borges Coutinho, pelo Dr. Manuel Barbosa e pelo Dr. João Silvestre.

Veríssimo Borges foi, também, um dos subscritores da Declaração de Ponta Delgada, documento que teve como redator principal Ernesto Melo Antunes e que “constituiu a plataforma eleitoral com vista às eleições de 1969”.


Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31220, 4 de maio de 2017, p.17)